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Melanie Klein: muito além da clínica freudiana

Por Mauro Costa - 

Sigmund Freud foi o pioneiro que se dedicou à construção das bases teóricas e técnicas do edifício psicanalítico.Diversos psicanalistas seguiram Freud, entretanto, poucos foram aqueles que conseguiram evoluir o seu pensamento psicanalítico a ponto de formar uma nova escola, como é o caso de Melanie Klein, que desenvolveu uma forma de psicanálise inovadora dando origem a uma escola própria que se mantém viva até os dias atuais.

A autora propõe uma nova abordagem acerca de diversos temas tratados por Freud e, ainda, apresenta novos conceitos que passam a fundamentar sua obra.

Melanie Klein iniciou seu trabalho psicanalítico através da análise de crianças, que veio a ser a mais revolucionária contribuição da autora para a clínica contemporânea e, sem sombra de dúvida, a mais assimilada por inúmeros psicanalistas. Antes de Klein, o meio psicanalítico não considerava a criança analisável como o adulto. Seus comportamentos sintomáticos não eram percebidos como relacionados ao funcionamento de sua estrutura psíquica, mas sim como deformações produzidas pelo ambiente que necessitavam ser tratadas com medidas educativas ou restritivas.

As inovações propostas por Klein começam pela forma de analisar as crianças. A autora percebe, através da observação clínica, que as crianças, enquanto estão brincando, jogando e inventando histórias; estão fazendo algo equivalente ao fundamento psicanalítico que Freud denominou livre-associação. Por conta dessa descoberta, Klein desenvolve uma escuta pautada na técnica do brincar que usa a mesma linguagem das crianças para interpretar seus conflitos e angústias. Esse procedimento, além de inovador, produzia um efeito terapêutico que podia ser percebido na vida emocional, intelectual e nas relações sociais dessas crianças.

Outra contribuição de Melanie Klein diz respeito a sua teoria das relações objetais. Freud postulava uma teoria pulsional que enfatizava a descarga libidinal através das pulsões, enquanto o termo objeto era usado por ele apenas para designar o destino das pulsões, de tal forma, que o objeto figurava como alvo da pulsão e atendia exclusivamente à realização de um desejo do indivíduo, sem assumir nenhum caráter pessoal.

Klein, por sua vez, vai apresentar uma teoria objetal, que enfatiza as relações de objeto, considerando que o objeto não é apenas alvo da pulsão, mas constitui parte de uma relação capaz de provocar uma emoção. Vai aprofundar ainda mais esse tema ao observar que o bebê existe em relação a objetos que são primitivamente distinguidos do ego, evidenciando assim que as relações objetais se fazem presente desde o nascimento.

Nas origens dessas relações, o bebê reconhece o seio da mãe como sendo o primeiro objeto com o qual ele se relaciona e que pode causar a ele emoções antagônicas e conflituosas, cuja intensidade pode provocar impulsos instintivos violentos.  Particularmente, para Klein, estas sensações pulsionais estariam presentes no desenvolvimento normal dos bebês. Daí surge a ideia de que essa violência pulsional sofre inflexão sobre o próprio sujeito, originando um superego precoce - arcaico - regido pela Lei de Talião.

Um outro conceito que ganha muita relevância na obra de Melanie Klein é o de ansiedade. Enquanto para Freud a ansiedade era resultado de uma repressão, para Klein a ansiedade era um mecanismo de defesa frente ao medo da morte, sendo despertada pelo perigo proveniente da pulsão de morte. Klein identifica dois tipos de ansiedade; ansiedade depressiva, que resulta do medo da perda do objeto amado e a ansiedade persecutória, que está ligada ao medo da morte, do aniquilamento.

Outro tema fundamental na obra de Freud que vai receber uma nova abordagem é do complexo de Édipo. Para Freud, resumidamente, o complexo de Édipo era o problema central de todas as neuroses e seria representado pelo conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança sente em relação aos pais, levando-a a manifestar ódio por um dos genitores e amor pelo outro. Isso aconteceria em decorrência das pulsões eróticas que a criança sente entre os três e os cinco anos e que teriam como objeto de descarga os genitores. Melanie Klein não vai negar que o complexo de Édipo esteja relacionado com as neuroses, mas vai expandir o conceito, adotando posições divergentes de Freud.

