Por Ale Esclapes -
O filme Bruxas (Witches), dirigido por Elisabeth Sankey, é um documentário fascinante que cruza os limites entre história, psicologia e cultura, abordando um tema ainda negligenciado: as conexões entre a depressão, a psicose pós-parto e as confissões forçadas de bruxaria na Inglaterra renascentista. De forma perspicaz, Sankey coloca em evidência as complexas condições psicológicas e sociais enfrentadas por mulheres em diferentes contextos históricos, propondo uma reflexão que desafia teorias amplamente aceitas, especialmente no campo da psicanálise.
A depressão e a psicose pós-parto são condições psiquiátricas que afetam mulheres no período após o nascimento de um filho. A depressão pós-parto caracteriza-se por sentimentos persistentes de tristeza, cansaço extremo e desconexão emocional com o bebê. Já a psicose pós-parto é uma condição mais grave, que pode incluir delírios, alucinações, pensamentos suicidas e comportamentos perigosos, exigindo intervenção médica urgente.
O filme explora como essas condições podem ser agravadas pelo estigma e a falta de compreensão, tanto no passado quanto no presente. A abordagem de Sankey é visceral ao retratar o impacto psicológico de tais transtornos, muitas vezes exacerbado por questões culturais e estruturais que isolam e culpabilizam as mulheres.
Sankey faz uma analogia poderosa entre os sintomas da depressão e psicose pós-parto e as confissões de mulheres acusadas de bruxaria durante a Inglaterra renascentista. Na época da Inquisição, muitas mulheres foram submetidas a torturas físicas e psicológicas, levando-as a confessar práticas de feitiçaria sob extremo sofrimento. O filme sugere que os comportamentos atribuídos às bruxas — como alucinações, crises de histeria ou comportamentos desorientados — poderiam ser manifestações de transtornos psicológicos, como a psicose pós-parto, agravados por condições sociais opressoras e a ausência de suporte emocional ou médico.
Essa perspectiva desafia interpretações psicanalíticas que tradicionalmente associam as bruxas dessa época à histeria, uma condição frequentemente atribuída às mulheres em contextos históricos. Sankey propõe uma ruptura com essa teoria comum, questionando se muitas das mulheres rotuladas como histéricas não estariam, na verdade, sofrendo de transtornos psicológicos reais, como depressão ou psicose pós-parto, exacerbados por um ambiente profundamente misógino e repressivo.
O filme provoca um debate crucial sobre como a psicanálise, em alguns casos, tenta encaixar fenômenos históricos em suas teorias. A visão de Sankey abre espaço para a reconsideração de como eventos históricos são interpretados à luz da psicologia moderna. Se as mulheres acusadas de bruxaria eram vítimas de transtornos psicológicos reais e não de histeria, isso transforma completamente a narrativa psicanalítica predominante, demandando uma revisão dos paradigmas teóricos que moldam nossa compreensão sobre esses episódios históricos.
O documentário também traz uma reflexão valiosa para a prática clínica contemporânea, especialmente no atendimento a mulheres no período pós-parto. Sankey destaca que esse momento de vulnerabilidade emocional é marcado por conflitos inconscientes, frequentemente silenciados pela vergonha ou culpa. Nesse sentido, o consultório psicanalítico assume um papel central como espaço de escuta privilegiada, onde o analista deve estar atento à evolução rápida e potencialmente perigosa dos sintomas.
Essa abordagem reforça a necessidade de sensibilidade clínica para identificar sinais de depressão e psicose pós-parto, oferecendo suporte antes que as condições se agravem. O filme, portanto, serve como um lembrete de que, na prática psicanalítica, a compreensão profunda do contexto emocional e histórico de cada paciente é indispensável para oferecer um cuidado efetivo.
Bruxas é um filme provocador que cruza as fronteiras entre história, psicologia e cultura para questionar narrativas estabelecidas sobre as mulheres rotuladas como bruxas na renascença. Ao destacar a depressão e a psicose pós-parto, Elisabeth Sankey não apenas traz à tona a complexidade dessas condições, mas também desafia os pressupostos da psicanálise tradicional, oferecendo um olhar mais empático e atualizado. Essa perspectiva não apenas enriquece nossa compreensão histórica, mas também reforça a importância da escuta sensível e do cuidado clínico no período pós-parto.
Direção de Elisabeth Sankey (2024)
Disponível no MUBI