Por Jose Claudio de Nazareth Gonçalves -
Na década de 80 a televisão exibia um comercial de desodorante que terminava com o slogan “se algum desconhecido te oferecer flores, isso é Impulse", onde um homem, movido por um impulso causado pelo instinto despertado pelo olfato, roubava flores de um vendedor e ia correndo oferecer à mulher que passou por ele usando o tal desodorante.
Então a pulsão nos move. As pulsões foram as maiores responsáveis pelo desenvolvimento do nosso aparelho psíquico e foram mesmo responsáveis por nos fazer perceber que temos um mundo interior, que é separado do mundo exterior. A vida psíquica que vivemos hoje se originou e se desenvolveu baseada nas pulsões. Somos então, as nossas pulsões? O que é uma pulsão?
O nosso EU primordial, recém-nascido, vive uma existência plena e onipotente, satisfeito no gozo do seu autoerotismo e na realização, alucinatória ou não, de seus desejos. Mas aos poucos percebe que as alucinações não têm a mesma eficiência em saciar necessidades, deduz que existe um certo algo que está fora de si mesmo, algo que existe independente de suas instancias psíquicas, algo Real. Percebe também que há necessidades que podem ser satisfeitas através do uso de seu sistema motor e outras em que o uso deste não altera suas premências, elas continuam lá, insistindo na sua exigência de serem satisfeitas. Essas necessidades são percebidas como oriundas do interior do próprio ser, das quais ele não consegue fugir, e que constantemente o pressionam por sua satisfação. Essas são as nossas pulsões.
Mas nosso sistema nervoso não quer ser perturbado, ele quer reduzir ou eliminar os estímulos que lhe chegam, ou se não conseguir assim fazê-lo, quer ao menos dominá-los. Ele se apegou aquele prazer primordial do Eu ideal. Um estímulo pulsional vindo do seu interior, para ser reduzido e parar de incomodar, precisa ser satisfeito. A não satisfação aumenta o desprazer e isso ele quer evitar a qualquer custo.
Consequentemente a supressão desses estímulos instintuais vira a meta do sistema nervoso e o alcance dessa meta é feito através de um (ou mais) objeto. Esse objeto pode ou não ser parte do corpo e de acordo com as manipulações que a psiquê usa para suprimir esse estímulo poderá até ser mudado - ou deslocado - no decorrer desse processo. Mas se um instinto fica particularmente preso à determinado objeto, ocorre uma fixação.
No início os instintos são unificados, mas com o desenvolvimento do sistema nervoso se separam em instintos destinados à conservação do Eu e instintos sexuais. Esses instintos sexuais primordiais se apoiam nas funções fisiológicas e de autoconservação, ligados ao prazer do órgão de origem, mas aos poucos vão se separando e com o amadurecimento do aparelho reprodutor acabam por se ligarem à vida sexual.
O sistema nervoso, na sua busca pelo estado de não perturbação, possui mecanismos para se defender dos instintos, numa tentativa de satisfazê-los, desviá-los ou suprimi-los.
Ele pode reverter um instinto no seu contrário. Um instinto com meta ativa passa a ter meta passiva. Um instinto sádico por exemplo pode ser substituído pelo seu contraponto, o masoquismo. Ou um instinto voyeur se modificar em exibicionista. A reversão ao contrário busca sempre inverter a meta ativa do instinto ao seu oposto passivo. A não ser que seja na oposição amor/ódio, quando a inversão não se dá na meta, mas no seu conteúdo.
Pode ocorrer de o sistema nervoso fazer o instinto voltar-se contra a própria pessoa: ele mantém a meta e muda apenas o objeto, que no caso passa ser o próprio eu. O exibicionista por exemplo passa a contemplar o seu próprio corpo - onde inclusive esse instinto em particular se origina: afinal quando éramos autoeróticos nos satisfazíamos olhando o nosso próprio corpo e só posteriormente, por via da comparação, deixamos esse objeto e o trocamos pelo análogo no corpo alheio. Esse instinto autoerótico, que tem o próprio corpo como objeto para alcançar a meta instintual é uma formação narcísica.
O narcisismo representa o estágio inicial do desenvolvimento do Eu e isso é uma conclusão lógica se nos lembrarmos que nesse estágio estamos absortos em nós mesmos, os instintos sexuais unidos com os de conservação e em plena satisfação autoerótica. Essa fase marcada pelo narcisismo – e a maneira como ela se desenvolve - será decisiva na determinação dos destinos que os instintos terão no futuro, nas mudanças de meta ou de objeto que sofrerão.
Um outro destino para um impulso instintual pode ser a repressão. Muitas vezes um instinto que teoricamente surgiu para causar prazer pode estar inserido em circunstâncias que causariam um desprazer maior que esse prazer, e nesse caso precisaria ser reprimido. Por reprimido entendemos como tirado da - ou mesmo impedido de chegar `a - consciência. Com essa premissa sabemos que esse método de lidar com o instinto só pode ser realizado quando já ocorreu a separação entre o consciente e o inconsciente.
Quando no inconsciente esse instinto pode continuar em atividade, e derivados associativos desse instinto podem mesmo alcançar o consciente, desde que deformados ou separados por suficiente número de elos associativos de forma que sua representação fique distante do instinto que a originou. `As vezes esses derivados associativos aparecem como formações substitutivas, retornando como fenômenos somáticos (sintomas) ou sob a forma de pensamentos, como nas neuroses obsessivas.
São esses derivados, em suas inúmeras formas além das aqui citadas, que buscamos achar quando pedimos a um paciente em processo psicanalítico que faça a livre associação.
Ainda uma outra opção para o sistema nervoso lidar com um estímulo instintual não desejado seria direcionar a libido objetal criada por esse instinto para uma meta não sexual, a sublimação. Dessa maneira o instinto escapa da repressão e consegue se manifestar, mas com um desvio de meta. A diferença entre a sublimação e a reversão ao contrário seria que nessa última a meta continua sexual enquanto na sublimação o deixa de ser.
E o Impulse? O nome do desodorante bastante popular na década de 80, psicanaliticamente proposital ou não, se mostrou adequado. Afinal o impulso é o elemento motor do instinto, esse caráter impulsivo é na verdade a essência do instinto. Impulsivo o suficiente para roubar flores e oferecê-las a uma desconhecida. E isso não é Impulse, é pulsão.