Por Sérgio Rossoni -
"Desvio em relação ao ato sexual “normal”, definido este como coito que visa a obtenção do orgasmo por penetração genital, com uma pessoa de sexo oposto.
Diz-se que existe perversão quando o orgasmo é obtido com outros objetos sexuais (homossexualidade, pedofilia, bestialidade, etc.)
... ou por outras zonas corporais (coito anal, por exemplo) e quando o orgasmo é subordinado de forma imperiosa a certas condições extrínsecas (fetichismo, travestismo, voyeurismo e exibicionismo, sadomasoquismo); estas podem mesmo proporcionar, por si só, o prazer sexual.” (Laplanche e Pontalis – Dicionário de Psicanálise – Perversão – pag. 341).
A definição acima condiz com a teoria Freudiana, que coloca a perversão em relação à libido sexual. Freud denomina que toda criança é perversa polimorfa, ou seja, obtém prazer de outras formas que não sejam através do pênis e vagina. Assim, para Freud, tudo que se relacionasse com o prazer libidinal, põem sem obter tal prazer à partir do contato pênis com vagina, seria considerado perversão. Neste sentido, podemos entender a perversão como uma bagunça com o lavo sexual.
O fetichismo está ligado à perversão. Existe neste caso uma negação à castração (negação = está lá, mas o sujeito nega-se a ver). A phantasia da mulher com pênis simboliza dentro deste contexto esta negação. Ainda neste exemplo, o travesti representa esta phantasia de negação à castração.
Através de um deslocamento, o desejo pelo pênis passa para alguma outra parte do corpo do ser, ganhando este um contexto libidinal. Exemplo: O homem que possui satisfação sexual pelo pé da mulher. Este obtém seu prazer libidinal à partir deste contato com esta parte do corpo, que passa a simbolizar o pênis imaginário da mulher. Assim, o lugar onde este pênis imaginário foi parar (pé, mão, cabelo, etc.), entende-se por fetiche.
Porém, no fetichismo existe a presença de algo que está faltando: o pênis imaginário. Sobra a castração.
No masoquismo, Freud entende como a pulsão de morte que volta para si mesmo. Enquanto o sadismo representa a parte ativa desta pulsão, o masoquismo corresponderia a parte passiva. Como nem o sadismo, nem o masoquismo está a serviço da reprodução, são inclusos na categoria da perversão.
A castração representa a aceitação de limites. A criminalidade é outro aspecto da perversão, uma vez não existindo limites em vários graus. A lei torna-se o limite. Negar a castração é negar a existência de limites.
A ausência de culpa, característica do perverso, denuncia a ausência de um superego ativo. Não existe a castração. Não se alcança a posição depressiva. O perverso irá procurar prazer usando o outro, sem importar-se com as consequências para o outro.
Até aqui, examinamos a perversão sob a ótica libidinal freudiana. D.W. Winnicott, apresenta a perversão sob outro ângulo, concluindo que perversão seria tudo aquilo que dá prazer, porém não é real.
Neste ponto, o objeto transicional (o cobertor azul que representa para o bebê a mãe, mas ao mesmo tempo não é a mãe), é tido como perversão. Algo que está entre a phantasia e a realidade. Não contêm o conteúdo real. O travesti seria o objeto transicional entre a phantasia dos pais combinados (porém, este contém o conceito libidinal).
No uso do objeto, para que a criança se satisfaça, é necessário exaurir o outro: mãe. O bebê suga o seio da mãe para que assim obtenha seu prazer. Existe ai um processo sádico, onde o prazer do bebê terá um custo: o prazer do outro. A mãe deverá sobreviver aos ataques do filho, para que mais tarde, este se sinta responsável pelo seio, alcançando a posição depressiva.
Assim, Winnicott defende a teoria de que existe um estágio no desenvolvimento do ser, onde o prazer de um custo o prazer do outro.
Para Winnicott, perversão seria tudo aquilo que dá prazer, porém sem ser real. A criatividade seria uma forma de perversão, assim como o objeto transicional. Um objeto ressignificado, por exemplo, o cobertor azul que se torna a mãe, é algo perverso.
Assim, Winnicott apresenta um conceito de perversão mais adocicado, suave, tirando o foco do conceito libidinal e denso, e ampliando um olhar sobre a perversão a partir de um conceito mais dócil, criativo e leve.
A perversão mata como verdade para nascer como aparência.
