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Freud, Klein - proposições sobre a face oculta do humano

Freud, Klein - proposições sobre a face oculta do humano

Por Fernanda Dias Belo - 

Que mal, porém tem eu me afastar da lógica? Estou lidando com a matéria-prima. Estou atrás do que fica atrás do pensamento. Clarice Lispector

Se para a espécie dotada de racionalidade, alcançar a inteligibilidade das coisas, fomentou as primeiras indagações filosóficas, foi somente com o advento da ciência, que respostas consistentes puderam ser alcançadas. 

Nos dias atuais, muito se sabe sobre o planeta e o humano. Todavia, apesar da descoberta que habitamos em um astro que gira em torno do sol, questões como; de onde viemos? para onde vamos? Continuam ecoando em nossa ignorância. Do mesmo modo, o funcionamento biológico do corpo humano, pode ser aprendido em detalhes por qualquer um que se debruce sobre o tema. Mas e quanto a mente? Sabemos que sinapses e substâncias químicas agem no cérebro, influenciando o estado mental das pessoas. Contudo, nenhum dos avanços conquistados nesse campo, foi suficiente para suprimir o sofrimento psíquico. A psicanálise então, se coloca como uma opção diferenciada, que pela própria natureza e complexidade do seu objeto, propõe uma perspectiva não cientifica, para apreensão dos fenômenos mente.

O pai da psicanálise (Freud), concebe em seu modelo estrutural, que conflitos e/ou fixações provenientes das fases psicossexuais do desenvolvimento infantil, culminam no processo de repressão, e deslocamento libidinal. Que consequentemente, compromete o funcionamento normal da mente. Melanie Klein, por sua vez, nos interpela com sua pesquisa, a regressar a um estágio remoto da vida humana, até as primeiras experiências da vida pós-natal. Onde a consciência moral ainda não foi estabelecida, e o que existe, são sensações corporais, que anseiam por satisfação.

Fantasias, ansiedades e relações objetais, são o núcleo em torno do qual Klein fundamenta sua prática clínica, e ao mesmo tempo marca as principais diferenças, entre o seu modo de pensar o acontecer psíquico, e aquele de Sigmund Freud.

Suas concepções sustentam, que relações de objeto, estão presentes desde o princípio no inconsciente do bebê. Ainda que inicialmente ele se relacione apenas com partes do objeto, e as perceba como uma extensão de si mesmo. Forçosamente, a privação move o bebê a realidade de que o objeto supridor, é externo. E é nesse âmbito da ausência, e do reaparecimento do objeto, que as fantasias basilares, que constituem, e determinam o funcionamento da mente, se formam.

Direcionadas ao objeto primordial; o seio da mãe. Ódio, amor, culpa e reparação, são ambivalências operantes desde o princípio da vida. Oriundas das ansiedades da posição esquizoparanóide, onde o sadismo impera, como meio de retaliação. E da posição depressiva, na qual, os descontentamentos são superados pelos aspectos bons do objeto, instituindo condições para reparação. Portanto, na ideia desenvolvida por Klein, a mente normal funciona alternando entre as duas posições, com seus respectivos afetos. Logo, a dominância de uma sobre a outra, desequilibra, ou não estabelece as condições favoráveis, para uma mente saudável.

Por conseguinte, se em Freud, a análise visa preencher lacunas mnêmicas, em busca da repressão. Klein se interessa em desvelar as fantasias primordiais, que sustentam o excesso de ansiedade, de modo que esta possa ser reduzida. Ou de facilitar o contato com elas, como meio de integrar o ego cindido por defesas paranoides.

A questão da ansiedade também foi abordada por Freud, em dois momentos; no primeiro como sendo efeito, e no segundo como causa da repressão. Klein pensa a ansiedade em dois tipos; objetiva e neurótica. A primeira, ligada as demandas da realidade, desperta a segunda, que pela própria natureza inconsciente, é muito mais potente. De modo que, se em Freud a ansiedade está fortemente ligada ao falo, Klein propõe que o medo maior ligado a castração, é a não continuidade da espécie, pela impossibilidade de reprodução.

Isso posto, é na ansiedade neurótica, segundo Klein, que o tratamento analítico deve estar focado. E este só pode ser encerrado, quando ela é alcançada, nas suas ambiguidades. Para tornar isso possível, ela oferece uma de suas maiores contribuições a psicanálise. Pois, se a partir do caso Dora, Freud destaca a importância da transferência para a cena analítica, Klein chama a atenção para a importância da transferência negativa. Segundo ela, somente acessando as emoções profundas, a diminuição das ansiedades, a redução das defesas maníacas, e fortalecimento do ego, pode ser alcançado.

Os genitores são figuras centrais na formação inconsciente, no entendimento dos dois autores. Salvo que Freud, preconizou os pais reais em suas pesquisas. Sendo estes, o objeto de identificação na dissolução do complexo de édipo. Klein por sua vez, seguindo o entendimento de um mundo interno fantástico, descreve a identificação, como resultado dos mecanismos de introjeção e projeção, correspondentes aos primeiros objetos parciais; os pais da fantasia.

Assim, pela via da introjeção, o ego internaliza partes do objeto no self. Enquanto na projeção, lança para fora o que não é capaz de tolerar no próprio self. Parafraseando Clarice Lispector “o horror sou eu diante do outro”. Mas, é ela também que desperta em nós o sentimento de empatia – diante de uma catástrofe, por exemplo – a identificação segundo Klein, é o correspondente, e a comunicação do conteúdo interno com o externo, e vise versa. A síntese desses processos, é a identificação projetiva. Um dos mais explorados conceitos, da obra Kleiniana.

A via aberta por Freud, que ouvia e observava, assim podemos inferir que sua epistemologia discorre do exame dos efeitos do processo civilizatório, sobre a parte incivilizada do humano, foi expandido por Klein, que observava e ouvia. E foi justamente isso que tornou possível analisar crianças. A investigação de fantasias advindas de uma fase pré-civilizada, onde o que existe são apenas impulsos instintuais. Portanto a psicanálise - assim como invoca Clarice Lispector – é o caminho possível, para nos aproximarmos de uma supra realidade mental, que segundo os pressupostos da metapsicologia, constitui e afeta a todos nós. De maneira mais, ou menos nociva.