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Melanie Klein - vida e obra

Melanie Klein - vida e obra

Por Alê Esclapes - 

Melanie Klein foi uma das maiores psicanalistas da história. Seguidora de Freud, com genialidade e amor à verdade erigiu uma escola com pensamentos próprios e distintos. Como disse uma amiga, quando Klein em 1935 insistia que era uma freudiana: "agora já é tarde - você é uma Kleiniana". 

Suas teorias vieram de seus trabalhos com crianças, o que possibilitou a investigação psicanalítica dos primeiros meses de vida, abrindo as portas para o tratamento de pacientes psicóticos.

Outros desenvolvimentos se seguiram à psicanálise de crianças, como o estudo dos estados maníaco depressivos, a identificação projetiva como defesa do ego, e a inveja primária na constituição da personalidade. Sua teoria das posições depressiva e esquizoparanóides são a primeira grande sistematização da teoria psicanalítica.

Vida: Melanie Reizes nasceu em Viena em 30/03/1882 e morreu em Londres em 22/09/1960, aos 78 anos. A vida pessoal de Klein é repleta de perdas e decepções: seu pai se chamava Moriz Reises, nunca foi bem sucedido na vida, estampando essa melancolia em suas atitudes. Sua mãe, Libussa aparentemente era extremamente dominadora e invasiva, trabalhando em uma loja de plantas e animais exóticos para ajudar na renda familiar. Sua gravidez não havia sido desejada, tendo Klein teve um relacionamento distante com seu pai; era bastante apegada à sua mãe e a irmã Sidonie, que morre aos 8 anos de idade. Outras perdas serão sentidas na vida de Melanie Klein.

Casou-se cedo aos 17 anos com o engenheiro químico Arthur Stevan Klein com quem ficou casada até 1926, com então 44 anos. Klein sofria com as constantes viagens do marido, bem como com seus problemas com depressão. Teve 03 filhos: Mellita, Hans e Erich. Mellita se mostrará sua adversária ferrenha no campo psicanalítico, e Hans morre em um acidente de alpinismo em 1934 (suspeita-se que tenha sido um suicídio). Klein morre em 1960, ironicamente, não de câncer, cuja cirurgia fora bem sucedida, mas por complicações em função de uma queda enquanto se recuperava dessa cirurgia. (Ela recusara a ajuda da enfermeira durante a noite).

Obra: Em 1914 inicia sua análise com Sandór Ferenczi em Budapeste e em 1919 torna-se membro da Sociedade Psicanalítica da Hungria. Inicia sua análise com Karl Abrahan em 1924 que morre 11 meses depois. Em 1925, a pedido de Ernest Jones, muda-se para Londres, e em 1927 torna-se membro da Sociedade Britânica de Psicanálise.

Klein desde 1923 apresentava divergências, ainda que veladas, em relação a alguns postulados freudianos, em especial ao desenvolvimento psíquico antes dos três anos de idade. Porém essa divergência, que inicialmente era velada, ficou explicita com a publicação de um livro de Anna Freud (Tratamento psicanalítico de crianças) onde esta acusava Klein de não fazer psicanálise. Uma série de artigos são publicados em resposta a Anna Freud, e em 1932 Klein publica seu livro “Psicanálise de Crianças”, livro que até hoje é a base para trabalhos com crianças. Mais abaixo trataremos das divergências teóricas entre ambas.

Em 1935 Klein publica “Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos” que apresentava o conceito de “posição depressiva”. Mesmo D. Winnicott, um dos seus mais magistrais contestadores, admirou essa descoberta, classificando-a como a mais importante depois da descoberta do inconsciente. Ainda que Klein, até mesmo por questões políticas, insistisse em se considerar “freudiana”, a partir deste trabalho, já se pode falar em pensamento Kleiniano, tamanha as introduções de novos conceitos que este artigo trouxe.

Em 1940 publica “O luto e suas relações com os estados maníacos-depressivos”, onde amplia os conceitos já introduzidos pela posição depressiva, postulando que o luto não seria mais que uma repetição das sensações dessa posição.

