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Uma visão do caso Dora

Uma visão do caso Dora

Por Adrina Machado Gomes - 

Dora iniciou sua análise quando ela estava com 18 anos, foi levada para tratamento por seu pai a quem Freud atendeu com sucesso em uma época em que ele apresentava um problema oriundo da sífilis. A paciente morava com seus pais e um irmão um ano e meio mais velho que ela. Dora era carinhosamente apegada ao pai que apresentou durante a vida diversas enfermidades e tinha na filha uma cuidadora, companheira e confidente.

A relação de Dora com a mãe era inamistosa há vários anos e menina não se deixava influenciar por ela. O irmão mais velho da paciente, fora seu modelo. No entanto nos últimos anos a relação entre eles havia se tornado distante. O relacionamento entre os pais de Dora não era satisfatório, o irmão procurava afastar-se o máximo possível das discussões da família, mas, quando se via obrigado a tomar partido, apoiava a mãe.

Conjecturando “O Caso Dora” com os estudos dos “Três ensaios da sexualidade” é possível perceber a triangulação edípica e supor: Dora menina “apaixona-se” pelo pai, ressente-se com a mãe por não ter lhe dado um pênis, e espera que o pai lhe dê um pênis. O pai deveria então ajudar a menina a entender que ele não esta disponível para ela, que seu amor erótico é dirigido para a mamãe, mas pelo relato da história parece que o pai, talvez por não manter um relacionamento satisfatório com a esposa, tenha falhado neste corte. De modo que a menina não abandona o Édipo como o esperado. Alimenta-se uma relação triangular entre o pai, a mãe e Dora, a menina rivaliza com a figura materna, mantém-se identificada com o pai.

Pode-se assim se pensar que atração sexual acaba por aproximar pai e filha, de um lado, e mãe e filho, de outro. Repete-se a triangulação entre a mãe, Dora e o irmão, quando Dora percebe que o irmão tende a proteger a mãe, sua rival, Dora ressente-se e afasta-se dele.
Freud na descrição do caso destaca problemas de saúde no quadro familiar: Tio solteirão hipocondríaco, uma tia psiconeurótica grave, mãe apresenta psiconeurose da dona-de casa e o pai sifilítico de modo que Dora familiarmente tendia a neurose.

Dora aos seis anos, por conta da tuberculose do pai muda-se com a família para a cidade de B, lá conhecem o Sr. e a Sra. K. O pai de Dora mantém laços estreitos com a Sra. K., que lhe prestava cuidados quando sua saúde piorava. Dora também manteve por muito tempo amizade com ela, mas a partir dos dezesseis anos após sentir-se traída pela Sra. K que contou segredos de Dora ao pai, a moça passou a desprezá-la e a alegar que ela e seu pai tinham um caso amoroso. Ë possível perceber a repetição da triangulação Edípica sendo os componentes desta vez, o pai, Dora e a Sra. K, quando o pai tende para a Sra. K deixa Dora extremamente ressentida.

Pode-se também supor que devido a não resolução satisfatória do Édipo, Dora se manteve identificada com seu pai. E como sustentava um amor pela Sra. K e supunha ser correspondida (inconscientemente), com ela compartilhava segredos e falava sobre interesses e leituras sexuais, segredos que a Sra. K não hesitou em revelar para seu pai, quando viu seu relacionamento com ele ameaçado pelas denúncias da filha, o que levou Dora a entender que a Sra. K mantinha um relacionamento estreito com ela, apenas para manter seu pai por perto, a partir desse momento Sra. K perde o status de objeto de amor e passa a ser apenas uma rival que precisa ser derrotada.

O pai de Dora antes da filha iniciar o tratamento conta para Freud que ele e a moça viajaram ao encontro do Sr. e Sra. K., que passavam o verão num dos lagos nos Alpes. Dora deveria passar várias semanas na casa dos K., seu pai regressaria dentro de poucos dias. Mas quando o pai se preparava para partir, a moça resolveu partir com ele. Depois de alguns dias esclareceu sua decisão, contando à mãe, para que esta transmitisse ao pai, que o Sr. K. lhe fizera uma proposta amorosa, durante uma caminhada depois de um passeio pelo lago.

