Por Dulce Maria Klassmann Scalzilli -
No texto de Freud “Os Instintos e Seus Destinos (1915)”, o termo Pulsão é tratado como um sinônimo para instinto. De acordo com a Fisiologia, instinto é um estímulo que vem do mundo externo para um tecido nervoso, e é descarregado para fora do corpo através de ação motora. Freud faz uma relação entre instinto e estímulo, inclui o conceito de instinto no de estímulo.
A “pulsão” seria um estímulo para a psique. O estímulo instintual vem do interior do próprio organismo, atua de modo diferente sobre a psique e requer outras ações para ser eliminado.
O instinto não age como força momentânea, mas como uma força constante, e por causa dessa constância, uma denominação mais aceitável para esta força seria “necessidade”, e o que supre esta necessidade é a sua “satisfação”. E esta precisa ser alcançada através de uma modificação da fonte interior do estímulo.
Como uma ação muscular, motora, não surte efeito sobre esta força, fica evidente a existência de um mundo interior e de necessidades instintuais.
Portanto, a eficácia da atividade muscular para satisfazer um estímulo externo “versus” sua ineficácia diante de outros estímulos é o que faz distinguir o que é “de fora” do que é “de dentro”.
Ainda falando de pulsão propriamente dita, podemos dizer que a pressão é a força que impele para sua satisfação, finalidade é a satisfação do instinto, objeto é o que torna possível a sua satisfação e a fonte é o próprio corpo, uma vez que precisa passar por ele (sensação corporal) para encontrar uma representação na psique e dar continuidade ao processo psíquico.
Freud nos diz que a pulsão tem alguns destinos na sua evolução, e limita-se aos instintos sexuais, que são do seu maior conhecimento. A seguir, algumas dessas vicissitudes.
A reversão ao oposto é referente apenas à meta do instinto, tendo como exemplos os opostos sadismo/masoquismo e voyeurismo/exibicionismo. No sadismo a meta é atormentar, causar sofrimento (a meta é ativa); no masoquismo, o objetivo é ser atormentado (a meta é passiva). No voyeurismo a meta é olhar (ativa); no exibicionismo é ser olhado (passiva). A reversão diz respeito às metas: substituir a meta ativa, atormentar, olhar, pela passiva, ser atormentado, ser olhado.
O retorno ao próprio self, é considerado no masoquismo, uma vez que a violência do sadismo voltada para fora retorna para o próprio sujeito e, no exibicionismo considera-se a observação do próprio corpo ao exibi-lo para outrem.
A sublimação, quando, para chegar à satisfação da pulsão, há um deslocamento do objeto ou da meta, não sexuais, para outros socialmente aceitos e que não gerem conflito ou desprazer ao indivíduo. Ou seja, transformação da energia da pulsão em ações que, mesmo desviadas do seu objetivo inicial, geram a satisfação. É a saída para cumprir a exigência da pulsão, ao mesmo tempo em que o conteúdo original reprimido continua inalterado.
O narcisismo, outro destino da pulsão, é diferente de autoerotismo. Uma vez que o Eu, como uma unidade, não existe desde o início no indivíduo, e o autoerotismo, este sim, é primário e foi postulado por Freud na sexualidade infantil em todas as suas fases. Deve haver algo que se acrescenta ao autoerotismo, uma nova ação psíquica é realizada para que se forme o narcisismo. O Eu vai se constituindo à medida que tem a “necessidade” (instinto do Eu = autopreservação) e o “desejo” (instinto sexual = autoerotismo) atendidos. Ex.: o bebê suga o seio da mãe para saciar a fome(autopreservação), mas continua sugando pelo prazer oral (autoerotismo).
No narcisismo, o objeto libidinal é voltado para o próprio indivíduo. Freud usou o mito do Deus Narciso, que se apaixona pela própria imagem, para conceituar o narcisismo.
O narcisismo primário, suposto na criança, pode ser confirmado ao observarmos a atitude dos pais para com seus filhos, pois vêm nos filhos todas as perfeições e são cegos para seus defeitos, como se o seu próprio narcisismo primário se reproduzisse naquela cena.
