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Ilha do desassossego - resenha da série “O Maestro e o Mar” (alerta de spoiler)

Ilha do desassossego - resenha da série “O Maestro e o Mar” (alerta de spoiler)

Por  Katia Peixoto dos Santos

Certa vez, um amigo querido, com o coração partido e entristecido pelo recente término de seu relacionamento, me contou que iria gastar todo seu dinheiro guardado em uma viagem, logo pensei: Que boa ideia! Dias depois, num post no Instagram, avisto uma foto deste querido dentro de um barco com a seguinte legenda: Chorar no mar do Mediterrâneo é melhor que chorar na cama.

Curti o post. Pela localização veio a confirmação, ele estava na Grécia. Ah, que foto azul… o céu e o mar em Blues iluminavam o segundo plano, incrível !! E o amigo? Lindo, nem reparei se haviam lágrimas em seus olhos, elas deveriam estar lá porém camufladas pela beleza do mar. Quem nunca quis ir à Grécia?

Então, que tal irmos para a Grécia? Para o Blue? Mais especificamente para o mar Jônico na ilha de Paxos? Banhada por praias paradisíacas num cenário incrível viveremos as emoções, dores, amores, desamores, encontros e desencontros de personagens essencialmente dramáticas. Vamos? Sim, podemos … um pedacinho da Grécia agora está no streaming Netflix. Novidade, pois pela primeira vez uma série televisiva grega ganha o mundo. 

O teatro grego nos deu Sófocles e seu dramático Édipo Rei, Eurípedes nos deu sua cruel Medéia e agora a televisão grega nos dá Christoforos Papakaliatis, roteirista, diretor e galã protagonista de O Maestro e o Mar, uma série exibida originalmente pela Mega TV que ganhou seu lançamento mundial no dia 17 de março de 2023 ao ser inserida no catálogo Netflix. Um drama grego contemporâneo dividido em 9 episódios.

A história da série foi elaborada em torno do protagonista, o músico Orestis e sua vontade de montar um festival de música, do zero, na ilha de Paxos. O maestro deixa sua vida em Atenas e vai ao encontro de possíveis músicos da ilha para organizarem o tal festival. O futuro candidato a prefeito Fanis é quem o contrata com o intuito de obter prestígio junto aos moradores da Ilha. Chegando à ilha, Orestis começa a se envolver com as argruras dos moradores. Se apaixona, faz amigos e passa a fazer parte daquela comunidade.

Algumas coisas me chamaram a atenção nessa trama, uma delas foi a trilha sonora, bem eclética que vai do erudito ao rock, passando por músicas gregas clássicas e populares.

Na abertura da série a música A Summer Place traz um momento romântico ao nos apresentar a charmosa ilha. Durante o decorrer dos episódios, podemos apreciar músicas de Bizet, Debussy e Kostas Christides que acompanham as personagens em momentos cruciais. A música Absence de Kostas, surpreende o espectador que não conhece a música grega, uma experiência sonora emocionante que nos faz mergulhar nesta trama. As bandas Queen com I Want to Break Free e U2 & BB King com When Love Comes to Town, embalam as cenas dos jovens, cada música é introduzida e pensada a partir da dramaticidade das personagens. Quando toca I Want Break Free num luau, as personagens aproveitam para soltarem as amarras e proibições, inclusive a de realizarem festas durante a pandemia da Covid 19, época da gravação da série.

Cada episódio é dedicado a um personagem que narra sua própria existência. O recuso flashback é utilizado para nos dar a oportunidade de vivenciarmos a história de cada um deles pelos seus próprios viesses.

Ao vivenciarmos tais relações entre as personagens, entramos em contato com alguns preconceitos arraigados naquela comunidade: etário, de gênero e social, percebidos nas ações e até incutidos na vivência hipócrita de alguns. As personagens vivem sob a doutrina ortodoxa, mesmo que inconscientemente tal doutrina funciona muito bem para negar algumas questões, como por exemplo a da diversidade de gêneros, porém, por outro lado, a doutrina não serve para condenar as práticas de corrupção. Isso pode ser percebido na conivência dos moradores com atos criminosos que vão desde lavagem de dinheiro, violência doméstica e até assassinatos.

As relações das personagens criam duplas e triângulos amorosos. Orestis, Klelia e Thanos formam o triangulo central, o sentimento predominante dessa relação é o desejo ardente e proibido entre Orestis e Klelia e a indiferença de Klelia à Thanos, seu namorado. Outro triângulo, Fanis, Sofia e seu amante médico que também vivem um amor proibido, que se opõem a relação fria de Sofia com Fanis, seu marido. As duplas se articulam para formarem outras relações como a de Haris e Klelia que vivem um amor projetivo, de avó para neta. Outro exemplo é a relação de Maria com o filho Spyros, que se desmembra em Spyros e Yianna, sua namorada e Spyros e Antonis, seu amante, formando as teias relacionais.

Em O Maestro e o Mar o que predomina são os conflitos dramáticos sem momentos de leveza. A alegria e a descontração só aparecem dentro dos devaneios de alguns personagens ao criarem cenas mentais em que estão felizes em suas situações imaginárias, logo sufocadas pela dura e crua realidade da vida. Essas relações podem nos fazer pensar nas dores intensas que é possível vivenciamos em nome do amor. Sem a possibilidade de exercerem suas sexualidades, sem a possibilidade de realizarem seus desejos, suas libidos, as personagens sentem seus amores sendo sucumbidos e legados aos devaneios.

A Série O Mastro e o Mar nos faz entrar em contato com normas de conduta sociais que engessam e enfraquecem a capacidade de amar, de experimentar e de transformar. Maria é capaz de sublimar seus desejos não realizados. Haris ama sua neta e se projeta nela. E o corrupto Fanis, interessado apenas em ganhar dinheiro, é quem leva o maestro à Ilha, isto é, o protagonista. O que é possível fazer quando não se consegue mais ver o Blue do mar, o Blue do céu ? Os Blues da vida?

Enfim, para meu amigo que foi para o mar do Mediterrâneo aliviar sua dor de amor, êxito.

Ele melhorou, se sentiu feliz por estar lá, foi um oásis, respirou, descansou, voltou e continuou. Para Shirley Valentine, a personagem da peça de Willy Russell, a Grécia foi um elixir à sua crise existencial. Voltou outra, revigorada e se sentindo amada. Mas para as personagens de O Maestro e o Mar, a beleza do lugar, A Summer Place não deu conta de camuflar os seus mais pecaminosos conflitos. Parece que não adianta estar no paraíso se você não pode dar, ao menos, uma mordida na maça.

Amar dói? Para o poeta Caetano Veloso o amor, Mora na filosofia, pra que rimar amor com dor … porém para Milton Nascimento, Qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amor, valerá… Boa Série a todos !!!
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Direção: Christoforos Papakaliatis
Plataforma: Netflix