O pai não deu crédito a denuncia da filha e solicitou ajuda a Freud para dissuadi-la da ideia de afastá-lo da família dos K e em especial da Sra. K.
Dora durante o tratamento com Freud relata que a cena do lago foi a segunda tentativa de sedução do Sr. K., a primeira tentativa ocorrera quando ela estava com quatorze anos, o combinado era que Dora, o Sr. e a Sra. K fossem a um festival religioso, mas o que de fato aconteceu foi que o Sr. K aproveitou uma oportunidade agarrou e beijou Dora nos lábios.

Podemos supor que Dora alimentou durante muito tempo a atração do Sr. K por ela, percebe-se uma nova repetição de triangulação sendo os elementos: Dora, o Sr. K e a Sra. K. O sentimento que a moça nutria pelo Sr. K., acabou se traduzindo em um amor, que Dora tentou fortemente apagar. Voltaram à tona, sentimentos que havia recalcado na infância: o desejo pelo pai. Quando o Sr. K. tentou contato físico com ela, Dora passou a evitar o relacionamento entre os dois. E deixou também de aceitar o relacionamento do pai com a Sra. K. A paixão de Dora pelo pai ainda se mantinha inconsciente, ela ainda não compreendia seus sentimentos. Freud confronta Dora com á hipótese de ela ter se apaixonado pelo Sr. K, e de ainda estar apaixonado por ele, e também de seus sentimentos em relação ao pai.

A paciente nega, diz não ter lembranças que sustentem essas ideias. Dora não estava mentindo, de fato as lembranças relacionadas a essas paixões foram recalcadas, esquecidas. A paciente apresentava desde criança sintomas histéricos. Com sete anos apresentou, enurese noturna, com o decorrer do tempo apresentou dispneia, tosse nervosa, afonia, enxaquecas, depressão desânimo e uma alteração do caráter se tinham tornado na época do tratamento os principais traços de sua doença, além “ideias suicidas”. Freud constatou que esses sintomas estavam relacionados ao recalcamento realizado por Dora tempos antes.
Ocorre que o apaixonamento pelo pai embora aceitável pela criança bem pequena que não domina questões morais, com o passar do tempo, a partir do domínio das regras morais, essa paixão pode passar trazer culpa, quando a criança percebe que o relacionamento fantasiado não é possível, nem aceitável. Dora provavelmente deve então ter recalcado suas fantasias de incesto, tornando-as inconscientes, como forma de defesa. As fantasias, sentimentos e lembranças ficaram reprimidos, mas diante de algumas situações aparecem de forma disfarçada, como nos sintomas e sonhos relatados.

O relato e esclarecimento dos sonhos e dos sintomas realizados por Freud permitem ao leitor visualizar como se formam esses sonhos e esses sintomas, e como o desejo que não pode se realizar por não poder ser aceito conscientemente se realiza de forma disfarçada. Diversos são os exemplos desse disfarce na descrição do caso: Enurese noturna “....não tem outra causa mais provável do que a masturbação...”, quanto as dores estomacais “é sabido que, com frequência, as dores gástricas surgem justamente nos masturbadores". No que se refere a dispneia “...a dispneia e as palpitações da histeria e da neurose de angústia são apenas fragmentos isolados do ato do coito, e em muitos casos, como no de Dora, pude reconduzir o sintoma da dispneia, da asma nervosa, à mesma origem casual: ao som entreouvido da relação sexual entre adultos.” Sensação de pressão na parte superior do corpo “...A pressão do membro ereto provavelmente levou a uma alteração análoga no órgão feminino correspondente, o clitóris, e a excitação dessa segunda zona erógena foi fixada no tórax por deslocamento para a sensação simultânea de pressão. Este recortes são apenas parte dos muitos exemplos esclarecedores no caso que tem muitos outros aspectos que podem ser analisados.