Por Wagner Alledo -
Em “A Apologia de Sócrates”, Platão descreve o julgamento do “pai da filosofia” no tribunal de Atenas, acusado de impiedade e de corromper a juventude, crimes pelos quais acabou sendo condenado à pena de morte. Em determinado momento, o juiz questiona o filósofo sobre a opção de vida que o incriminou. Sócrates explica:
Certa vez, meu amigo Querefonte foi até o Oráculo de Delfos (local de peregrinação no Templo de Apolo, próximo a Atenas, mais importante centro religioso da época) e recebeu do Oráculo a seguinte informação: Sócrates é o mais sábio de todos os homens! Não entendi, afinal tinha absoluta certeza de que não era o mais sábio. Intrigado, busquei as pessoas mais sábias que conhecia em cada área do conhecimento e passei a fazer perguntas: ao juiz sobre as leis, aos poetas sobre a poesia, aos médicos sobre a medicina… À
medida que eu os interrogava, eles me davam definições. Quando os interrogava sobre essas definições, eles não sabiam mais o que responder. Sentiam-se detentores de um saber que na verdade não sabiam e isso os encheu de ódio contra mim. Concluo que talvez o que haja de mais sábio em mim seja o fato de que eles acham que sabem, mas não sabem. Já eu, reconheço que de fato nada sei. A sabedoria não está no saber. Mas no saber que não se sabe.
Esse episódio, descrito acima com liberdade retórica (não se trata de uma transcrição fidedigna do que teria sido o discurso de Sócrates, mas uma adaptação livre baseada nas descrições de Platão), que remonta aos primórdios da filosofia, fundamenta o conceito da sabedoria socrática, simplificada através de 5 tópicos fundamentais: (1) Investigação, (2) Amor pelo Saber, (3) Contínua Interrogação e (5) Conhecimento de Si. Juntos, eles representam a conhecida expressão: só sei que nada sei.
O caminho da psicanálise após as contribuições de Wilfred Bion possui raízes socráticas. Mas para fundamentar essa conclusão, se faz necessário remontar aos primórdios em uma resumida caminhada pela evolução dos conceitos psicanalíticos passando por Freud e Melanie Klein.
Primeiro, importante reforçar, que o surgimento da psicanálise, com Freud, se dá em função das limitações da medicina. Quando os sintomas dos pacientes não podiam mais ser explicados pelos exames corporais ou laboratoriais, causas emocionais passaram a ser levadas em consideração e a medicina busca meios científicos que permitissem diagnosticar doenças a partir da análise das emoções.
Freud, que era médico, inicia seus estudos e cria a psicanálise fundamentado no conceito de que os desejos e angústias humanas relacionam-se com experiências remotas que precisam ser investigadas. Conclui que sintomas são reflexos de emoções e experiências recalcadas, escondidas em algum lugar do inconsciente, e teoriza as fases do desenvolvimento sexual humano, a importância do Complexo de Édipo e a divisão do aparelho psíquico em Id, Ego e Superego. A exploração teórica de Freud serviu de base para o desenvolvimento da psicanálise e a sua clínica carrega uma lógica similar à lógica médica: busca-se a origem de um sintoma, que deve ser investigado e cujo esclarecimento atua na cura do sintoma. O analista busca respostas e sabe o que procurar (emoções recalcadas) e onde procurar (Complexo de Édipo).
Outra figura fundamental no desenvolvimento da psicanálise foi Melanie Klein, que evoluiu os conceitos de Freud a partir da análise de crianças e antecipou o Complexo de Édipo para as fases mais iniciais do desenvolvimento humano. Ela propõe também a lógica das posições persecutória e depressiva e introduz o conceito de identificação projetiva, entre outros. A sua clínica também busca respostas no inconsciente, uma retomada ao período infantil e aos primórdios do desenvolvimento psíquico e a relação com objetos. Ainda com objetivo de aliviar sintomas e curar.
A lógica médica impera até então. O médico tradicional, ao receber um paciente com manifestações somáticas, utiliza seu (1) olhar clínico, (2) observa o corpo, (3) aprofunda essa observação através de exames e após a (4) análise dos resultados obtidos apresenta o (5) diagnóstico e o (6) tratamento que vai levar à cura. As respostas para a cura estão no corpo.
O psicanalista freudiano ou kleiniano recebe o paciente com manifestações somáticas, (1) utiliza seu olhar clínico, (2) observa, (3) escuta, (4) aprofunda essa observação através da busca no inconsciente e após a (5) análise dos resultados obtidos (6) atua nas causas em busca da cura. As respostas para a cura estão no inconsciente.
Há uma aproximação, tomadas as devidas proporções, nas duas atividades (médica e psicanalítica): (1) sintoma, (2) exploração/busca, (3) compreensão do problema, (4) diagnóstico, (5) tratamento e (6) cura.
Wilfred Bion expande as possibilidades quando, em resumo, propõe uma psicanálise que não busca diagnósticos ou esclarecimentos do passado, mas amplia perspectivas e sugere diferentes olhares para o mesmo acontecimento psíquico, conscientes ou inconscientes, numa exploração que permita ao paciente encontrar novos conhecimentos de si. A psicanálise Bioniana não direciona a atenção do analista para fatos pré-determinados (Complexo de Édipo, Castração etc.), mas a um processo de descobertas e transformações, de questionamentos e expansão do conhecimento. Não se busca no inconsciente algo em especial, mas tudo aquilo que se apresenta é explorado para que se torne conhecido.
Em analogia ao pensamento Socrático, a psicanálise proposta por Bion (1) Investiga, e através dessa investigação amplia conhecimentos, o que poderia ser descrito também como (2) Amor pelo Saber. A exploração é infinita, portanto há uma (3) Contínua Interrogação por tudo, e à medida que esse processo se desenvolve, aumenta o (5) Conhecimento de Si, e com isso, aumenta também a plenitude e a capacidade de gozar a vida. Sem certezas ou fórmulas. À luz da humildade que permite a constatação de que “só sei… que nada sei”.