Depois de passar pela fase do narcisismo primário, e ter destinado sua energia libidinal para objetos externos, esta libido retorna para si mesmo, identifica sua imagem (a imagem que faz dele mesmo) com objetos e, depois de investir a libido em direção a estes objetos, ela é voltada para si mesmo, “reconhece e ama no outro a sua própria imagem”, formando-se assim o narcisismo secundário.
O instinto que remete ao que gostaríamos de ser, de acordo com a expectativa dos nossos pais (ideal de perfeição) é uma figura do narcisismo, o Eu Ideal, diferente do Ideal do Eu, que é uma imagem idealizada a partir do eu ideal, o indivíduo como ele acha que deve ser para ser amado pelo outro.
A repressão, por fim, é o recurso usado pela “resistência”, para que o impulso instintual de atingir sua meta, o que geraria desprazer, seja reprimido no inconsciente. Resumindo, um mecanismo de defesa que retira pensamentos incômodos da mente consciente.
A repressão não existe desde o início, surge de pois de serem produzidas uma atividade psíquica consciente e outra inconsciente, e a essência da repressão é manter algo afastado da consciência.
Freud estabelece uma relação entre “repressão” e “angústia” através da análise de um caso de zoofobia, e conclui que nas fobias a repressão fracassa, pois apenas elimina a ideia e a substitui. Assim, o fóbico está sempre buscando formas de escapar da angústia, evitando a situação que a desencadeia, mas essas tentativas acabam sendo a própria fobia representada na angústia de evitar as situações.
Apesar de, neste texto, Freud não ter concluído exatamente o que é reprimido na neurose obsessiva, se uma tendência libidinal ou uma hostil, mesmo assim, tentamos fazer um entendimento daquilo que se supõe como repressão a partir do texto.
A neurose obsessiva se dá na repressão de um impulso hostil para com uma pessoa a quem amamos. De início, a repressão cumpre seu papel: a ideia é reprimida, mas o afeto permanece, pois, a libido é apenas retraída. E aquele afeto precisa ser descarregado. Assim, por uma formação reativa, o sentimento hostil é transformado no seu oposto, e há um exagerado sentimento de amor dirigido àquela pessoa. Nesse sentido, a repressão fracassa, pois existe uma relação de ambivalência entre o impulso sádico que foi reprimido e o seu oposto, que é “amor exagerado” e, na forma desse amor exagerado, o impulso que foi reprimido encontra uma forma de escape.
Ainda em 1915, Freud escreve um artigo onde conceitua, justifica, fala sobre uma possível topologia e identifica, conforme suas observações até aquele momento, o Inconsciente.
Diz, naquele artigo, que o reprimido não ocupa todo o inconsciente, mas apenas uma parte dele. O inconsciente é de um âmbito maior.
Existem atos, em pessoas sadias ou mesmo em doentes que parecem desconexos e incompreensíveis e assim permaneceriam se pensarmos que tudo é da consciência. Neste sentido, Freud diz que eles só se tornam compreensíveis e justificáveis se admitirmos outros atos numa instância psíquica que a consciência não dá conta.
O inconsciente contém todas as pulsões, urgências e instintos, dos quais não temos consciência, mas motivam a maior parte das nossas ações. Sua existência só pode ser provada indiretamente, pela psicanálise, através da interpretação dos sonhos, estes extremamente ricos em material inconsciente, da transferência instaurada no consultório com o analista, da associação livre de palavras.
Na época do artigo sobre o inconsciente, observamos um Freud num malabarismo intelectual, para conseguir, sendo médico e falando para seus colegas médicos, ser convincente a respeito das suas teorias psicanalíticas, sem afastar-se da Medicina, ao mesmo tempo sabendo ser necessário este afastamento para poder seguir na Psicanálise. Ainda assim, apesar da necessidade desse afastamento, muitas doenças mentais, como a esquizofrenia, foram essenciais no desenvolvimento do seu trabalho, pois, a partir daquelas, conseguiu estabelecer comparações de comportamento entre os doentes (de acordo com a Psiquiatria), e os não doentes, para explicar o inconsciente e seus processos psíquicos nestas últimas.