Por Fernanda Borges Hisaba -
Entrar em contato com as ideias de Melanie Klein tem sido algo fascinante. Perturbador, a um tempo, nos faz mergulhar a fundo em nossas próprias análises pessoais, buscando compreender como se processaram nossas vivências mais arcaicas, que ansiedades nos atravessam, que mecanismos de defesa desenvolvemos, como oscilamos entre mais ou menos integrados, como nos relacionamos com nossos objetos, como nos portamos diante do nosso horror à dependência do outro.
Quanto mais próxima de sua linguagem me sentia, tanto mais condicionada me via a pensar dentro de seus modelos. Porém essa percepção se deu na forma de um estranhamento, que procuro relatar a seguir.
Havíamos concluído o estudo curricular de Melanie Klein na formação de Psicanálise, e estávamos iniciando uma leitura mais aprofundada da autora em nosso grupo de estudos. O momento, então, assim era constituído: investido e entranhado pelos modelos até então estudados, como já dito, com o cérebro condicionado a pensar em termos de ansiedades e defesas, vamos em busca de algo que não está lá. Buscamos Klein, e nos deparamos com Freud. Algo parecia errado; uma dificuldade compartilhada pelo grupo que nos levantou questões, e fez pensar.
Imagino uma Sra. Klein no início dos seus trabalhos, fascinada pela Psicanálise, e Psicanálise, até então, significava Freud, Complexo de Édipo, castração, pulsão de morte, Id, Ego e Superego. Teorias e modelos desenvolvidos em quase 30 anos haviam despertado o interesse daquela mulher. Percebe-se, então, uma Melanie Klein que procurava comprovar em suas observações e análises de crianças a existência concreta da criança imaginada por seu antecessor. Seus pensamentos são recheados de fantasias infantis nas quais procura identificar a libido sexual direcionada aos genitores, e percebe-se uma tentativa de adequação que não se pode dizer tão bem-sucedida. Klein começa a notar, num terreno somente imaginado mas não vivido efetivamente por Freud, algo que escapara a esse imaginário do mestre. Capta em seus pequenos pacientes intensidade, ansiedades e angústias em uma época da vida em que ainda não eram concebidas. Klein germina em terras freudianas, mas nascem divergências as quais ela, por muito tempo, procura negar. E neste momento nos encontramos. No cerne da luta entre o sabido e o percebido, inexplicável. Há que se ampliar os modelos, há que se encontrar novas bases teóricas para fundamentar suas observações.
Esse desconforto agora encontra explicação em algo apontado por Bion. Fui buscar algo que já sabia existir no contexto kleiniano, e quando a realização dessa pré-concepção foi negativa, houve uma frustração, à qual me apeguei por semanas. Aprender a tolerar essa frustração tem sido difícil, assim como imagino que tenha sido para Klein lidar com a frustração de encontrar, na prática clínica, elementos que não esperava, que divergiam daquilo que ela buscava. Interessantes os movimentos para negar essa frustração, até que, sustentada, permitiu a construção de um novo conhecimento, e essa construção, desde os primórdios, acompanhamos agora.
Procuro guardar essa experiência como representante daquilo que ainda precisa ser desenvolvido na configuração da analista que me proponho a ser. Procurar abandonar o desejo de encontrar algo que já sei, e me manter aberta para vislumbrar o que pode ser. Lutar contar a ânsia de compreensão, e a dor que advém do seu não encontro. Procurar digerir, decompor e criar pensamentos a partir do que foi metabolizado. Se pensar esse estranhamento me levou a hipotetizar sobre o contexto kleiniano, com certeza me trouxe percepções sobre mim mesma, e começo a encontrar o valor de todo o processo. Árdua e longa essa nossa tarefa.