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A Substância: um olhar sobre o conflito entre ideal e realidade (alerta de spoiler)

A Substância: um olhar sobre o conflito entre ideal e realidade (alerta de spoiler)

Por Ale Esclapes - 

O filme A Substância, dirigido por Coralie Fargeat, apresenta uma narrativa sombria e visceral sobre identidade, aceitação e os limites impostos por ideais inalcançáveis. Elisabeth Sparkle, interpretada de forma magnética por uma atriz cuja performance transcende o drama psicológico, é uma figura central no mundo do entretenimento que luta para conciliar quem ela realmente é com a imagem idealizada que construiu ao longo dos anos. Em uma mistura de ficção científica, horror e drama psicológico, o longa cria uma experiência visualmente marcante, com momentos que oscilam entre a introspecção e a brutalidade, enquanto explora os conflitos internos da protagonista.

Um dos temas mais marcantes de A Substância é a crítica ao etarismo, uma forma de discriminação que privilegia a juventude e marginaliza quem envelhece. No mundo do entretenimento, essa crueldade é amplificada por padrões estéticos e comportamentais que relegam artistas como Elisabeth Sparkle à irrelevância conforme o tempo passa. A pressão para permanecer jovem e vibrante é sufocante, transformando o envelhecimento em uma sentença de invisibilidade. O filme retrata esse dilema com crueza, mostrando como a obsessão por um ideal de juventude artificial corrói a autoestima e a saúde mental daqueles que tentam se moldar a ele.

Essa pressão externa alimenta o conflito interno de Elisabeth, que internaliza o etarismo do meio em que vive. Surge, então, um abismo entre o "eu ideal" – representado pela persona jovem e glamorosa chamada Sue – e o "eu real", que luta para ser aceito em sua imperfeição e humanidade. Esse embate entre duas versões de si mesma não é apenas uma metáfora; no universo do filme, a divisão entre esses dois "eus" torna-se literal. A dualidade de Elisabeth expõe como a rejeição do próprio eu pode se transformar em uma violência psíquica devastadora.

Em um momento-chave do filme, Elisabeth é separada fisicamente de Sue, que ganha forma própria. Contudo, essa cisão não resolve seus problemas: ambas descobrem que estão interligadas por regras rigorosas. Cada uma só pode viver sete dias antes de ceder o controle à outra, e sua sobrevivência depende dessa coexistência forçada. O filme transforma essa dinâmica em uma alegoria poderosa sobre a necessidade de aceitação mútua entre as diferentes facetas de uma mesma pessoa. Sue representa o ideal inatingível, mas essencial para a identidade de Elisabeth, enquanto Elisabeth personifica a humanidade crua que Sue tenta negar.

A Substância transcende sua premissa ao propor uma reflexão mais ampla: o que acontece quando violentamos a nós mesmos em nome de um ideal? O filme sugere que, ao rejeitar nossa essência em favor de expectativas externas, estamos condenados à autodestruição. Como lembra a narrativa, somos o que somos, e ignorar essa verdade fundamental pode levar à aniquilação do que nos torna humanos. No desfecho da história, o custo dessa luta se revela alto para Elisabeth e Sue, ecoando uma mensagem universal: apenas ao aceitar nossa totalidade – incluindo nossas imperfeições – podemos encontrar uma forma genuína de sobrevivência.

Direção: Coralie Fargeat
Disponível no MUBI