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O inconsciente e suas múltiplas faces

O inconsciente e suas múltiplas faces

Por Mauro Costa - 

No final do século XIX, o jovem neurologista Sigmund Freud inicia a longa jornada que terá por principal objetivo a criação de um novo saber sobre o funcionamento psíquico humano. Saber esse que, como pretendia Freud, viesse a ser considerado como uma nova ciência. Essa empreitada culminará com a criação do que passará a ser conhecido como psicanálise.

Freud vai definir a psicanálise como uma ciência natural que consiste numa psicologia empírica associada a um método de tratamento psíquico, o que significa dizer que suas teorias estão a serviço da resolução de problemas empíricos inerentes ao psiquismo.

De uma forma resumida, segundo o próprio Freud, sua psicanálise implica na aceitação de processos psíquicos inconscientes, no reconhecimento da doutrina da resistência e do recalcamento e, na consideração da sexualidade e do complexo de Édipo como sendo os conteúdos principais e fundamentos da psicanálise.

De todos os conceitos criados para fundamentar sua teoria, o de inconsciente, sem sombra de dúvida, representa o elemento central em toda a psicanálise.

Inconsciente é um conceito que perdurou ao longo desenvolvimento do saber psicanalítico e que possui diversas tentativas de definição se constituindo como um termo para o qual existem várias conceituações que abordadas com detalhamento a seguir.

Inicialmente, Freud, na sua formulação de aparelho psíquico, pensava o inconsciente como sendo uma instância desse aparelho, juntamente como consciente e o pré-consciente.  Nessa concepção, o inconsciente era uma espécie de lugar, um  espaço que abrigava um conteúdo desconhecido pelo indivíduo. Esse inconsciente também possuía uma forma de funcionamento regida por leis próprias, que fugiam aos entendimentos da razão do consciente.

Entretanto, aquilo que era desconhecido para o indivíduo tinha, paradoxalmente, origem nele próprio, ou seja, os conteúdos, que preenchiam o inconsciente, eram fruto do recalcamento das representações com as quais o indivíduo não conseguia lidar de forma consciente. Portanto, só poderia estar no inconsciente aquilo que alguma vez já foi consciente, remetendo à ideia de que havia uma origem passível de ser descoberta. Nesse sentido, inconsciente, para Freud, tinha um sentido empírico referenciado por fatos, que se manifestavam através de representações que poderiam ser reconhecidas na experiência clínica.

Dessa maneira, o inconsciente freudiano assumia uma conotação de mistério a ser desvendado pelo Analista, com o propósito de trazer ao consciente o trauma que deu origem ao recalque. Por conseguinte, descobrir a origem traumática dos conteúdos do inconsciente assumiria função central no tratamento psicanalítico de Freud.

Mesmo após Freud, o conceito de inconsciente segue desempenhando importante papel na psicanálise, porém, recebe outras interpretações que ampliam seu sentido teórico e suas implicações clínicas. Tal fato pode ser evidenciado na abordagem de Melanie Klein que passa a associar o inconsciente não apenas a representação, como fez Freud, mas introduz a noção de elaboração imagética do conteúdo inconsciente.

A partir da investigação do funcionamento arcaico da mente, explorando os destinos das sensações corporais e as suas transformações, Klein vai desenvolver o conceito de Fantasia Inconsciente que, segundo ela, é o que proporciona a formação das mais profundas imagens inconscientes do corpo. Esse conceito evidencia que as pulsões sexuais, em suas distintas dimensões, oral, anal e uretral; ganhem suas primeiras representações psíquicas que são justamente o que Klein vai denominar fantasias inconscientes. Nesse contexto, o inconsciente desempenha um papel passivo de ser continente das imagens fantasiadas, assumindo uma função de defesa psíquica em relação à angústia que se origina no comportamento arcaico da mente ainda na tenra infância.

Partindo dessa nova concepção, o inconsciente kleiniano passa a ser habitado não apenas por representações, mas também, e principalmente, por imagens. Essa forma de conceber o inconsciente trouxe um grande avanço metodológico para a psicanálise na medida em que proporciona a exploração clínica do inconsciente de crianças que ainda não conseguem se expressar pela palavra, mas podem representar suas fantasias de outras maneiras não verbais, através de sua elaboração imaginativa.