O complexo de Édipo à luz das ansiedades arcaicas (1940) Klein introduz as ansiedades persecutórias e depressivas na dinâmica do complexo de Édipo, ampliando sua atuação no psiquismo infantil. Ao localizar o complexo de Édipo com o surgimento da posição depressiva, aos seis meses de idade, Klein dá um salto na compreensão da formação do superego infantil, bem como de eventuais distúrbios ligados ao Édipo.

Com “Notas sobre alguns mecanismos esquizoides” aprofunda a compreensão das defesas do ego em relação às ansiedades persecutórias, ampliando os conceitos da posição esquizoparanóide. Ele também introduz o importante conceito de identificação projetiva como base para as relações objetais.

Acréscimos importantes sobre esse tema são feitos por W. Bion. Esse trabalho e “Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos” formam os eixos principais de sua teoria.

Em “Inveja e Gratidão” de 1957, seu mais controverso trabalho, Klein postula a presença do sentimento de inveja presente desde o nascimento no bebê, e analisa suas consequências para as posições esquizoparanóides e depressivas, bem como para o Complexo de Édipo. Ela também faz nesse trabalho um importante avanço em relação às resistências ao tratamento analítico.

Teoria: 
São três os pilares fundamentais da teoria Kleiniana - Primeiramente existe um mundo interno, formado a partir das percepções do mundo externo, colorido com as ansiedades do mundo interno. Com isso os objetos, pessoas e situações adquirem um colorido todo especial. O seio materno, primeiro objeto de relação da criança com o mundo externo, tanto é percebido como bom quando amamenta, daí o nome de “seio bom” a esse objeto no mundo interno, quanto é percebido como “seio mau”, quando não alimenta na hora em que a criança assim deseja. Como é impossível satisfazer a todos os desejos da criança, invariavelmente ela possui os dois registros desse seio, um bom e um mau. Esse conceito também é muito importante no estudo da formação de símbolos e desenvolvimento intelectual.

Em segundo lugar os bebês sentem, logo quando nascem, dois sentimentos básicos: amor e ódio. É como se a vida fosse um filme em branco e preto, ou se ama, ou se odeia. É fácil, portanto, perceber que a criança ama o “seio bom” e odeia o “seio mau”. O problema é que na fantasia da criança, o “seio mau”, esse objeto interno, vai se vingar dela pelo ódio e destrutividade direcionados a ele. Esse medo de vingança é chamado de ansiedade persecutória. Quando nos defrontamos diante de um perigo, como por exemplo, quando caminhando em um parque nos defrontamos diante de uma cobra, temos o instinto de fugir. Essa reação diante do perigo é chamada em psicanálise de defesa. O conjunto de ansiedade persecutória e suas respectivas defesas são chamados por Klein de “posição esquizoparanóide”.

Com o desenvolvimento o bebê percebe que o mesmo objeto que odeia (seio mau) é o mesmo que ama (seio bom). Ele percebe que ambos os registros fazem parte de uma mesma pessoa. Agora o bebê teme perder o seio bom, pois teme que seus ataques de ódio e voracidade o tenham danificado ou morto. Esse temor da perda do objeto bom é chamado por Klein de “ansiedade depressiva”. O conjunto de ansiedade depressiva e suas respectivas defesas são chamados por Klein de “posição depressiva”.

O conceito de posições é muito importante na escola kleiniana, pois o psiquismo funciona a partir delas, e todos os demais desenvolvimentos são invariavelmente baseados em seu funcionamento. Nesse sentido, o desenvolvimento em fases, proposto por Freud (fase oral, anal e genital), é aqui substituído por um elemento mais dinâmico que estático, pois as três fases estão presentes no bebê desde os três primeiros meses de vida. Klein não nega essa divisão, muito pelo contrário, mas dá a elas uma dinâmica até então ainda não vista em psicanálise.

