Por Marcia Velo Barros -
Melanie Klein, considerada a primeira grande psicanalista pós freudiana, vem trazer um novo modelo para pensar a Psicanálise tendo como base os conceitos apresentados ao longo de toda obra de Sigmund Freud, além de Karl Abraham e SándorFerenczi.
A Psicanalista passa a atender crianças em seu consultório, o que para Freud não era viável e com isso, faz descobertas revolucionárias para o mundo psicanalítico. Klein consegue provar com exemplos práticos de sua própria clinica com crianças a possibilidade de analisá-las, assim como aos psicóticos, o que era visto como impossível, já que, segundo Freud, esses não possuíam a condição da linguagem simbólica para apreender uma interpretação.
Klein mergulha no mundo infantil de uma forma belíssima e traça um novo caminho de desenvolvimento mental no qual o Complexo de Édipo, por exemplo, se encontra muito mais precoce do que o apresentado por Freud. Para Klein ele é visto logo nos primeiros meses de vida do bebê e não mais tardiamente como apontava Freud. A psicanalista fala também em termos de Posição Esquizoparanóide e Posição Depressiva, o que difere de Freud em relação aos seus conceitos das fases do desenvolvimento libidinal (oral, anal, fálica, latência e genital).
Mesmo tendo essas diferenciações quanto aos conceitos freudianos, Klein mantém as bases do “grande mestre” Freud e acrescenta suas novas descobertas.
De forma sucinta, podemos dizer que Melanie Klein parte de uma divisão do primeiro ano de vida – ano esse fundamental na vida psíquica da criança, pois nesse, ela “encara” suas maiores angustias e utiliza de defesas as quais serão repetidas ao longo de sua vida adulta, sendo possível o corte do círculo vicioso com uma boa análise – o qual inicia com o trauma do nascimento e a “perda” da vida de plenitude intrauterina; é seguido da entrada na fase feminina com a teoria dos pais combinados, momento esse o qual Klein posiciona como Esquizoparanóide, o qual o bebê vive ansiedades persecutórias, inveja, amor e/ou ódio; após, o momento do desmame, vivenciado como privação e castração e a entrada na Posição Depressiva, na qual o bebê já consegue ter a ideia de uma mãe como pessoa inteira e com ela vivenciar uma ambivalência emocional.
Esse foi um breve resumo que de longe passa da profundidade apresentada por Melanie Klein em sua teoria. Mas opto por ele para apresentar os pós kleinianos, novos psicanalistas, que seguiram a partir de Freud e do caminho percorrido por Klein.
Melanie Klein e seus seguidores, referencias da Escola Inglesa de Psicanálise, não abandonaram as ideias freudianas, como, por exemplo, outras escolas abandonaram os conceitos de Complexo de Édipo e Complexo de Castração e a Teoria das Pulsões. Esses psicanalistas reformulam e recolocam a teoria edípica no desenvolvimento infantil, num período mais arcaico do que pensado por Freud, e continuam a pensar nas pulsões de vida e morte como impulsos que ditam a vida mental das pessoas.
Dentre os psicanalistas pós-kleinianos temos, por exemplo: Hanna Segal, BethJoseph, Roger Money-Kyrle, IrmaB.Pick, Edna O’Shaughnessy e Herbert Rosenfeld.
Esses psicanalistas vieram desenvolver o pensamento kleiniano moderno na Sociedade Britânica de Psicanalise no que diz respeito à uma menor ênfase na destrutividade, à interpretação mais dirigida à parte adulta da personalidade do paciente, à expansão da ideia de Identificação Projetiva no setting, a partir das ideias bionianas também e à ênfase na análise da atuação do paciente e a contratransferência do analista.
Hanna Segal, em 1956 apresenta o artigo “Depressão no Esquizofrênico” no qual aponta a existência de um núcleo depressivo presente na psicose, isto é, a presença, no esquizofrênico em análise, de um núcleo neurótico, com suas ansiedades e defesas, que, quando é possível que o mesmo deixe aparente ao analista, esse pode aproveitá-lo para interpretar e atingir uma base mais sadia da personalidade.
