Por Ale Esclapes -
Para Winnicott (1979/1983), cada ser humano traz um potencial inato para amadurecer, para se integrar; porém, o fato de essa tendência ser inata não garante que ela realmente vá ocorrer. Isto dependerá de um ambiente facilitador que forneça cuidados suficientemente bons, sendo que, no início, esse ambiente é representado pela mãe.
É importante ressaltar que esses cuidados dependem da necessidade de cada criança, pois cada ser humano responderá ao ambiente de forma própria, apresentando, a cada momento, condições, potencialidades e dificuldades diferentes.
Assim, podemos pensar que, se amadurecer significa alcançar o desenvolvimento do que é potencialmente intrínseco, possíveis dificuldades da mãe em olhar para o filho como diferente dela, com capacidade de alcançar certa autonomia, podem tornar o ambiente não suficientemente bom para aquela criança amadurecer. Não basta, apenas, que a mãe olhe para o seu filho com o intuito de realizar atividade mecânicas que supram as necessidades dele; é necessário que ela perceba como fazer para satisfazê-lo e possa reconhecê-lo em suas particularidades.
Num artigo intitulado “A mãe dedicada comum”, escrito em 1966 e publicado numa coletânea de conferências e palestras radiofônicas, Winnicott descreveu um estado psicológico especial, um modo típico que acomete as mulheres gestantes no final da gestação e nas semanas que sucedem o parto. Nessa palestra, o autor relata como, em 1949, surgiu quase que por acaso a expressão "mãe dedicada comum", que serviu para designar a mãe capaz de vivenciar esse estado, voltando-se naturalmente para as tarefas da maternidade, temporariamente alienada de outras funções, sociais e profissionais.
Trata-se, pois, de uma condição psicológica muito especial, de sensibilidade aumentada, que Winnicott chega a comparar a uma doença, uma dissociação, um estado esquizoide, que, no entanto, é considerado normal durante esse período.
Winnicott afirma que, na base do complexo de sensações e sentimentos peculiares dessa fase, está um movimento regressivo da mãe na direção de suas próprias experiências enquanto bebe e das memórias acumuladas ao longo da vida, concernentes ao cuidado e proteção de crianças.
Tão gradualmente como se instala, em condições normais, o estado de “preocupação materna primária” deve dissipar-se. Essas condições incluem a saúde física do bebe e da mãe, após um parto não traumático, uma amamentação tranquila e pouca interferência de elementos estressantes.
Após algumas semanas de intensa adaptação às necessidades do recém–nascido, este sinaliza que seu amadurecimento já o torna apto a suportar as falhas maternas. A mãe suficientemente boa deve compreender esse movimento do bebe rumo à dependência relativa e a ele corresponder, permitindo-se falhas que abrirão espaço ao desenvolvimento.
De fato, na obra de Winnicott (1979/1983; 1988/2002) encontramos que a capacidade das mães em dedicar a seus filhos toda a atenção de que precisam, atendendo suas necessidades de alimentação, higiene, acalento ou no simples contato sem atividades, cria condições para a manifestação do sentimento de unidade entre duas pessoas. Da relação saudável que ocorre entre a mãe e o bebe, emergem os fundamentos da constituição da pessoa e do desenvolvimento emocional afetivo da criança.
A capacidade da mãe em se identificar com seu filho permite-lhe satisfazer a função sintetizada por Winnicott na expressão holding. Ela é a base para o que gradativamente se transforma em um ser que experimenta a si mesmo. A função do holding em termos psicológicos é fornecer apoio egóico, em particular na fase de dependência absoluta antes do aparecimento da integração do ego. O holding inclui principalmente o segurar fisicamente o bebe, que é uma forma de amar; contudo, também se amplia a ponto de incluir a provisão ambiental total anterior ao conceito de viver com, isto é, da emergência do bebe como uma pessoa separada que se relaciona com outras pessoas separadas dele.
Winnicott (1979/1983) também coloca que a mãe, ao tocar seu bebé, manipulá-lo, aconchegá-lo, falar com ele, acaba promovendo um arranjo entre soma (o organismo considerado fisicamente) e psique e, principalmente ao olhá-lo, ela se oferece como espelho no qual o bebé pode se ver.
Na visão winnicottiana, já nos primórdios da existência, é fundamental para a constituição do self o modo como a mãe coloca o bebe no colo e o carrega; dá-se, assim, a continuidade entre o inato, a realidade psíquica e um esquema corporal pessoal.
O holding é necessário desde a dependência absoluta até a autonomia do bebe, ou seja, quando os espaços psíquicos entre este e sua mãe já estão perfeitamente distintos.
Winnicott (1976/1983), visando mostrar a pais leigos a importância do que eles faziam naturalmente, traz uma descrição mais concreta do que está envolvido no holding:
Protege da agressão fisiológica, leva em conta a sensibilidade cutânea do lactente – tacto, temperatura, sensibilidade auditiva, sensibilidade visual, sensibilidade à queda (ação da gravidade) e a falta de conhecimento do lactente da existência de qualquer coisa que não seja ele mesmo. Inclui a rotina completa do cuidado dia e noite, e não é o mesmo que com dois lactentes, porque é parte do lactente, e dois lactentes nunca são iguais. Segue também as mudanças instantâneas do dia-a-dia que fazem parte do crescimento e do desenvolvimento do lactente, tanto físico como psicológico (Winnicott, 1979/1983, p.48).
Em sua teoria, conforme colocado anteriormente, afirma que o “estado de preocupação materna primária” implica em uma regressão parcial por parte da mãe, a fim de identificar-se com o bebe e, assim, saber do que ele precisa, mas, ao mesmo tempo, ela mantém o seu lugar de adulta. É, ainda, um estado temporário, pois o bebe naturalmente passará da “dependência absoluta” para a “dependência relativa”, o que é essencial para o seu amadurecimento.
A dependência absoluta refere-se ao fato de o bebe depender inteiramente da mãe para ser e para realizar sua tendência inata à integração em uma unidade. À medida que a integração torna-se mais consistente, o amadurecimento exige que, vagarosamente, algo do mundo externo se misture à área de onipotência do bebe. Ser capaz de adotar um objeto transicional já anuncia que esse processo está em curso e, a partir daí, algumas mudanças se insinuam. O bebe está passando para a dependência relativa e pode se tornar consciente da necessidade dos detalhes do cuidado maternal e relacioná-los, numa dimensão crescente, a impulsos pessoais.
No início da passagem da dependência absoluta para a dependência relativa, os objetos transicionais exercem a indispensável função de amparo, por substituírem a mãe que se desadapta e desilude o bebé. A transicionalidade marca o início da desmistura, da quebra da unidade mãe-bebê.
Na progressão da dependência absoluta até a relativa, Winnicott (1988/2002) definiu três realizações principais:
• Integração,
• Personificação e
• Início das relações objetais.
É nesse período de dependência relativa que o bebe vive estados de integração e não integração, forma conceitos de eu e não – eu, mundo externo e interno, estágio de concernimento, podendo então seguir em seu amadurecimento, no que o autor denomina independência relativa ou rumo à independência. Aqui, o bebe desenvolve meios para poder prescindir do cuidado maternal. Isto é conseguido mediante a acumulação de memórias de maternagem, da projeção de necessidades pessoais e da introjeção dos detalhes do cuidado maternal, com o desenvolvimento da confiança no ambiente.
É importante ressaltar que, segundo Winnicott, a independência nunca é absoluta. O indivíduo sadio não se torna isolado, mas se relaciona com o ambiente de tal modo que pode se dizer que ambos se tornam interdependentes.