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Um pensamento em busca de um pensador

Um pensamento em busca de um pensador

Por Débora Waihrich Matzenbacher - 

A partir de Bion a psicanálise toma um rumo diferente do modelo proposto por Freud e Klein. Bion aponta um vértice diverso na forma de pensar e trabalhar o psíquico daqueles apresentados por seus antecessores, sendo que um ponto fundamental e de suma importância, e que vem a corroborar com tal afirmação, é que Bion não criou teorias, e sim formas de pensar.

Com Freud e Klein a ideia era a de uma psicanálise médica, enquanto que a datar de Bion ocorre uma mudança da medicina à psicanálise, passando esse último a adotar então uma epistemologia não-causal, não dando importância para o que aconteceu no passado do paciente, e sim dando relevância e destaque para o que está acontecendo no “aqui e agora”, se aproximando assim, mais da realidade do indivíduo naquele momento.

Freud, em seus estudos e em sua clínica, trabalhava o inconsciente do paciente acreditando que os desejos e as angustias provinham de suas experiências mais primitivas e que os sintomas surgiam em razão do retorno de alguma coisa que está no inconsciente do indivíduo e que foi recalcado. A meta era lembrar, ou seja, trazer o reprimido para a consciência.

As teorias de Freud tinham como base fundamental a questão das pulsões e da sexualidade. Afirmava que o Complexo de Édipo era vivenciado por volta dos 3 ou 5 anos de idade, que é quando a criança se encontra na fase fálica, quer dizer, é nesse período da vida da criança que a organização genital infantil vai acontecer, assegurando ainda, que a “passagem” bem sucedida desse indivíduo pelo Complexo de Édipo é que vai estabelecer a sua constituição e a estrutura psíquica, sendo o Superego o “herdeiro” desse Complexo.

Na sequência Klein, aprimorando e sofisticando os conceitos de Freud, apontou para a ideia de trabalhar com as fantasias inconscientes já na infância do indivíduo através do brincar e da observação da capacidade simbólica da criança. Acreditava que desde o nascimento essas fantasias já se faziam presentes e atuantes na vida da criança.

Assinalava ser de extrema importância as relações objetais, em razão da criança, ao nascer, enxergar e sentir a mãe, na verdade o seio materno, como um objeto, bom ou mau, e ser com esse seio, esse objeto, que ela mantêm uma relação. Apontava ser indispensável a análise da ansiedade e da culpa por acreditar que se essas fossem bem trabalhadas teriam como reflexo uma maior facilidade no desenvolvimento psíquico e na maneira como a criança se relacionava. Assinalava a existência de um sentimento de inveja presente desde o começo da vida da criança, assim como também um Superego forte, influente, atuante e bem mais primitivo daquele apresentado por Freud.

Klein, desenvolveu o conceito de posições, a esquizoparanóide e a depressiva, que se alternam entre elas, e que podem existir em simultâneo. Dentro do entendimento de Klein o indivíduo atua sob as duas posições ao longo da vida. Apontou, ainda, um enfoque diferente em relação ao Complexo de Édipo, pois em sua teoria esse processo já tinha início nos primeiros anos de vida da criança. Destaque, ainda, para a introdução do termo e conceito de “identificação projetiva”, que passou a assumir um papel de extrema relevância no trabalho da clínica.

Quando começamos então, a transitar pelas ideias de Bion, percebemos, como já citado acima, que seu entendimento e método de trabalho não é fundamentado em teorias e sim, em ferramentas que possibilitem alcançar e trabalhar, de forma eficiente, a experiência emocional experimentada e vivida pelo paciente. Portanto, Bion sai da teoria da transferência e “cai” na teoria das transformações.

Desse modo, passa-se da ideia do concreto, onde todos os sintomas tem uma causa, para uma psicanálise “do pensar e do conhecer, de tentar se aproximar da realidade”. Bion, muitas vezes, faz uso das ideias de Freud e Klein, mas de uma forma diferente, dando destaque para um pensamento mais abstrato, uma expansão mental, ou seja, um aumento da capacidade de pensar do paciente. Bion entendia que as teorias psicanalíticas eram excessivamente concretas, não tendo uma flexibilidade que permitisse a formulação de abstrações, para ele “o primeiro requisito é formular uma abstração para representar a realização que teorias já existentes visam descrever.”

Bion percebia que a partir do pensar, era possível modificar a realidade ou fugir dela, e que é a capacidade de suportar as frustrações que nos leva a pensar, e que inclusive é esse pensar que nos dá habilidade para modificar ou mudar a realidade psíquica, ou seja, o pensar vai surgir como um recurso para “lidar com a frustração”. Quando então, o sujeito não dá conta da frustração, ele não consegue pensar.

Em relação ao trabalho do analista, Bion dava ênfase e era categórico ao afirmar que esse deveria  abster-se de qualquer tipo de desejo e memória, enaltecendo a importância da observação e da intuição, requisitos estes que entendia como indispensáveis para uma análise com resultado efetivo e satisfatório. Bion propõe que o analista observe, abstraia, e a partir dessa abstração ele devolva ao paciente uma interpretação daquilo que foi observado. Entendia, ainda, que analista e analisando deveriam estar ligados emocionalmente, em uma relação íntima, onde os dois trabalham e encaram juntos as emoções, sentimentos e verdades do paciente.

Assim, Bion traz a teoria do pensar para dentro do setting analítico, entendendo que todo indivíduo tem, a princípio, recursos e capacidades para desenvolver e ampliar o pensar, afirmando que “há sempre um pensamento em busca de um pensador”.