Uma das formas de evacuar a neurose é a perversão. Enquanto o neurótico cria critérios para dar conta de sua pulsão de morte, perseguido por um severo superego que exige que o ego busque o ideal, o perverso obedece aos instintos, livre de um superego castrador.
Assim, a perversão é o sonho do neurótico, que poderia então de forma livre, expor seus impulsos agressivos.
Outra abordagem sobre a perversão, é o conceito de John Steiner que diz: Perversão é quando eu finjo não ver algo, pois tenho interesse em negá-lo. Por interesses próprios, eu transformo uma mentira em verdade. O período em que eu não quero enxergar a verdade, é uma perversão.
O neurótico utiliza o discurso do perverso.
Para Meltzer, a perversão é a parte narcísica (má) da personalidade, que domina a parte boa. A grande questão que Meltzer coloca é em relação à tomada da personalidade por esta parte narcísica má. Como se deu este processo? Podemos encontrar a resposta para esta questão na palavra sedução! A parte narcísica má seduz a parte boa, com promessas de plenitude, apresentando mentiras como verdades. Após o período de sedução, uma vez tomando conta da personalidade boa, a parte má passa a ditar regras, mandar e desmandar, tornando-se a parte boa subordinada à parte má severa.
A perversão é um problema clínico. Não é sexual.
Problemas como adição (uso de drogas) é a última instancia para tomar conta da pulsão de morte. A destruição do próprio ser, disfarçada de algo bom.
A busca pela plenitude, pelo ideal, ganha na mente sua defesa mais poderosa criando maneiras diversas para que se atinja tal busca. Criando mentiras, ilusões, phantasias, critérios para preservar seu objeto bom, ou ainda criando maneiras de destruir seu objeto, a mente trabalha arduamente com o propósito de conduzir o ser ao mundo ilusório do prazer.
Desta forma, o ser vive a maior parte de seu tempo maquinando maneiras para acreditar em uma promessa. A mente está neste caso, a favor da promessa de uma ilusão, debatendo-se todo o tempo contra o desprazer do real.
Nesta guerra, em alguns momentos o ser é mais neurótico, em outros momentos, mais psicótico ou mais perverso, utilizando o mecanismo que melhor der conta contra o desprazer.
O movimento de perversão pode ser entendido pelo fato de que, neste caso, o amor (prazer libidinal), destrói o outro. Como na perversão a ausência da culpa prevalece, o perverso vai procurar obter prazer libidinal, sem importar-se com o bem estar do outro. No caso da pedofilia, por exemplo, o prazer libidinal destrói a criança.
No inicio do desenvolvimento do bebê, o mundo é dividido entre objetos bons e maus, o que Melanie Klein denominou de posição esquizoparanóide, passando posteriormente para um novo estádio onde o bebê passa então a perceber o objeto bom e mau como único. Tal estádio, Melanie Klein denominou de posição depressiva, onde surgem os sentimentos de culpa e reparação ao objeto anteriormente danificado. No entanto, antes de alcançar a posição depressiva, o bebê passa por um estádio que podemos entender como “posição perversa”. Para exemplificar a “posição perversa”, entendemos que o bebê ao mamar, procura satisfazer sua necessidade de alimento, bem como sua necessidade libidinal. Após satisfazer-se, o bebê vai procurar mamar até que o seio seja exaurido, buscando o seu prazer libidinal. Neste ponto, o bem estar do outro (seio), não importa ao bebê, podendo este até mesmo ser destruído para que suas satisfação seja alcançada. Assim, o amor libidinal pode destruir o seio, sendo assim a característica da perversão. Quando existe o fator libidinal, utilizando o outro como mero instrumento para se obter o desejo, instala-se a perversão. Desta posição perversa até a posição depressiva, o bebê deve assumir a responsabilidade pelos seus atos, ou seja, a responsabilidade por destruir o seio. Logo, a posição depressiva onde tais sentimentos de culpa e reparação surgem, pode ser entendido como um estado mental onde se vê o outro como ser, assumindo a culpa pelos ataques antes desferidos ao ser amado.
Na perversão, este estado não existe, ou seja, o perverso enxerga o outro somente como um objeto cujo objetivo é ser uma ferramenta para sua obtenção do prazer. Após atingir tal prazer, o perverso vai descartar seu objeto agora sem mais utilidade.
Na perversão, a phantasia é vivida na realidade. Um mundo é criado. Uma gaiola dourada, cuja presa é o próprio perverso, que fica a mercê de suas presas, como um vampiro à espreita de sua caça, com um desejo que nunca se esgota.