Por Diego Da Silva Geoffroy -
A psicanálise depois de Freud toma caminhos diferentes. Poderíamos dizer que ela vai se desenvolvendo a medida em que diferentes analistas vão relendo Freud, e aplicando a psicanálise em perspectivas até então não desbravadas por ele.
Neste trabalho farei um breve percurso sobre esses autores destacando suas peculiaridades e avanços mais importantes.
Podemos dizer que todo psicanalista é freudiano, pois todos eles estão ligados aos conhecimentos metapsicológicos de Freud. Mas também é um fato que esses pilares técnicos e teóricos vem sofrendo mudanças significativas, sempre influenciados pela maneira como cada sucessor de Freud aplica a psicanálise, e também pela questão cultural e temporal em que cada um vive, interferindo assim no olhar do analista sobre o mundo.
Naquilo que podemos chamar de escola predominantemente freudiana, destacamos a valorização dos aspectos inconscientes, dos conceitos de pulsão e recalque, formulando a partir disso um modelo de tratamento das neuroses.
Para Freud, nossos desejos e nossas angústias estão relacionadas as nossas experiências mais remotas, e que segundo ele, precisam ser investigadas. Aquilo que ele entende como sintoma é um retorno de algo que foi recalcado, e, portanto, está escondido em algum lugar do inconsciente.
Freud vai propor um desenvolvimento humano em fases denominadas de oral, anal e fálica, com idades mais ou menos definidas para que cada uma aconteça. Elas podem se mesclar, mas o complexo de édipo, por exemplo, seria vivido lá pelos 3 ou 5 anos de idade. E as consequências de como o sujeito passa por essa experiência determinaria muitas escolhas que ele faz durante a vida. A sexualidade infantil tem papel fundamental dentro de sua teoria, e o caminho que ele encontrou para desenvolver essas questões sexuais, foi inicialmente investigar a mente do adulto e, então, partir em direção a infância e suas etapas de desenvolvimento.
Partindo aqui para a escola kleiniana, pode-se dizer que Klein nos apresenta novos horizontes de escuta e entendimento desse desenvolvimento humano. Ela inaugura um novo tempo na psicanálise em que se tornou possível o trabalho com crianças por meio da brincadeira, sem abandonar a seriedade do trabalho analítico desenvolvido com os adultos.
Por meio de uma compreensão do funcionamento psíquico dos bebês desde o nascimento, Klein deu início a análise de pacientes psicóticos. Isso foi possível porque com o desenvolvimento do conceito de posição e do caráter oscilatório dessas posições, podia-se interpretar as ansiedades dos pacientes para além da ideia de estrutura proposta por Freud.
Ela propõe a angústia de aniquilamento como uma questão primordial no desenvolvimento dos bebês, além de destacar a importância de se observar as fantasias inconscientes presentes nos primeiros meses de vida. Sendo assim, ela conseguia perceber a existência de defesas bem primitivas na vida das crianças, em um período bem anterior ao que Freud havia proposto.
Ela também desenvolve o conceito de identificação projetiva, que é importantíssimo na prática clínica. Além disso, ela entende o sujeito dentro da lógica das posições, em que o sujeito, ao longo da vida, opera de forma persecutória ou depressiva, no qual essas duas posições podem coexistir e se manifestar mutuamente.
Klein contrapondo a visão fálica de Freud dá ênfase no seio como meio de valorizar a relação primitiva entre a mãe e o bebê. Ela migra de uma visão falocêntrica para uma visão em que, a partir da relação com o seio enquanto primeiro objeto, o bebê pode internalizar objetos bons e maus, totais e parciais, idealizados e persecutórios.
Klein também investiu sua atenção nas pulsões agressivas, onde ela destacava a presença de uma inveja inata, de fantasias inconscientes de ataques destrutivos em direção a um objeto mau internalizado. Ela salientava a importância de se poder interpretar esses ataques e essas ansiedades, possibilitando que o paciente entrasse em contato com a culpa por tais atos, e pudesse integrar o ego a partir desse trabalho.
A partir daqui podemos começar a trafegar pelas ideias de Bion. Ele tem como marca registrada o fato de não se preocupar em estabelecer uma teoria. Seu objetivo maior foi o de desenhar um arcabouço técnico, que nos permitisse trabalhar com a experiência emocional vivida pelo paciente de forma eficaz e bem orientada.
Um dos intuitos de Bion era criar modelos que possibilitassem combinações, e que funcionassem como ferramentas de investigação psíquica da experiência emocional.
Para ele a análise é vincular, ou seja, acontece na relação entre duas pessoas que enfrentam verdades, angústias e emoções. Para que isso aconteça, ele diz que o analista deve ter condições mínimas de atendimento ao outro, como ser verdadeiro com seu paciente, sustentar um estado de constante descobrimento em relação a ele, ser continente e realizar a função alfa diante daquilo que o paciente lhe dirige.
Bion valoriza também a intuição do analista, e destaca a importância de a mente do analista estar livre de memória, desejo e necessidade de compreensão imediata das questões do paciente.
Ele cria uma estrutura de trabalho psíquico que possibilite que a psicanálise seja aplicada para além dos conflitos inconscientes, de modo que aspectos conscientes também carregam sua importância.
Ele propõe uma visão que amplie as perspectivas sobre uma experiência, de modo que se possa olhar por diferentes vértices para um mesmo acontecimento psíquico. Isso proporcionaria ao sujeito a chance de integrar diferentes aspectos da personalidade que coexistem em nosso psiquismo. A análise para ele seria uma travessia nesses mundos existentes e desconexos, e uma exploração desses mundos em busca de novos conhecimentos sobre si.
O que Bion traz como diferença em sua proposta, quando comparado a psicanálise clássica, é que nossa interpretação enquanto analistas não se direciona a fatos conhecidos ou pré-determinados, mas a um movimento que provoca transformações e descobertas, onde o analisando se torna um grande questionador de si mesmo, das suas verdades e suas contradições.
Para Bion não faz sentido uma cura analítica, mas sim a ideia de expansão do pensamento, de abertura dos horizontes do próprio sujeito. Não se trata de achar o trauma, ou interpretar fantasias, mas de expandir a capacidade de pensar do sujeito num universo sempre em movimento.
Para Bion o pensamento antecede o pensador. Com ele não sabemos para onde retornar, não sabemos onde está o problema ou qual direção seguir. Bion possibilita novas descobertas, de modo que elas sejam particulares e infinitas, ou seja, enquanto houver possibilidade de interrogar o conhecido, haverá milhares de possibilidades de se continuar conhecendo.