Por Silvio Ribeiro da Silva -
A Psicanálise de Freud tem como importantes alicerces o que ficou conhecido como primeira e segunda tópicas, sendo a primeira chamada de teoria topográfica (modelo adotado por Freud para pensar o aparelho mental a partir de uma percepção topográfica da mente, envolvendo consciente, pré-consciente e inconsciente) e a segunda de modelo estrutural (revisão feita por Freud não mais vendo o aparelho mental sob o ponto de vista geográfico, mas do ponto de vista estrutural, envolvendo id, ego e superego).
A premissa básica da Psicanálise é a diferenciação do psíquico entre consciente e inconsciente. Se essa diferença não for absorvida, fica impossível a compreensão dos processos patológicos ligados à vida psíquica. Por mais que em essência o psíquico não pertença à consciência, a Psicanálise se vê obrigada a ver a consciência como algo que integra o psiquismo.
Em se tratando de inconsciente, sabe-se que o recalque é o estado das ideias que não podem ser conscientes. No processo analítico, é possível perceber a força que provocou e manteve o recalque, que é a forma prototípica do inconsciente.
Dois tipos de inconsciente se manifestam na psique: um latente, capaz de se tornar consciente, e um reprimido, incapaz de se tornar consciente. No sentido descritivo, existem o inconsciente e o consciente; no sentido dinâmico, só existe o consciente/inconsciente juntos, o que significa dizer que não existe um sem o outro.
A instância responsável pela organização dos processos psíquicos na pessoa é o ego, que se liga à consciência, dominando a descarga de excitações no mundo externo. É preciso deixar claro que ego não é sinônimo de consciente, já que sua gênese está no inconsciente.
No processo analítico, haverá contraposição do recalque em relação ao ego. Toda vez que ocorre uma aproximação do conteúdo recalcado, a continuidade da associação é dificultada e a resistência entra em ação, por mais que o individuo em análise desconheça a existência desse mecanismo, já que ele é inconsciente. Em relação a esse processo, cabe considerar que todo recalcado é inconsciente, mas nem todo inconsciente é recalcado.
O ego é uma parte do id a qual sofreu alterações em decorrência do mundo externo. Ele (ego) se esforça para tornar praticável o princípio da realidade, ao contrário do id, já que neste o que prevalece é o princípio do prazer.
O ego traz em si algumas funções essenciais atribuídas ao consciente, além de conter certos elementos inconscientes, como angústias e estratégias de defesa, por exemplo, o que nos mostra sua existência conectada a uma parte consciente e também a uma parte inconsciente.
O mundo externo age modificando uma parte do id, originando o ego. Isso significa dizer que o ego é formado inicialmente pela parte do id que se modificou a partir do contato com o mundo externo.
Em se tratando do superego, ele é um resíduo das primeiras escolhas objetais do id, sendo originado a partir de uma formação reativa deste. Segundo o que Freud nos diz no texto “O Eu e o Id” (1923), quanto mais forte tiver sido o complexo de Édipo, mais rapidamente ocorreu seu recalque e mais intenso será o domínio do superego sobre o ego, agindo com o intento de uma consciência moral.
No início da vida, somos apenas id, totalmente tomados pelas pulsões. Como já visto em relação às pulsões, quanto maior a tensão, maior o desprazer. Assim, o id visa sempre a uma descarga pulsional.
Em se tratando do período do autoerotismo, narcisismo e amor de objeto, o surgimento do ego se dá logo após o autoerotismo, dando início ao narcisismo. No período do autoerotismo, o ser é totalmente id. No período narcísico, no auge da fase fálica, ocorre o complexo de Édipo, momento em que o fenômeno da castração atua. A pessoa que exerce a função paterna tem um papel preponderante no fenômeno da castração. Essa pessoa executora da função paterna introjetará na personalidade do ser a figura da castração, fazendo com que surja o superego.
O superego, na visão de Freud, é o herdeiro do complexo de Édipo. Este é essencial para o desenvolvimento geral do indivíduo pelo fato de que é ele que garante a separação da criança com os pais já que ela passa a notar que está se tornando independente, além de não ser mais o centro do mundo.
A formação do superego ocorrerá a partir das reações contra as escolhas objetais do id ocorridas ao longo do complexo de Édipo. O superego se consolida a partir das indicações do ideal de ego além do indicativo da proibição.
Em se tratando de diferenças entre a primeira e a segunda tópicas, podemos afirmar que a partir da segunda o inconsciente deixou de ser tratado como um lugar (do ponto de vista geográfico), sendo caracterizado como uma das estruturas que compõem a psique, como já dito no início deste texto. Assim, uma parte do ego e uma parte do superego podem ser inconscientes, ao passo que o id só pode se tornar consciente se for transformado em uma representação, o que significa que suas formas originais permanecerão inconscientes, independente do lugar onde o inconsciente fique, mesmo porque a partir da revisão feita por Freud essa ideia de que o aparelho psíquico era formado por lugares determinados deixou de ser levada adiante.
Assim, pode-se perceber que a segunda tópica não substitui a primeira. Não era este o intento de Freud. O que ele pretendeu foi mostrar que não era mais viável encarar a mente como sendo compartimentada por três instâncias com fronteiras demarcadas, mas esclarecer que essas instâncias não são fixas e podem atuar de modo sincrônico junto ao ego, ao id e/ou ao superego.