Nesses momentos, o paciente psicótico tem um maior contato com a realidade externa e a realidade psíquica. Esse núcleo é projetado no analista por Identificação Projetiva e surge a possibilidade de haver sentimento de culpa e, portanto, um maior desejo de reparação. Devido à Identificação Projetiva, o analista, na contratransferência pode perceber e interpretar usando da linguagem com os objetos totais, diferentemente de quando o paciente apresenta o núcleo psicótico, no qual a interpretação precisa ser baseada nos apontamentos dos objetos parciais.
Segal enfatiza a importância de o analista ficar atento para o uso do silencio por parte do paciente como uma forma de instigar o mesmo a preencher com suas falas. Essa é a forma defensiva do psicótico de usar a linguagem como coisa em si, concretamente. É importante que o analista perceba, respeite e suporte esse vazio sem atuar junto ao paciente, pois só assim ele pode entrar em contato com suas próprias angustias. E, com isso, no retorno do silencio, interpretá-lo, i.e., interpretar a transferência, se colocando como suporte das destrutividades sem ser superegóico.
Hanna Segal trabalhou também a questão do simbolismo e, no artigo de 1954, “Notas sobre a Formação de Símbolos” apresentando a diferença da comunicação do psicótico e do neurótico.
Ressalta Segal que a comunicação do esquizofrênico não é simbólica, e sim confunde o objeto com o símbolo, pois as relações de objeto são parciais e fragmentadas, não havendo diferenciação entre EU e OUTRO, então o símbolo não pode ser representado e é o próprio objeto, já que não existe repressão, tudo é parte de seu EU, de um sujeito narcísico. Segundo a Autora “Esta não diferenciação entre a coisa simbolizada e o símbolo é parte de uma perturbação na relação entre o ego e o objeto” (SEGAL: 1954, 172)
Difere a personalidade psicótica da neurótica, na qual o simbolismo está presente. Havendo repressão de conteúdos não aceitos socialmente, vem à tona após deslocamento e condensação, símbolos que representam os objetos reprimidos. Isso porque há uma diferenciação entre EU e OUTRO e um cuidado em apresentar apenas aquilo que o superego não rejeita. Essas representações ocorrem de várias formas, chamadas Formações do Inconsciente, que são elas: símbolos, sonhos, sintomas, transferência, atos falhos, chistes, etc.
Segal chama de Equação Simbólica, portanto, a diferença entre a concretude da comunicação do psicótico e sua incapacidade de simbolização e a simbolização do neurótico que utiliza do “como se fosse” para representar o reprimido sublimado. E enfatiza a importância de o analista tentar alcançar com o paciente a posição depressiva para poder atingir a simbolização, pois apenas havendo uma separação entre o eu e o mundo é que o sujeito pode se abrir para formações simbólicas.
Beth Joseph, outra psicanalista importante na Sociedade Britânica, considerada a “analista dos analistas” trabalhou vários conceitos que envolvem a ação do analista no setting, assim como alguns entendimentos sobre pacientes mais inacessíveis e esquizoides. Para isso, traz em seu artigo “Identificação Projetiva – alguns aspectos clínicos” de 1987, casos para demonstrar a importância da atenção do analista aos seus próprios sentimentos em relação ao paciente através da empatia e da continência para informar adequadamente ao mesmo o que percebeu de sua comunicação.
Joseph destaca o mecanismo de defesa da Identificação Projetiva como forma de o paciente expressar o que fantasia sobre a relação com seu analista e, portanto, como se relaciona com o mundo. Segundo ela, “Por definição, identificação projetiva significa colocar partes do self para dentro de um objeto” (JOSEPH:1987,148), no caso, o analista. É uma forma de resistência à mudança, pois dói e, nesse momento de defesa arcaica, apresenta uma estrutura que inclui não apenas a projeção, mas também a onipotência, cisão e a idealização. Com isso torna impossível, ou no mínimo difícil o pensar, já que seus sentimentos de onipotência veem acrescidos de inveja e medo de dependência em relação ao analista. O paciente atua evacuando ou busca destruir o vínculo desvalorizando o analista para manter-se em seu eu narcísico.
