Por Dulce Scalzilli -
Freud, em sua primeira publicação, em Viena, 1893, formula algumas teorias sobre a histeria, depois de começar a tratar mulheres histéricas, a partir da influência de Charcot, quando trabalhou com este na Salpêtrière, em Paris.
Ainda com um discurso onde fazia muito uso de termos médicos, porém com genialidade, Freud mantinha uma comunidade médica atenta aos seus estudos e conclusões, apesar desta ser incrédula a respeito de seus métodos terapêuticos. Precisava manter seus colegas atentos e, ao mesmo tempo, ele mesmo percebia estar se afastando da Medicina e seguindo por outros caminhos, ainda desconhecidos, mas para um lugar do qual ela não faria parte, a não ser para identificar uma doença orgânica e tratá-la de acordo com os protocolos médicos.
Freud começa a utilizar-se da hipnose para tratar seus pacientes, método do qual se apoderou do colega Breuer.
O método consistia em colocar o paciente sob hipnose, indagar sobre a origem de algum sintoma, quando este teria surgido pela primeira vez e qual a conexão deste com sua vida presente. A memória que, em vigília era inacessível, retornava quando em estado hipnótico.
Seguindo a linha de raciocínio de Charcot, que dizia que os sintomas histéricos estavam associados a um trauma físico, Freud amplia esse entendimento, analisando vários pacientes, e deduz que há uma semelhança entre os sintomas da histeria traumática (Charcot) e a histeria não traumática, comum. Com a diferença que, na última, existia uma série de afetos (dor, medo, terror) operantes no trauma, ou seja, o trauma seria psíquico e não mecânico.
Freud percebe que, por sugestão do analista/médico, durante a hipnose, ao lembrar do momento em que o sintoma se instaurou pela primeira vez, este momento guardava, geralmente, um afeto muito forte e a respeito do qual não teria acontecido uma reação adequada, ficando este sentimento recalcado no inconsciente.
Ao lembrar do episódio e ter a respeito dele a reação recalcada, com a intensidade adequada, uma “ab-reação”, ocorreria uma “catarse”, os sintomas desapareceriam e o paciente estaria “curado”.
Também descobre que a hipnose não é uma unanimidade, uma vez que nem todas as pessoas podiam ser hipnotizadas, por não o desejarem ou por resistências internas, inconscientes.
Começa a utilizar-se de outras formas de tratamento, como a imposição das mãos e a solicitar que o paciente falasse o que lembrava a respeito do surgimento de determinado sintoma ao sentir a pressão de sua mão na testa. Até que, uma paciente, Anna O., lhe sugere que a deixe falar livremente. Observa então que as lembranças, as falas deixadas acontecerem de forma livre, o que viesse à consciência, mesmo que parecesse não ter nada a ver com os sintomas e/ou conteúdos de sua análise, se revelaram mais verdadeiras por virem do paciente e não por sugestão do analista e, dessa forma, muito mais libertadoras.
Assim, através dessas observações, conclui que pacientes histéricos sofrem de Traumas Psíquicos não ab-reagidos, e sua cura viria através do Método Catártico. A catarse reconduz o sintoma físico para o campo psíquico e resolve a contradição quando o afeto é descarregado por meio da fala. Ocorre a conversão de uma representação em um sintoma no corpo.
Nesta apresentação Freud acredita poder sustentar que existe uma divisão da consciência histérica. Ou o paciente tem condições psíquicas para a conversão, ou existe uma divisão da consciência histérica, transformando os afetos recalcados não “ab-reagidos” em obsessões (ligadas ao pensamento) ou em fobias (dirigidas a um objeto).
Para Freud, a etiologia da histeria teria seu fundamento em traumas psíquicos ligados especificamente à sexualidade, principalmente em mulheres e, durante muito tempo, não abriu mão desta conclusão.
No decorrer de seus tratamentos, de repente, se depara com vários casos em que teriam ocorrido abusos sexuais na tenra infância, antes da puberdade. Esses pacientes teriam sido seduzidos por pai, mãe, irmão/irmã mais velho, primo, prima, professores, babás. E que estes supostos abusos/seduções geravam traumas psíquicos, cujos sintomas se traduziam numa neurose histérica, formulando assim a Teoria da Sedução.
Porém, alertado pela quantidade de casos relatados, começa a questionar essas lembranças. E, numa análise mais profunda e num processo investigativo dos casos, à exaustão, descobre que tais lembranças não seriam de fatos reais, apenas “pareciam” reais, onde pudesse ter havido um desejo ou fantasia não condizente com a vida real do paciente e por isso, o sentimento gerado por essa fantasia ficou registrado na sua memória inconsciente. Durante a hipnose, aquele desejo assumia uma forma real, como se tivesse ocorrido de verdade. Ou, outras vezes, fora do estado hipnótico, era até inventado, talvez no desejo inconsciente de que aquela “fantasia” tivesse ocorrido realmente. E então se dá conta do equívoco da sua Teoria da Sedução.
A principal relação entre este “engano” de Freud e os já ocorridos anteriormente na história da histeria seria o fato de que todos os profissionais (médicos) envolvidos no tratamento das pacientes histéricas acreditaram que os relatos obtidos através da hipnose seriam verdadeiros.
Freud postula então que seus pacientes não tinham memórias de abusos sexuais sofridos na infância, mas um conflito psíquico inconsciente, gerado por um desejo inconsciente (fantasia), e esse sim, seria o principal causador da neurose histérica. Esta descoberta teria resolvido o problema da Teoria da Sedução. Pois as fantasias relatadas como fatos reais dão a Freud elementos para sustentar que o fantasiado era tão importante como se tivesse ocorrido. Tratava-se de uma realidade psíquica, sentida e trazida como real a partir da sua memória.