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Será o luto o que se instalou

Será o luto o que se instalou

Por Jucimary Silveira - 

Começamos o ano de 2020 com os mesmos propósitos e promessas de todos os anos: de iniciar um ano melhor. O que não sabíamos era que seríamos pegos de surpresa por uma pandemia provocada por um simples vírus, nem tão simples assim, o Coronavírus, que já infectou mais de 7 milhões de pessoas no nosso planeta e ceifou a vida de mais de 400 mil.

Por conta de tantos óbitos, além da angústia do não saber como e quando tudo isso vai acabar, muitas famílias têm vivido a dor da perda. Dor essa que parece ainda maior quando se dá de forma tão inesperada e nos mergulha na experiência do luto. Mas o que seria o luto?

Do latim “luctus,us”: dor, mágoa, lástima.

Do dicionário: profundo pesar causado pela morte de alguém. Sentimento gerado por perdas como separação, partidas ou rompimentos.

De acordo com Freud em seu artigo Luto e Melancolia (1917[1915]) o luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido. Penso que, como se trata de uma reação, posso tentar fazer um link com Bion e dizer que o luto é uma experiência emocional, ou seja, é como eu vivo a emoção dor ao me deparar com uma perda; o que eu faço com ela e como eu consigo manejá-la emocionalmente.

E qual a finalidade do luto? A realidade é dura conosco e nos apresenta o fato de que o ser amado não está mais ali para receber de forma concreta nosso amor, exigindo de nós que toda demonstração de afeto seja “suspensa”. É impossível dar aquele abraço, aquele beijo e até mesmo aquele simples oi através de um breve telefonema. Nenhum de nós abandona esses hábitos de carinho de bom grado; até porque o afeto está ali para ser entregue, ele preenche um espaço no peito que fica apertado e dói. Resistimos, não queremos aceitar, muitas vezes demoramos até mesmo para acreditar, choramos, e tudo isso é natural; afinal o que fazer com essa dor que rasga o peito? É preciso tempo para que estas demonstrações de afeto sejam “arquivadas”, no sentido de aceitarmos que não podemos mais entregá-las. Momentos de tristeza, lembranças acompanhadas de choro, e outras reações são todas comuns; porém, aos poucos, vamos encarando esses momentos, vamos dando conta dos nossos sentimentos e vamos nos resolvendo com eles, dando destino a eles; chega então, o momento em que restam apenas as lembranças, as boas lembranças. É quando a gente consegue olhar para os retratos e dar boas risadas, viajar no tempo e reviver as coisas boas ou engraçadas. E o luto fez o seu trabalho. Reagimos, conseguimos manejar a dor da perda e então podemos seguir com a nossa vida.

E quanto tempo dura um luto? Podemos dizer que esta pergunta poderia ter infinitas respostas, porque depende de cada pessoa.

Cada um de nós possui o que Bion nomeou de caráter inato da personalidade, é aquilo que não tem explicação em relação a uma pessoa. Talvez esse caráter inato seja o que determine o porquê de pessoas diferentes viverem de formas diferentes as mesmas situações.

Por isso é muito importante prestarmos atenção em nossas emoções e percebermos se nosso luto se instalou. Será que esse processo de reagir a essa dor se instalou em mim? Ou será que eu estou negando esse sentimento, tentando fugir dele?

De acordo com Bion, a experiência emocional, penosa, desencadeia esforço para fugir ao sofrimento ou modificá-la conforme os recursos da personalidade para tolerar a frustração. Assim, numa situação tão sensível de perda de um ente querido; numa mesma família, terão pessoas que passarão pelo luto e terão aquelas que evitarão essa reação e poderão entrar em estados mais profundos de dor, caindo em estados melancólicos, ou tentando fugir da realidade por outras vias.

Viver o luto é preciso para podermos processar a ausência do ente querido e ressignificar seu novo modo de existir em nossas vidas.

Que possamos, em breve, distribuir nosso carinho aos que ficaram conosco.