No artigo “ O paciente de difícil acesso” de 1975, Beth Joseph apresenta a cisão como um mecanismo de defesa também capaz de perturbar o progresso da análise, pois tenta impedir que a parte necessitada do paciente venha à tona. Enfatiza que esse tipo de paciente cinde sua personalidade como se houvesse vários selfs, e a parte do self não colaborativa ou sabotadora, vem esconder a parte necessitada de analise das vistas e percepção do analista. Assim enfatiza também que, quando as partes necessitadas podem ficar disponíveis, causam na contratransferência, no analista, uma confusão, apatia, surpresa ou espanto, já que são partes que estavam anteriormente excindidas e defensivamente não apareciam nas sessões.
Joseph apresenta algumas formas de perceber que quem está presente no setting é a parte sabotadora. Por exemplo, quando o analista sente que está tudo muito fácil. Isso ocorre quando o paciente tenta manter sua análise numa zona de conforto, distante dos conflitos, chegando a buscar um conluio com o analista.
A intelectualização é considerada também outra forma de defesa em análise, já que o paciente mantém sua comunicação no nível intelectual para não entrar em contato com suas emoções. Por isso também a importância de a fala do analista ser uma fala que se mantenha no setting e não saia, e que ele possa falar para o paciente sobre suas questões e não sobre o paciente e sobre o que ele traz (delírio do analista), mas sim o que percebe, sente e vê do que ele traz. A busca do paciente difícil é tentar manipular a sessão para que o analista atue naquilo que o paciente deseja dele e isso deve ser evitado. Assim como, o paciente pode também tentar distorcer a fala do analista, mudando de perspectiva para não se aproximar de sua angústia e, para isso, tenta perverter seu trabalho.
Em 1985, Beth Joseph traz o artigo “Transferência: Uma Situação Total”, para explicar o que o analista precisa se atentar em seu trabalho. Chama de situação total “tudo o que o paciente traz para a relação” (JOSEPH:1985,77), i.e., todas as relações objetais do paciente, suas fantasias, defesas, ansiedades, vivencias, o que diz, faz, atua, etc., que são “transferidas do passado para o presente” (JOSEPH:1985,76) da relação com o analista via identificação projetiva. Isso tudo pode ser percebido pelo analista através da contratransferência, na forma como o mesmo sente o que lhe é transferido. Joseph considera isso como uma pressão feita pelo paciente sobre o analista, e é ela que torna possível que o mesmo encontre as partes necessitadas de seu paciente, pois mostra suas ansiedades inconscientes. As percepções das partes do passado do paciente que se repetem no presente, na sessão, podem ser a base das interpretações do analista, conforme o mesmo vai ligando tais fatores.
Portanto, considera a transferência, dinâmica, pois algo sempre está acontecendo, mudando, e o analista deve ficar atendo a isso. É onde podem ser vistas as defesas e o nível de organização psíquica no qual o paciente funciona. Se apresenta ansiedades persecutórias e defesas mais arcaicas, está mais próximo da posição esquizoparanóide, mas se apresenta ansiedades depressivas, de perda, separação, e defesas mais elaboradas, está mais próximo da posição depressiva. As interpretações são diferentes nas diferentes posições, sendo a primeira mais fantasiosa, pois há distorção, cisão e identificação projetiva e a segunda mais realista.
Beth Joseph, em 1985, no artigo “A Inveja na vida cotidiana”, apresenta seu olhar para a inveja tão presente no dia-a-dia da clínica psicanalítica. Ela diferencia o olhar reduzido de Freud sobre a inveja do pênis, específica da mulher, do olhar kleiniano de inveja como um sentimento comum a homens e mulheres ligado ao sentimento do bebê (o paciente) pela mãe (o analista) fantasiada como poderosa e capaz de tudo, pois contém o seio, o pênis do pai, o pai e gera bebês. A inveja é tida como um sentimento destrutivo, pois o desejo do bebê é de espoliar, roubar, da mãe aquilo que imagina que ela possui, já que teme depender dela. É a essência do conceito de voracidade.
