Por Débora Waihrich Matzenbacher -
Existe um linha de estudos, teorias e conceitos, que nos orienta sobre o modelo médico que Freud adotava, a teoria da transferência, em relação àquele que Bion apresentou, baseado e fundamentado na observação, abstração, e na comunicação, a teoria das transformações.
Para Freud, basicamente, a característica principal da transferência é que ela traz algo do passado, para uma relação presente, ou seja, algo do passado está se transferindo para o presente na figura de outra pessoa e sob circunstâncias diferentes. Pode-se acrescentar, tranquilamente, que a transferência, “são novas edições e reproduções dos impulsos e fantasias, que são despertados e tornados conscientes, à medida que a análise avança, com a substituição de uma pessoa do passado, pela pessoa do médico.”
No entendimento Freudiano, quando o indivíduo se propõe a fazer uma análise, ele irá relembrar inúmeras situações da sua infância, assim como desejos e acontecimentos que haviam sido esquecidos e recalcados. Essas lembranças, na verdade, se dão através da atuação do paciente, quando ele repete algo inconsciente, na figura do analista, sem saber exatamente o que se repete, sendo a própria resistência do paciente uma parcela dessa repetição. Assim, portanto, não é algo que ele lembre, mas sim que ele reproduz, e o que Freud entendia como sendo o processo de transferência do paciente, e essa última, consequentemente, o principal remédio para diminuir o vício do paciente à repetição. Subsequente à isso, ocorre a elaboração, isto é, a busca do paciente em perceber a origem dessas repetições e a partir disso “elaborar” de uma maneira diferente aquele conteúdo que estava reprimido. Pode-se acrescentar que elaborar tem o sentido de ressignificar certas perspectivas e panoramas da vida do indivíduo, possibilitando uma reinvenção de um futuro mais atraente para ele.
Quando se fala em transferência Freudiana, não se pode deixar de apontar a importância da chamada “construção em análise”, porque é justamente nesse texto que Freud corrobora a ideia de que uma construção não acontece sem uma interpretação do analista. Deve-se levar em conta, todavia, que a interpretação ocorre a contar de um dado ou fato isolado, ou seja, o paciente relata, o analista interpreta. Já na construção, entra em cena a história primitiva, pessoal do paciente, isto é, o analista “confronta” o paciente com fatos e acontecimentos que teriam efeito sob ele. Junta-se portanto, pedaços de um passado possível do paciente, com narrativas atuais, e se constrói um novo fragmento que é comunicado ao paciente.
Para Klein, a transferência está relacionada com as ansiedades arcaicas do indivíduo, que são originárias das fantasias e dos impulsos sádicos, a pulsão de morte. Klein chamava atenção, ainda, à maneira com que o indivíduo se relacionava com os objetos, bom e ruim, pois estes estão no núcleo da sua vida emocional e serão externados no vínculo estabelecido entre o paciente e o analista, a identificação projetiva. Assim, dentro desse contexto ambivalente de amor e ódio, originam-se os conceitos de transferência positiva e transferência negativa. Para ela “as interpretações deveriam abarcar tanto as relações de objetos iniciais que são revividas e evoluem ainda mais na
transferência, como os elementos inconscientes nas experiências da vida
corrente do paciente.”
O que Freud nominava de transferência, Bion chamava de transformação. O propulsor da transformação é a experiência emocional vivida e sentida na sessão, isto é, aquela emoção que o analista consegue intuir do paciente, uma emoção dentro de uma experiência. Essa experiência emocional se transforma a cada instante, uma vez que sempre tem-se um novo Ò acontecendo. Esse Ò é tudo aquilo que é infinito, incognoscível e desconhecido, ou seja, daquilo que o paciente nos comunica não se pode supor que saibamos aquilo que ele está trazendo. O analista, portanto, precisa ter capacidade de intuir ao menos um dado desse Ò. Essa é a ideia inicial para a teoria da transformação de Bion.