As descobertas clínicas de Klein evidenciavam nas crianças, ainda em idade tenra, o conteúdo de phantasia das reações pulsionais, especialmente os componentes pré-genitais (orais e anais) das phantasias edipianas. Ela tomou isso como prova da origem precoce do complexo de Édipo que para ela, diferentemente de Freud, acontecia na fase pré-genital. Klein também divergia da teoria de Freud de que o superego era herdeiro do complexo de Édipo, porque a ocasião em que ele aparecia, segundo Freud, não combinava com suas próprias observações clínicas que já identificavam nos estados pulsionais arcaicos uma inflexão sobre o próprio sujeito originando um superego arcaico.

Ainda sobre as diferenças entre as escolas de Freud e Klein, merece especial atenção a forma como os dois psicanalistas abordavam a questão da técnica terapêutica. Em linhas gerais a técnica freudiana consistia em vencer as barreiras da resistência para que o conteúdo traumático recalcado pudesse ser transferido para o analista que, por sua vez, faria a interpretação da resistência inconsciente de forma a torná-la consciente. Freud faz essas interpretações preenchendo lacunas de memória que buscam revelar sempre fantasias sexuais infantis, uma vez que a sexualidade infantil ocupava um papel central em sua obra.

Para Klein, o manejo técnico do analista consistia em interpretar a phantasia que pode ser definida como sendo a elaboração imaginativa acerca das funções corporais. Klein fazia essa interpretação relacionando os objetos do mundo interno do paciente com o mundo externo. Tal prática reduziria a cisão fazendo com que os objetos relacionados à phantasia fossem integrados, diminuindo a ansiedade do paciente e promovendo a ampliação da sua capacidade de amar.

Vale ainda destacar, em relação à técnica, que para tratar os casos em que a capacidade de associação livre do paciente não está fluente ou que ainda não é possível, como no caso das crianças muito pequenas, Klein teve que desenvolver técnicas que permitissem uma escuta psicanalítica onde o analista pudesse construir com o analisando um caminho para permitir o surgimento de trilhas associativas capazes de revelar as angústias e conflitos internos que estavam contribuindo para os sintomas comportamentais.

Em razão disso, Klein ousou usar a técnica do brincar e fazer enxertos simbólicos, como no caso do menino Dick, diagnosticado como psicótico do tipo esquizofrênico que tinha reações emocionais e adaptação à realidade quase ausentes. Diante desse quadro, Klein decide modificar sua técnica habitual de só interpretar o material que se expressava em diversas representações, mesmo que fossem oriundas do brincar. Então, como Dick tinha escassa capacidade de representação, Klein usou como base das interpretações o seu conhecimento adquirido até então.

Numa sessão onde Dick estava completamente distanciado do setting, Klein resolve apresentar ao menino dois trens e denominar o maior de papai e o menor de Dick. O menino pega o trem menor e o faz andar pela janela e diz: estação. Então, Klein interpreta para ele que a estação é a mamãe e que Dick está entrando na mamãe, criando assim, uma situação fantasiosa e convidando a criança a participar dela. Isso provocou em Dick uma série de reações que permitiram à Klein fazer novas interpretações que seriam úteis ao processo analítico na medida em que proporcionava gradualmente a possibilidades de representação pelo menino.

Klein através de sua técnica inovadora, teve por mérito o fato de abrir novos caminhos para acessar à narração de uma história. Dessa forma, ainda com mais ênfase que Freud, evidenciou a experiência emocional como sendo algo avassalador. Tal método pode ser estendido às angústias e aos medos arcaicos que foram unificados na obra da autora sob o nome de angústia de aniquilamento, logrando assim uma abordagem psicanalítica sobre algo de muito difícil elaboração e que era praticamente impossível para o paciente realizar sozinho.

Por fim, pode-se evidenciar que Klein construiu o edifício de sua obra a partir de um verdadeiro pensamento clínico dando origem a sua teoria que se demonstra mais abrangente em relação à de Freud. Desse fato, resulta uma clínica ampliada e mais potente no sentido de atenuar o sofrimento psíquico tanto de neuróticos como de psicóticos.