O conceito de inveja, portanto, é o de destruir o que o outro tem de bom, despojando o outro de suas qualidades, já que o invejoso não tem. Esse conceito difere de cobiça (desejo de ter o que o outro tem) e de ciúme (sentimento ligado ao objeto de amor percebido como interessado por um terceiro que não ele).
O sujeito invejoso sofre com a percepção das capacidades do outro, mas não aceita receber ajuda do mesmo, pois isso lhe significaria dependência, o que é temido. Então o sujeito, consequentemente, não pode expressar gratidão e não se deixa aprender com outro.
Em análise, a inveja é uma forma de resistência, pois impede o avanço do tratamento e as consequências são: o paciente não compreender o analista; reação terapêutica negativa, no qual o paciente piora como forma de informar ao analista sua incapacidade; paciente tenta ser seu próprio analista, interpretando e excluindo o analista; o paciente sente ressentimento, rivalidade, competitividade, faz críticas, provoca e desvaloriza o analista, assim como não tolera que o analista lhe ofereça o bom alimento interpretativo, não conseguindo, portanto, usufruir de sua análise nem ser grato por ela.
Frente a isso, uma defesa comum aos invejosos é a idealização, na qual o sujeito coloca o outro como tão melhor que ele que não faz sentido invejar, pois o outro está muito distante, ou, o sujeito coloca o outro como tão inferior e desprovido de capacidades a ponto de não ter o que invejar. São fantasias que tentam impedir que o sujeito entre em contato com suas próprias incapacidade e com as capacidades do outro. Pois se o outro tem capacidades que o mesmo não tem, dele depende e isso causa insegurança em relação às próprias capacidades. Esse sentimento pode ser tão forte que o sujeito vai se distanciando e se fechando para o mundo para não entrar em suas comparações, o que impede também que o mesmo possa construir bons vínculos.
Em 1986, Joseph também estudou em seu artigo “Mudança Psíquica e Processo Psicanalítico” a importância do olhar atento do analista para as mudanças psíquicas do paciente que aparecem durante a sessão e ao longo do tratamento. Como Klein, apresentou a possibilidade de haver flutuações entre as posições, e o mesmo pode aparecer em análise. Joseph fala de um ponto de equilíbrio entre ansiedades e defesas (PS↔D) que pode mudar e o analista precisa acompanhar tais mudanças. Diz que inicialmente são mudanças aleatórias, pois o paciente não tem controle do seu ego, e, com as interpretações e insights, isso vai se modificando conforme o ego pode ir se fortalecendo e se responsabilizando por seus atos e seu mundo, i.e., quando pode ir atingindo a posição depressiva e começa a entender que o outro é diferente e separado dele.
Conclui então que a mudança psíquica é o oposto de compulsão a repetição, pois é “uma movimentação interna de forças, uma perturbação do equilíbrio mental e emocional estabelecido, do equilíbrio de sentimentos, de impulsos, de defesas e de figuras internas inconscientemente estabelecidas e que se reflete em seu comportamento no mundo externo” (JOSEPH: 1986,196). Perturbação essa que, se suportada, pode significar mudança nos relacionamentos com os objetos internos e externos, mudanças egóicas que proporcionam relações mais reais e verdadeiras assim como uma possibilidade de assumir e se responsabilizar por sua realidade psíquica.
Um último artigo que trago da psicanalista, apresentado em 1988, “Relações de objeto na prática clínica” fala da importância do analista se incluir na relação com seu paciente e, portanto, na interpretação que informa a transferência através do olhar e percepção de sua contratransferência. O analista precisa se atentar para as projeções e introjeções do seu paciente que borram seu olhar para o mesmo como um outro diferente e separado dele. O analista se coloca como receptor e continente dessas identificações projetivas, se identificando com as mesmas e depois saindo dessa posição comum a eles e de volta se colocando como observador para poder interpretar, i.e., informar ao paciente o lugar onde o mesmo deseja que o analista estivesse e as implicações disso. Dessa forma vai podendo mostrar ao paciente essa separação paciente-analista, pois vai devolvendo a ele o que é desejo dele, mas não pertence ao mundo do analista. Assim o analista pode reconstruir a história vivida com o paciente e trazer os fragmentos perdidos e esquecidos da história do mesmo, ligando as histórias e informando como ele lidou com as ansiedades, quais defesas utilizou e os conflitos envolvidos.