O inconsciente segue recebendo outras conceituações dentro do ambiente psicanalítico. Nesse contexto, merece destaque a abordagem de D. Winnicott que traz a noção de criatividade como sendo algo inerente à condição humana.

No pensamento de Winnicott, tudo que se relaciona com a criatividade tem sua base no que ele chama de criatividade primária que emerge do verdadeiro self e se expressa através da relação dialética do indivíduo com o ambiente. Esse conceito é fundamental para a compreensão de sua teoria dentro da psicanálise, inaugurando uma nova perspectiva de compreensão do inconsciente, abrindo assim um campo até então inexplorado.

Para Winnicott, o inconsciente atua como um agente ativo diferente de Freud e Klein que atribuíam ao inconsciente um papel passivo ou reativo voltado para a defesa do Ego e que se manifestava sempre em decorrência de um conflito.

Em Winnicott, a ideia de criatividade se desvincula da noção de conflito na medida em que o inconsciente, segundo ele, é naturalmente criativo. Além de inovadora, essa forma de conceituar o inconsciente amplia tanto as possibilidades de sua exploração como do seu manejo na clínica, na medida em que essa criatividade se expressa quando o verdadeiro self se manifesta, possibilitando, assim, um desenvolvimento mental saudável.

As formas de conceber o inconsciente na psicanálise continuaram se desenvolvendo e encontraram em Wilfred Bion outra maneira de aproximação que ultrapassa todos os conceitos já elaborados. Se, até então, todas as abordagens do inconsciente consideravam este como pertencendo ao indivíduo, Bion vai propor um inconsciente distinto, como algo completamente desconhecido. Para Bion o pensamento precede o pensador e desta forma esse pensamento pré-existente busca um indivíduo. O conceito de desconhecido é trazido da filosofia de Kant, da ideia de coisa em si que não pode ser pensada e definida com precisão por se tratar de algo incognoscível. Assim, Bion traz uma penumbra associativa de mistério para esse inconsciente.

Porém, Bion promove uma grande mudança epistemológica ao afirmar que esse desconhecido não se refere a um determinado conteúdo do inconsciente. Para o autor, o que importa não é que tipo de conteúdo pode estar contido no inconsciente, mas sim a maneira pela qual esse desconhecido pode ser explorado. Nesse sentido, Bion passa a se preocupar com as ferramentas que o Analista pode usar para explorar o inconsciente. Aqui, vale ressaltar que, para Bion, essa exploração não tem por objetivo revelar o inconsciente, que deverá ser preservado como desconhecido. Bion ainda alerta para o cuidado que o Analista deve ter em relação à possibilidade de considerar que conhece algo do inconsciente explorado do paciente. Ele adverte que uma atitude como essa não passa de uma postura prepotente e perigosa por parte do Analista.

Em resumo, como se pode constatar, o conceito de inconsciente inicia com Freud como sendo um desconhecido, que tem como conteúdo representações recalcadas, e dessa forma se apresenta como um mistério a ser desvendado pelo Analista com o propósito de revelar o trauma que provocou o recalque. Em seguida, recebe uma nova conceituação em Klein onde passa a ser definido como sendo um continente da Fantasia Inconsciente passando a ser habitado por, além de representações, também imagens que desempenham um importante papel de defesa do Ego. Já com a teoria de Winnicott, introduz-se o conceito de criatividade primária como algo inerente à condição humana e constitutiva do inconsciente que, se usada por um self verdadeiro, será capaz de promover um desenvolvimento mental sadio. Posteriormente, Bion vai considerar o inconsciente como incognoscível, devolvendo-lhe o status de mistério ao mesmo tempo em que possibilita sua exploração, preservando-o como um desconhecido.

Como foi demonstrado, o inconsciente como conceito psicanalítico foi sendo tratado por vários psicanalistas que usaram diferentes vértices de aproximação para abordá-lo. Esses vértices foram, ao longo dessa trajetória, promovendo a expansão conceitual do termo inconsciente, ao passo que também provocaram sua diluição.

Por fim, todas essas abordagens sobre o conceito de inconsciente, mesmo que resguardem entre si eventuais contradições, podem ser úteis ao fazer psicanalítico cabendo ao Analista escolher, em função do momento, quando cada uma delas pode lhe ser mais conveniente.