Por Francisco César Pereira Retrão -
Freud como médico e pesquisador da sua época, tinha sede pela investigação focada no que estava além dos sintomas físicos das doenças. Diante disso lançou mão de investigações relacionadas a uma inquietação: os sintomas perceptíveis em consultório têm uma gênese que não é “visível” a olho nu.
A comunicação preliminar faz parte de uma obra de estudos que visa investigar essa gênese, versa sobre histeria e para muitos ela inaugura a psicanálise. Nessa comunicação a parte teórica foi elaborada por Breuer e a parte técnica por Freud. A tese principal desta comunicação afirma: o sintoma é um trauma ocorrido no passado que se manifesta no presente através dos sintomas e que sua gênese está geralmente na infância. A ligação entre os dois não é de causa e efeito, mas algo mais profundo chamado por eles de ligação onírica.
Para tentar “visualizar” essa gênese – Freud - começou a compreender que era na vida psíquica que estava a razão do desenvolvimento dos sintomas histéricos. Fez então uma primeira constatação (a partir da hipnose e do método catártico): nos fenômenos da histeria há sempre uma experiência muito forte no âmbito afetivo-sexual de quase todos os sujeitos de modo que toda histeria seria consequência de um trauma psíquico. Esta histeria se dá por uma série de impressões afetivas baseadas em um histórico de sofrimentos. Freud então entende nesse primeiro momento: - “Na histeria terei que lidar com a atuação dos traumas psíquicos”.
Os sintomas advindos desses traumas não se apresentam com uma transparência suficiente em todos os casos impossibilitando determinar facilmente o sintoma pelo trauma psíquico. A anorexia e o vômito são exceções nessa tópica, segundo a análise feita por Freud ao identificar facilmente os traumas que causavam esses dois sintomas.
O questionamento feito nessa questão é: como um trauma gerado no passado se transforma em um sintoma? Como algo insignificante em uma pessoa poderia em outra causar um trauma? Quando ocorreu o trauma a pessoa não teve a opção de reagir adequadamente à situação desagradável ou não tinha a tinha maturidade humana suficiente para suportar a situação vivida por isso houve a instalação do trauma.
Freud na prática terapêutica foi vislumbrando um caminho de cura intitulado “escoamento do afeto” comprovando o seguinte: o paciente ao expressar verbalmente o afeto violento atualizando a vivência daquele momento do passado com todas as emoções envolvidas (raiva, repulsa, indignação) uma vez mais - ao falar sobre ele - o sintoma crônico desaparece desse momento em diante. A terapia aqui é o meio facilitador e propiciador dessa ab-reação. Ela poderá ocorrer também com o paciente sob hipnose ao reviver no presente a situação traumática, fazendo ele reagir com a expressão de toda emoção. O que é muito melhor e efetivo do que a sugestão direta.
A energia psíquica envolvida na vivência desagradável versa sobre quando alguma coisa fica estrangulada e essa energia fica aprisionada, se movimentando dentro dessa segunda consciência e a partir dali vai se manifestar em um momento posterior como sintoma. Nesse sentido o sintoma é a lembrança de um trauma, razão pela qual os pacientes histéricos sofrem de reminiscências.
Por exemplo uma empregada doméstica que é insultada pela sua patroa e por medo de perder o emprego não revida o insulto. A energia da raiva fica guardada e depois pode se transformar em um trauma ao reprimir essa lembrança, aparecendo em momento posterior da vida, o sintoma. Para que isso não aconteça a empregada poderia em outra ocasião dizer à sua patroa “as do fim” (como se diz aqui no Ceará) como resposta pelo insulto recebido e não reagido.
O mecanismo psíquico sadio tem meios de lidar com o afeto gerador de um trauma psíquico. O que ele faz? Evoca ideias contraditórias como a de seu valor, de que é amado por outras pessoas e a má índole daquele que lhe ofende. Isso ajuda a reduzir o impacto do afeto causado pelo insulto ocasionando a diminuição da sua intensidade até que não haja mais lembrança que influencie negativamente.
No que diz respeito à causa da histeria - Freud – fala da ocorrência da incompatibilidade explicitando o seguinte: o paciente tem uma experiência afetiva tão forte que é incompatível com sua capacidade de assimilação que ele decide esquecer, então reprime. Essa experiência está diretamente ligada a sensações sexuais vividas realmente ou a fantasias que invadiram suas “descobertas sexuais”. Freud acredita que a representação sexual recalcada é substituída na consciência pela obsessão.
Os abusos sexuais sofridos na pequena infância mesmo que a criança não tenha ainda desenvolvimento sexual, são a causa principal da histeria - segundo Freud – o que se dá pela passividade sexual durante o período pré-sexual. Destarte a etiologia específica da histeria é a sexualidade.
Formula a partir dessa realidade a teoria da sedução acreditando piamente que todos os pacientes histéricos foram abusados, seduzidos sexualmente na infância, quer seja por uma pessoa mais velha ou por um irmão mais velho. Mas sempre foi algo real que aconteceu na compreensão do paciente.
Percebo que o equívoco cometido aqui por Freud está no fato de que o pressuposto estava errado, o fato também de acreditar na fala do paciente como se o material trazido havia acontecido de verdade não percebendo que haveria uma realidade que ele só descobrirá depois (fantasia) e que mesmo sob hipnose os pacientes mentiam. Sua capacidade de julgamento nesse âmbito ainda estava incipiente e por não entender o que era o inconsciente não podia “prever” certas reações.
Percebe-se até aqui uma relação muito estreita na história da histeria e na teoria da sedução, pois em ambas havia a crença de que toda histérica teria sido abusada na infância e de que o relato estava baseado em um fato real. A premissa comum é de cunho sexual.
Freud percebe então nas diversas experiências que a fala não estava relacionada sempre a um fato. O que lhe faz imaginar uma realidade que ainda não sabe qual é e na qual se deparou com o limite de não conseguir alcançar as causas mais profundas do sofrimento dos seus pacientes. Vai viver depois um processo de superação da teoria da sedução compreendendo que no relato dos pacientes há muita fantasia. Encaminhar-se-ão outras descobertas.