Por Marcelo Moya -
A homenagem em memória dos mortos, também conhecido como Dia de Finados, teve seu início no ocidente por iniciativa do cristianismo romano no segundo século, e fontes históricas afirmam que foi somente em meados do século XIII que a data foi oficialmente instituída nas pautas litúrgicas de Roma.
Mas este olhar para os mortos não se restringe apenas às confissões religiosas ocidentais. O tema remonta os primórdios das civilizações por meio de diversos povos que de alguma maneira exaltavam a morte através de suas culturas, crenças e ritos. Em países como o México, por exemplo, este tema está profundamente enraizado nos costumes e tradições daquela nação centro-americana.
Mas afinal, o que é a morte? Para alguns talvez represente o fim de tudo, um ponto final. Para outros um meio para se obter a eternidade ou a oportunidade de novos recomeços. Vertentes religiosas e espiritualistas normalmente consideram as três principais perguntas existenciais da humanidade: de onde viemos, por que estamos aqui e para onde vamos depois desta vida, e neste ponto, o tema da morte se torna um conceito central nos enigmas da humanidade.
E como a morte é pensada na mente dos vivos? Para Ernest Becker "ela é uma ideia que move a vida" aponta o escritor em seu premiado livro A Negação da Morte. A psicanalista Melanie Klein considera que o medo da morte é a causa primária da ansiedade desde o nascimento. Freud fez alguns desdobramentos acerca da melancolia (depressão) associando-a às experiências de luto, bem como organizou modelos de teorias pulsionais nominando-as de vida e morte.
"... se da morte não se obtém muitas respostas, dela ao menos
se pode evocar uma pergunta: afinal, o que é a vida? "
A herança de aspectos culturais, religiosos, filosóficos, sociais, antropológicos e até científicos sustentam a complexidade acerca da reflexão da finitude do ser. De qualquer forma, o Dia de Finados é um momento apropriado para refletir a vida na perspectiva da morte. Aliás, se da morte não se obtém muitas respostas, dela ao menos se pode evocar uma pergunta: afinal, o que é a vida?
A médica Ana Cláudia Arantes, especialista em intervenções de luto e cuidados paliativos com pacientes em estado terminal em São Paulo, afirma que "a morte não é bonita, e que embora sua beleza seja o ímpar de uma tristeza, a vida sim que é bonita", como bem cantou Gonzaguinha, “eu sei que a vida devia ser bem melhor e será, mas isso não impede que eu repita, é bonita...”
O médico patologista e professor Paulo Saldiva considera que, “no fundo, o verdadeiro mistério não está na morte, mas está na vida”, e que embora seja capaz de emitir um atestado de morte, jamais dará um atestado de vida dado a sua complexidade. Embora a vida seja às vezes um soco no estômago como escreveu Clarice Lispector, "viver é melhor que sonhar, a vida é uma coisa boa" como compôs Belchior.
"... é morrendo que se aplaca o insuportável da vida, ou é vivendo
intensamente que se obtém um alento para o insuportável da morte?
Se tantos vivem pela antecipação da própria morte, outros viverão para sempre apesar de já terem morrido. Retomando Lispector, "cada dia é um dia roubado da morte, mas é esta morte que nos ajuda a suportar às vezes o insuportável”, e neste caso nos indagamos: será que é morrendo que se aplaca o insuportável da vida, ou é vivendo intensamente que se obtém um alento para o insuportável da morte?
Embora tão paradoxal possa parecer o viver e morrer que inspiram de poetas a pregadores, é na dor e na saudade pelos que já partiram que se almeja o consolo, a serenidade e o silêncio, mas que nos sirva também como uma fagulha que mantenha acesa não somente a chama pela vida, mas a oportunidade para pensar e ressignificar a nossa breve peregrinação neste mundo com mais humildade e virtude.
Faço minhas as palavras do saudoso psicanalista britânico Winnicott que certa vez disse: “quando eu morrer, eu quero estar bem vivo.” Até porque, como bem cantou Raul Seixas, “a morte, surda, caminha ao meu lado, e eu não sei em que esquina um dia ela vai me beijar ...”
"Mas pra aprender a morrer, foi necessário viver, e eu vivi ..." (Baden Powell)