Outro psicanalista importante para a Escola Inglesa é Roger Money-Kyle, que em 1955 escreve o artigo “Contratransferência normal e alguns de seus desvios”. Nesse artigo, ele apresenta a diferenciação entre uma contratransferência normal e importante para a percepção do analista quanto ao que é transferido pelo paciente e a contratransferência patológica. Ele cita a relevância da contratransferência para além do que foi dito por Freud como um “ponto cego” do analista que deveria ser analisado para não atrapalhar o andamento da análise. Ele não descarta essa questão, mas ressalta também seu lado positivo, como um processo de comunicação citando Paula Heimann que coloca como um “instrumento de pesquisa” psicanalítica.
Na contratransferência normal o paciente transfere para o analista via identificação projetiva, as partes excindidas de seu self. O analista reconhece essas partes em si mesmo (processo contratransferencial) por já ter vivenciado, sentido e trabalhado em sua própria análise, e, saindo dessa identificação e voltando para seu ponto observador, interpreta e informa ao paciente o que viu.
Já na contratransferência patológica, o analista não consegue voltar para essa posição de observador, ficando identificado com seu paciente, pois não tem esse aspecto transferido pelo mesmo, trabalhado em análise. O analista, então, atua e fica complicado com o paciente. Essa atuação ocorre, na posição esquizoparanóide, por sentir-se perseguido pelo paciente e, por isso pode ter uma resposta sádica, ou se, na posição depressiva, pode tentar reparar onipotentemente seu paciente, se colocando na posição de pai/mãe ou se responsabilizando pelo fracasso na melhora dele, sentindo-se culpado por isso ou empobrecido por ter dificuldades de lidar com o não saber. O não saber pode perturbar o analista não analisado e é preciso pensar também qual a responsabilidade do paciente como causador dessa perturbação e o efeito sobre o mesmo. O analista também deve evitar colocar-se na posição de um superego severo que tenta culpabilizar o paciente. Portanto, na contratransferência patológica o analista não consegue alcançar a parte necessitada do paciente, oferecendo, então, amor (contratransferência positiva) ou hostilidade (contratransferência negativa).
Money-Kyrle ressalta o cuidado do analista em manter o olhar para a criança inconsciente no paciente e re-conhecer-se como separado dele, apenas fazendo uma identificação parcial por empatia até que se coloque de volta como observador e informante do que viu.
Irma B. Pick é outra psicanalista seguidora de Melanie Klein, que vem, em seu artigo “Elaboração na Contratransferência”, de 1985, falar também das questões éticas na Psicanálise e a relevância do analista elaborar sua própria contratransferência para não impedir o avanço de seu trabalho. Pick cita Strachey, na questão do quanto a interpretação é algo temido para o paciente e também para o analista, pois coloca-os em contato com suas angustias emocionais. Ela diz:“uma experiência de transferência completa ou profunda perturba o analista; é essa a experiência que o analista mais teme e mais deseja evitar” (PICK:1985, 47). Portanto, fala da impossibilidade de haver uma relação neutra entre analista e paciente, já que sentimentos são movimentados.
Esses sentimentos estão presentes no processo contratransferencial, visto que para que o analista possa dar uma interpretação, precisa inicialmente regredir aos estágios mais primitivos de seu inconsciente para re-conhecer-se na transferência. Pick considera a interpretação como “ato criativo e integrador por parte do analista” (PICK:1985,49) e frisa a diferença entre uma resposta contratransferencial na qual o analista corresponde ao desejo do paciente e uma verdadeira interpretação, na qual o analista apenas informa sobre esse desejo.
A ética do analista está no cuidado para com o paciente em não ser cruel e agressivo em suas interpretações, pois cada paciente tem suas condições e o quanto suporta recebe-las e o analista precisa ir dosando-as para que não cause mais ansiedade e defesas em seu paciente.
Da mesma forma o paciente pode ser cruel com o analista em provocar reações e sentimentos nele, através de suas projeções, para ver como o mesmo reage. O analista precisa estar analisado para não fica preso em ansiedades persecutórias e/ou super-egoícas.
Já Edna O’Shaghnessy, outra psicanalista de renome na Sociedade Britânica, traz seu olhar para o que chamou de “édipo invisível” nos pacientes de difícil acesso em seu artigo de 1987 “O complexo de Édipo Invisível”. Traz o valor dos conceitos de Complexo de Édipo e Complexo de Castração desde os tempos de Freud e que pela Psicanálise Contemporânea foi, por muitos psicanalistas, deixados de lado como inexistentes na clínica. Edna, portanto, fala da presença da questão edípica, mesmo que parecendo inexistente, pois por alguns pacientes é colocada como invisível.
Devido à cisão da personalidade, as partes do self que regem a essas questões edípicas são defendidas e mantidas escondidas contra tudo e todos, pois elas representam a esperança de vínculos, fonte de pulsão de vida e “veneno” contra o narcisismo.
Edna aponta que mesmo estando invisível aos olhos do analista, aparecem na forma de angustia de exclusão, angustia de separação, angustia por estar só na presença do outro e/ou do par edípico (pais) do qual o paciente “filho” não faz parte e nos casos de defesas como a cisão sexual parcial ou total (inibição sexual, impotência, homossexualidade, frigidez, etc.)
O Complexo de Édipo é pensado por ela como um “complexo nuclear do desenvolvimento” (O’SHAUGHNESSY:1987,211) do qual ninguém escapa, mesmo que esteja invisível, pois há sempre um par edípico que o indivíduo não faz parte, portanto, todos temos que lidar com essa exclusão e castração e com o fato de não sermos o centro do mundo do outro, nesse caso devido ao tabu do incesto e da transgeracionalidade.
A Identificação Projetiva é uma defesa contra essas angustias, pois busca separar internamente esse par edípico combinado por parecerem um par criativo e heterossexual. O pai fica como homem sádico e fálico e a mãe como masoquista, fraca e desprotegida. Assim o excluído sente-se fantasticamente onipotente e capaz dessa separação. Essa tentativa de destruição do par demonstra a dificuldade egóica do filho em lidar com a solidão da não participação na cena primária. O indivíduo excluído precisa, na realidade, dar conta e suportar não ser esse centro para poder ir à busca de onde lhe cabe e com quem lhe está disponível, os vínculos possíveis.
Esses pacientes de difícil acesso, não vivem o Édipo, pois não apresentam sentimentos de ciúme e ligados à rivalidade, além do desejo sexual. Suas questões são anteriores a isso, pois é justamente para isso evitar devido à inveja e tentativa de cisão dos objetos internos e uma carência de um objeto bom internalizado e por se sentirem incapazes de ficarem só e desamparados.
Um também importante psicanalista é Herbert Rosenfeld, que em 1971 publica o artigo “Uma Abordagem Clinica para a Teoria Psicanalítica das pulsões de vida e de morte: Uma investigação dos aspectos agressivos do narcisismo” no qual apresenta seu conceito de “gangue narcisista”. Ele parte esse artigo citando a Teoria freudiana das Pulsões de vida e de morte como forma de compreender os fenômenos da vida mental (masoquismo moral, resistência, desfusão, Reação Terapêutica Negativa, conflito de impulsos), assim como da teoria da cisão de Melanie Klein, para mostrar o quanto uma pulsão de morte pode dar início a um processo de cisão do self chegando a criar essa gangue narcisista.
