Por Débora Waihrich Matzenbacher -
Diferente de Freud, que entendia a mente humana como um aparelho psíquico, e Klein que acreditava num conceito em que a mente do indivíduo era dividida em posições, Bion, com o avanço e aprofundamento de seus estudos pensava não na existência de um aparato psíquico, mas sim na existência de um pensamento, isto é, de que maneira a mente humana pensa o que pensa.
Freud apresentava uma linha teórica baseada em conceitos de fases fixas fazendo uso das figuras do Ego, Id e Superego, que eram então “responsáveis” pela formação da psique do indivíduo. Freud trabalhava o inconsciente e todo conteúdo reprimido nele existente. Esse inconsciente era compreendido a partir do princípio do prazer que tinha seus impulsos racionalizados pelo princípio da realidade, como apontado por Freud no texto “Os dois princípios do funcionamento mental”. O id, sede das pulsões mais primitivas, é a força que impulsiona o princípio do prazer, que busca uma satisfação instantânea dos impulsos, ou seja, o Id é a sede dos desejos, afetos e pulsões e quer uma recompensa imediata de todas essas necessidades e anseios.
Posteriormente, Klein transformou a mente humana em posições, nominando-as de posição depressiva e posição esquizoparanóide, que se alternavam entre elas, ora numa ora noutra, e que se faziam presentes ao longo da vida do indivíduo. Para ela as relações eram objetais justamente porque em seu entendimento a criança quando nasce não enxerga a mãe como um indivíduo, e sim como um objeto, o seio materno, e é com esse objeto que a criança se relaciona. