Por Débora Waihrich Matzenbacher -
No texto, Inibição, Sintomas e Ansiedade, Freud afirma que é a angústia a responsável pela formação do sintoma e que toda essa angústia vem da infância do indivíduo, e ainda, que é ela que produz o recalque. Para Freud, existe um acontecimento ou episódio que precisam ser revelados, ou seja, coisas que aconteceram, e por não serem lembradas, elas acabam causando os sintomas e as doenças.
Essa angústia é da ordem do afeto, com um caráter de forte desprazer e acompanhada de sensações físicas de atos de descarga, por isso é que para Freud é a angústia que produz o recalque e não o contrário.
Diferente de Freud, o entendimento de Klein é de que não existe um fato, e sim uma fantasia que faz com que a criança sinta um mundo, interno e externo, de uma forma muito perigosa e assim, a ansiedade persecutória fica ligada à necessidade de se defender de situações que são aniquiladoras da vida, a pulsão de morte. A pulsão de morte e pulsão de vida, são pulsões que coexistem, mas, ao contrário da primeira, a pulsão de vida é a força que vai contra a ideia do aniquilamento e está presente desde o início da vida do bebê.
Melanie Klein desenvolveu, em suas teorias, um conceito de posições, que se alternam entre elas, e que são nominadas posição esquizoparanóide e posição depressiva. É imerso na posição esquizoparanóide que a criança nasce. Desde esse nascimento o Ego muito imaturo do bebê fica submetido à ansiedade persecutória que é fomentada pelos instintos de vida e de morte. É nessa posição que vai acontecer o primeiro contado do bebê com o seio da mãe, ou melhor, é na posição esquizoparanóide, com a fragmentação do Ego, que o bebê estabelece seu primeiro contato com o objeto externo –seio/mãe. Esse objeto seio, é dividido em seio bom, que é aquele que gratifica e dá prazer, e seio mau, que é aquele que causa sofrimento e gera frustração, são, portanto, objetos parciais. Para Klein, na posição esquizoparanóide, “o amor e o ódio, bem como os aspectos bons e maus do seio, são mantidos amplamente separados um do outro”. Assim, na fantasia do bebê, a destrutividade e o ódio que ele direciona ao seio mau, vão se voltar contra ele, querendo então, de alguma forma alcançar a vingança, e é esse “medo da vingança”, que Klein entendia como sendo a ansiedade persecutória da criança e que tem sua origem na pulsão de morte. A partir disso a criança faz uso de mecanismos de defesa, que funcionam combinados, e que tem por objetivo fazer com que a criança se defenda dessa ansiedade persecutória.
Segundo Melanie Klein, a cisão é a forma mais primitiva de defesa do Ego contra as ansiedades. O Ego do bebê é dividido, é fragmentado, uma vez que ele não dá conta da pulsão de morte e quer manter para si a “parte boa”, e para que isso aconteça ele precisa “cindir” esse objeto e mantê-los separados dentro dele, o objeto bom e o objeto mau.
A idealização é outro mecanismo de defesa apontado por Klein, e está conectado à cisão do Ego. No caso da idealização os aspectos bons do seio são potencializados como uma forma de defender esse bom objeto de pulsões que poderiam o destruir. Na posição depressiva o mecanismo de defesa da idealização tem como objetivo proteger o Ego de angústias, e assim, esse último vai conseguir descarregar todo o seu sadismo, toda sua pulsão de morte, no objeto mau.
A introjeção, na posição esquizoparanóide, tem como meta incorporar todos os objetos do ambiente, a começar pelo seio materno. Na posição depressiva, a introjeção está ligada ao objeto bom, quer dizer, eu vou introjetar tudo aquilo que vai me atender. Klein entendia que o desenvolvimento do Superego “pode ser reportado à introjeção nos estágios mais iniciais da infância”. Na projeção, por sua vez, em ambas as posições, esquizoparanóide e depressiva, a criança arremessa no ambiente estímulos, pulsão de morte, que o Ego não quer se responsabilizar e não quer assumir em si mesmo e o ajudam a se livrar daquilo que pode ser perigoso e mau para ele. É através, então, desses mecanismos que a criança cria e organiza o seu mundo interior, e para Klein, o protótipo do que o indivíduo vai se tornar são estabelecidos pelas relações iniciais de introjeção e projeção.
Klein, apresenta também outros mecanismos de defesa, tão importantes e significativos como os citados acima, como por exemplo a onipotência, que é uma característica inerente ao self e, na posição esquizoparanóide, ela é a fantasia de se ter o controle dos objetos internos e externos, ou seja, há uma tentativa de mudar a realidade para a fantasia que o Ego acredita ter e a negação, onde a própria realidade interna, objeto mau, é negado. Na posição depressiva, a onipotência é presente tanto na culpa como na reparação, porque a criança se sente responsável por todos os ataques sádicos que lançou contra o objeto, acreditando assim que o destruiu ou pode destruir o objeto, e também, porque acredita ser capaz de reparar todo esse mal.
A identificação projetiva é um funcionamento defensivo do Ego apontado por Klein, onde partes do self, portanto partes boas e partes ruins, são lançadas para dentro do outro objeto, ou seja, a mente do outro é utilizada como um “depósito de tais sentimentos”, com o objetivo de controlá-lo por dentro. Então se projeta no outro para posteriormente o Ego se identificar com o que foi projetado. A identificação projetiva aparece intimamente ligada à projeção. Numa projeção simples, o objeto que recebe a projeção não tem conhecimento do que se passa, enquanto na identificação projetiva o objeto é alterado pela projeção e passa a ver a si mesmo como se realmente tivesse aqueles sentimentos, pensamentos e emoções que foram projetados nele, bons e ruins.
Por volta dos quatro meses de vida do bebê, na posição depressiva, é que acontece a integração dos objetos, bom e mau, e a cisão desses objetos vai sendo suavizada. A partir daí o Ego vai se fortalecendo e organizando, quando então ele percebe que os objetos são agora um só, portanto, o objeto agora é total. É na posição depressiva, quando o Ego atinge um maior nível de organização, que as imagos incorporadas se aproximam mais da realidade e ele acaba se identificando mais com os objetos bons. Concomitantemente com essa alteração na relação com o objeto, ocorre uma modificação em relação a sentimentos como culpa, angústia e outras emoções desagradáveis que passam a fazer parte desse novo contexto.
Para Klein, a culpa aparece vinculada à ansiedade depressiva que por sua vez aparece ligada aos “danos causados aos objetos amados”. O fundamento da ansiedade depressiva é a combinação dos impulsos sádicos e dos sentimentos bons e de amor que são lançados a um único objeto. A essência da culpa é do sentimento dos impulsos sádicos que são “jogados”, e dos danos que são causados, ao objeto de amor, surgindo daí a tendência reparatória, que é a tentativa de consertar ou preservar o objeto que agora é sentido, ao mesmo tempo, como um objeto de amor e ódio. Cabe ressaltar, que o bebê sente culpa desde a fase esquizoparanóide, mas é na fase depressiva que ela vai se estabelecer.
Desde o início da vida do bebê a inveja se faz presente, sendo que o primeiro objeto alvo desse sentimento é o seio que alimenta. Sente-se inveja do seio bom pela capacidade e abundância dele “ter” e “dispor” do leite que alimenta e nutri, e inveja do seio mau quando esta conserva para si o leite materno. Klein entendia a inveja como uma emoção primária, ou seja, é constitucional, nasce com o sujeito, assim então já presente na fase esquizoparanóide, e seus efeitos operam sobre o desenvolvimento da aptidão de sentir felicidade e gratidão. Salienta-se que a característica fundamental da inveja é a maldade que se deposita no outro. Ela pressupõe a relação com uma outra só pessoa e se define como um sentimento de raiva de que esse outro detêm e goza de algo que eu cobiço, sendo então, o impulso invejoso e destrutivo exatamente o de “tirar” esse algo do outro, ou danificá-lo. Essa importante característica da inveja, a maldade, é o que a distingue da voracidade que é uma inquietação insaciável de devorar, sugar e acabar com tudo o que o objeto bom tem capacidade de oferecer, mas sem essa crueldade presente na inveja.
A inveja excessiva reflete diretamente no aparecimento antecipado da culpa pelo sentimento de que o seio que nutri foi danificado, ou também pelo ciúme do pai que aparece pelo fato dele “ficar” com o seio da mãe para ele, como característico do estágio do Complexo de édipo. É pelo modo como a excessividade da inveja, ou a falta ou o controle dela, que na posição depressiva, o bebê vai conseguir integrar seus sentimentos de amor e ódio e assimilar de uma melhor maneira o mundo externo. O contraponto da inveja é a gratidão que é indispensável à formação e estruturação da relação com o objeto bom, e isso só é alcançado se o bebê sentir-se satisfeito e se sua aptidão para amar for suficientemente evoluída.
De todo o aqui exposto, fica claro que para Melanie Klein, a maneira como as ansiedades persecutórias e depressivas- bem como todos os seus reflexos, são vivenciados e experimentados no primeiro ano de vida da criança, são fundamentais na construção da estrutura psíquica dos indivíduos, pois são essas ansiedades que a pessoa vai vivenciar durante toda a sua vida.