Entende a pulsão de morte como um impulso que leva de forma silenciosa o sujeito para a morte egóica, através de projeções desses impulsos destrutivos para o mundo externo. Essa é uma defesa narcísica diante do ódio que sente pela realidade externa, já que seu próprio ódio foi anteriormente projetado. Então, o sujeito vai retirando sua libido colocada no objeto, deixando-a apenas em seu self.
A tendência, no desenvolvimento psíquico é que as pulsões fiquem fundidas, mas em alguns casos elas são separadas, devido à cisão do self. Esses casos, Rosenfeld chamou de Gangue Narcisista, sendo essas, condições narcísicas graves. São pessoas com sentimentos de superioridades e frieza, que agem com hostilidade, desconfiança, depreciação e desvalorização devido ao alto nível de inveja. Assim mantém-se numa luta infantil entre destruir e preservar os objetos e a si mesmo. Há casos que as pulsões nem chegam a sofrer fusão, se mantendo sempre separadas.
Estando a pulsão de morte livre e separada da pulsão de vida (o que pode acontecer na formação do superego), acaba criando outro self (ou selfs), chamado pelo autor de organização narcísica ou self narcísico dentro do self libidinal o que pode ter várias consequências, como por exemplo: a organização narcísica pode sabotar e ameaçar o self libidinal; o self libidinal pode ser totalmente subjugado pelo self narcísico; o self narcísico pode ser enviado para o meio, via identificação projetiva, pelo self libidinal, etc.
Na clínica, a Reação Terapêutica Negativa é um exemplo de defesa causada por essa organização narcísica, como forma de o self se defender da ameaça do tratamento devido a seu anseio por plenitude. Isso ocorre, pois, a análise busca que o sujeito saia dessa organização narcísica e possa perceber o outro como outro separado dele, dando ênfase ao self libidinal capaz de buscar ligações. Mas, diferentemente disso, a organização narcísica é extremamente invejosa e teme a dependência.
A cisão entre self e os objetos, inicialmente, faz parte do desenvolvimento normal do bebê como forma de proteção do self e do objeto do aniquilamento por seus impulsos destrutivos decorrentes da pulsão de morte. Essa fusão é considerada patológica quando tais impulsos sobressaem em relação aos impulsos libidinais, e a pulsão de vida não tem “espaço” para mitigá-los ou neutralizá-los, como na fusão normal.
Na fusão normal há uma consciência de dependência e de separação entre eu e outro que causa frustração (ódio pelas coisas ruins do objeto) e inveja (das coisas boas do objeto).
Quando não é possível tolerar essa separação e a dependência do outro, o self busca essa saída narcísica com o objetivo de tentar manter relações objetais onipotentes.
Rosenfeld conclui então que há narcisismo com aspectos libidinais, onde há uma supervalorização do self, “idealização do self sustentada por identificações projetivas e introjetivas onipotentes com objetos bons e suas qualidades” (ROSENFELD:1971, 250) entendidos como partes do self. A destrutividade aparece quando esse self onipotente é ameaçado por um objeto externo separado e bom, o que desponta através de sentimentos de humilhação, ressentimento e vingança.
E existe também o narcisismo com aspectos destrutivos nos quais há uma “idealização das partes destrutivas onipotentes do self” (ROSENFELD:1971, 250) dirigidas aos objetos bons. Mas seu desejo de dependência fica disfarçado e excindido, impedindo tais relações e mantendo uma desvalorização e indiferença em relação ao outro. São situações nas quais a inveja é mais violenta e o desejo é de destruir a fonte de vida. Os impulsos são autodestrutivos. Há fantasia de autocuidado e de ter dedicado a vida a si mesmo, não precisando do outro. São pessoas que tentam quebrar seus vínculos caso se percebam dependentes, tem desejos suicidas e de desaparecer.
Tais autores vieram desenvolver ainda mais o pensamento psicanalítico e nos presentear com seus olhares minuciosos e brilhantes a respeito da clinica psicanalítica. A fonte possível de (re) conhecimento das ideias apresentadas por eles podemos ver e viver na prática clinica e com ela manter a chama psicanalítica acessa e mantermo-nos numa busca constante de desenvolvimento, este que nunca se finda.