Por Fernanda Dias Belo -
Aquele que está dentre os mais conhecidos dos sete pecados capitais; a inveja. Já se fazia notar em civilizações que precederam a era cristã. Sendo, portanto, recomendado a todo homem que desejasse possuir qualidades superiores, combater esse estado de emoção.
Por outro lado, seu antagonista; a gratidão, é compatível com o grupo de qualidades que deveriam ser por eles, adotadas. Neste contexto, ambas são concebidas como escolha consciente e voluntária, fruto da interação do homem com o meio. Portanto, seria competência do próprio sujeito, superar a primeira, em benefício da segunda. Perspicaz, Melanie Klein inova ao apresentar a inveja e a gratidão, pelo viés rudimentar, inerente e comum ao desenvolvimento do aparelho mental humano. Contrapondo-se ao senso comum, em sua versão precoce, tais afetos, são involuntários e inconscientes.
Desencadeados pela relação primordial; bebê/seio. O movimento de Inveja e gratidão, são invariavelmente, dirigidas ao mesmo objeto; o seio bom. Atuando na mente do bebê, desde seus primeiros dias de vida, essas emoções interagem em uma conjuntura ambivalente e conflituosa. Onde, a prevalência do afeto invejoso no psiquismo do bebê, acarreta implicâncias, tanto para o seu desenvolvimento inicial, quanto para as relações de objeto, no decorrer de sua vida. De modo igual, revelam a simultaneidade, das posições esquizoparanóide e depressiva atuando desde cedo, sobre o ego prematuro. Desse modo, a predominância de uma posição sobre a outra, é determinante para a experiência do bebê em relação ao objeto, a saber; inveja ou gratidão.
Se diante do mal-estar, provocado pela ausência do seio bom, o bebê é capaz de tolerar o desconforto, fruir em satisfação e contentamento quando reestabelece ligação com o objeto. Sinaliza que ele está no funcionamento depressivo. Consequentemente, as condições para sentir amor e gratidão pelo objeto, estão estabelecidas. Por outro lado, quando a privação do objeto, desperta no ego ansiedades persecutórias, sua capacidade de sentir gratidão, é eclipsada pelo ódio e horror a dependência. Origina-se então, a inveja primária (inconsciente), e suas defesas esquizoparanóides.
Portanto, a premissa da inveja é a percepção de que existe um objeto bom, e superior. Pois este, é detentor de potencialidades que o bebê deseja, e não possui. Sendo assim, os primeiros ataques invejosos, são direcionados ao seio bom, e ocorrem justamente, pela capacidade que o seio dispõe de nutrir, e ser uma fonte inesgotável de alimento. Por conseguinte, a frustração de não ser detentor, de tais potencialidades, desencadeia sentimentos de animosidade, e o seio que alimenta, mas não gratifica, se torna alvo de ataques sádicos, que visam danificá-lo e destruí-lo.
É imprescindível ao invejoso, manter-se na ilusão de onipotência, e auto suficiência, enraizadas no aspecto narcísico da inveja. Logo, diminuir, desvalorizar as capacidades e conquistas do outro, tem por finalidade, auxiliar o invejoso a se manter isolado do sentimento de dependência e insuficiência, negando a existência daquilo que lhe causa horror; os atributos do outro, que ele não possui.
Nisso consiste o caráter perverso da inveja; a negação do outro. Não existe consideração pela pessoa, que sente e sofre as consequências dos ataques a ela destinados. No limite, essa anulação do outro, conduz a uma relação de utilidade; objetificação da pessoa. sem vínculo, nem laços de afeto. Isso posto, podemos inferir, que o bebê imerso em inveja, começa a recusar o alimento, por não tolerar a condição de submissão. Mas, a necessidade de sobrevivência se impõe, e ele volta a se relacionar com o objeto, apenas como fonte de nutrição e suprimento material, mantendo-se em um “estado de interesse”.
Mesmo assim, nada do que é fornecido pelo objeto, resulta em satisfação. Visto que, o estado de inveja, não é incompatível com a condição de contentamento, nem de reconhecimento do objeto, como sendo suficientemente bom (desvalorização). Isso resulta, na voracidade, enquanto um dos principais atributos da inveja.
Como citado acima, a inveja e a gratidão, estão presentes nas relações humanas, desde os períodos rudimentares da história. Ao decorrer por suas características - no sentido do senso comum -, certamente podemos identificar com facilidade, em nossos círculos de convivência, pessoas que correspondem a essa condição; incluindo, nós mesmos.
Contudo, a concepção geral da inveja, tem verossimilhança com o conceito de cobiça. Pois se fundamenta no preceito de ansiar o que o outro possui. Entretanto, nos moldes que Melanie Klein problematiza em sua obra, a inveja e a gratidão, são afetos concebidos na gênese do desenvolvimento humano. Do mesmo modo, ocupam uma posição de centralidade no funcionamento da mente do bebê, e do adulto.
Sem jamais negligenciar o aspecto constitucional, nas conjecturas de Melanie Klein, a gratidão é intrínseca a pulsão de vida. Se resume basicamente no reconhecimento do bebê, de que o seio - apesar dos descontentamentos- preservou sua existência. Quanto a inveja, ela vai além do desejo irrefreável de gozar daquilo que pertence ao outro, e triunfar sobre o objeto. Ela almeja aniquilar, tudo aquilo que reverbera suas limitações, e incompetências. Em total confluência, com os princípios da pulsão de morte.