Alias, é essa palavra que distingue o pensamento kleiniano do freudiano. Para Klein, o psiquismo tem um funcionamento dinâmico entre as posições esquizoparanóide e depressiva, que se inicia como o nascimento e termina com a morte. Todos os problemas emocionais, como neuroses, esquizofrenias e depressão são analisados a partir dessas duas posições. Por isso, em uma análise kleiniana, não basta trabalhar os conteúdos reprimidos, é preciso “equacionar” as ansiedades depressivas e persecutórias. É necessário que o paciente perceba que o mundo não funciona em preto e branco, e que é possível amar e odiar o mesmo objeto, sem medo de destruí-lo. Em outras palavras, não adianta trabalhar o sintoma (neurose) se não trabalhar os processos que levaram seus surgimentos (ansiedades persecutória e depressiva).

Análise infantil e a controvérsia Melanie Klein e Anna Freud:
Klein conseguiu desenvolver estudos sobre as ansiedades arcaicas porque dedicou quase toda a sua vida à análise de crianças. Seu primeiro paciente foi seu próprio filho, Hans, que apresentava sérios distúrbios de aprendizagem. Aos poucos Klein foi percebendo estruturas psíquicas que estavam fora do esquema freudiano, e, a partir da investigação dessas estruturas chamadas “arcaicas”, foi possível o desenvolvimento de suas teorias. Alguns paradigmas precisaram ser quebrados para que isso fosse possível e isso lhe rendeu uma série de inimizades.

O primeiro e principal paradigma para a época era a questão da possibilidade da análise infantil. Para Freud era impossível a análise de crianças muito pequenas, pois as mesmas não possuíam uma estrutura de linguagem suficientemente desenvolvida para a elaboração e livre verbalização de ideias.

Sua maior opositora nesse campo foi Anna Freud, que na época também trabalhava com crianças. Robert Young descreve essa relação da seguinte forma “Onde Anna Freud disse que crianças muito pequenas não podiam realizar livre associação, Klein viu um rico mundo de fantasias refletidas no brincar. Onde Anna Freud viu a si mesma como uma professora com suas obrigações educadoras, Klein foi mais fundo, interpretando ansiedades sobre seios e outras partes do corpo, sobre ódio, sofrimento, luto e inveja que chocaram os não-kleinianos.”

Em 1939, com o advento do nazismo, a família Freud se muda para Londres, e um antagonismo que já existia entre Klein e Anna Freud, em função da convivência entre as duas na mesma sociedade psicanalítica, causa um racha na Sociedade Britânica de Psicanálise. Uma série de reuniões e artigos são publicados entre 1940 e 1944, chamados Controvérsia Freud Klein, para se tentar chegar a um acordo, porém, até a presente data esse racha persiste na sociedade Britânica.

Desenvolvimentos Posteriores:
Mesmo quando Klein era viva, o movimento Kleiniano foi, dizendo do ponto de vista psicanalítico, ambivalente. Ao mesmo tempo em que Klein evitava um confronto direto com Freud, a partir de 1935 era impossível manter essa posição. Certo radicalismo se instaurou na Sociedade Psicanalítica Britânica, que praticamente foi dividida em três partes: os freudianos, os kleinianos e os neutros. É importante aqui frisar que essa divisão, apesar de meramente técnica, também tinha aspectos políticos, que devem ser levados em consideração quando se estuda psicanálise. Não se pode dizer que outros psicanalistas não tenham contribuições importantes, somente porque não rezam essa ou aquela cartilha. Ciência não se faz dessa maneira, e se assim o fosse, o ego do psicanalista estaria acima das necessidades dos pacientes. A verdade deve ser um dos princípios que norteiam o movimento psicanalítico, acima de tudo.

Entre os neutros estava Dr. D. Winnicott, um importante psicanalista, que também trabalhou com crianças. As maiores contribuições de Winnicott para a psicanálise foram sobre o “ambiente e os processos de maturação”, ou seja, a figura da mãe como responsável pelo desenvolvimento da criança. Klein estava tão absorta no mundo de fantasias da criança que não se aprofundou na relação mãe – bebe. Coube a Winnicott esse desenvolvimento. Outros pontos também são importantes, como por exemplo, os objetos transicionais, falso self, etc. Apesar de suas discordâncias, e de alguns autores atribuírem uma rivalidade teórica maior do que realmente existiu, Winnicott é de extrema importância em um trabalho psicanalítico sério, e suas contribuições para a psicanálise são de extremo valor.