As transformações, a contar da experiência emocional, modificam-se a todo instante. Esse “processo” ocorre da seguinte forma: o paciente fala, e essa declaração chamamos de Ò, porque não se pode supor que o analista saiba o que esse paciente está falando e trazendo, uma vez que a fala do paciente é um infinito de desconhecido. A partir desse relato então, o analista intui algo e essas intuições mentais do analista, enquanto ele pensa, se chamam transformações alfa do analista. Quando, então, o analista pensa e aí verbaliza, à essa ação dele, dá-se o nome de transformação beta do analista. Quando o analista comunica, o paciente pode considerar aquela fala como um novo Ò, e é nesse ponto que a transformação ocorre, quer dizer, a transformação que o paciente faz daquilo que o analista falou. Quando o paciente pensa sobre a fala do analista, dá-se o nome de transformação alfa do analisando, subsequentemente, quando este faz uma devolutiva ao analista dá-se o nome de transformação beta do analisando. E durante a sessão, vivenciam-se diversas e inúmeras experiências emocionais, o que deixa a sessão sempre “viva”, permitindo assim a explorarão desse desconhecido do paciente, o Ò. O Objetivo é que sempre haja um crescimento do analista e do paciente no vértice do não saber.
Bion propõe que, na sessão, o analista observe, abstraia e, a partir disso, retorne ao paciente com uma interpretação, sobre aquilo que foi observado. A abstração, portanto, é algo que o analista transforma e então comunica. Em ato contínuo, cabe ao analista observar qual a transformação que vai ser feita a partir da comunicação, quer dizer, de que maneira o paciente irá reagir, se ele consegue transformar aquilo que recebeu numa capacidade de expandir o seu pensar ou, ao contrário disso, num ressentimento, num tipo de sarcasmo ou mágoa. Esse processo último Bion nomina de resistência, quer
dizer, quando o paciente tem medo de sofrer os efeitos dessa realidade ou até mesmo de entrar em contato com ela.
A transformação está relacionada com os elementos de psicanálise continente/conteúdo, que são espaciais, e a função PS-D, que é temporal. Esses elementos de psicanálise servem para o treinamento do pensamento, para a capacidade de observar as cosias e, ainda, para criar capacidade inconsciente. O modo como o indivíduo organiza e trabalha os pensamentos, Bion chamava de continente, ou seja, a capacidade que se tem de pensar e a forma que se pensa. Já o conteúdo, são pensamentos à espera de um
continente. Então, aqui, “implica uma mutualidade que é um continente para o conteúdo do outro e vice-versa.” Isso se dá de forma simultânea e dinâmica, quer dizer, analista e analisando ao mesmo tempo são continente e conteúdo na mesma relação. Bion partia da premissa de que os pensamentos sempre
existiram mas a capacidade de pensar é escassa. Assim, os pensamentos forçam um continente, que é um espaço mental, que acaba surgindo da força desses pensamentos.
A função PS-D está relacionada ao aumento do continente do paciente, e ela é temporal uma vez que “existe um determinado tempo para uma mente desorganizada em algum fato, se organizar”. Então a mente do paciente está em PS quando ela está desorganizada em algum ponto, ou seja, algum conteúdo que está desorganizado no continente. Assim que surge um novo fato selecionado, que vai dar outro significado àquilo que já existia, quer dizer, um elemento que organiza aquele fato que estava desorganizado, a mente se organiza e vai para D. Em Bion, a função PS-D é a abstração das posições
esquizo e depressiva de Klein.
Sendo assim, quando se pensa na transferência de Freud, fica-se restrito ao que está acontecendo com o paciente no momento da sessão, mas esperando que este reviva um passado com o analista. Já na transformação de Bion, fica-se disponível para tudo aquilo que a mente do paciente produz, ou seja, atenta-se para a questão de como é que o paciente pensa, com o analista, no aqui e agora, dentro do setting analítico.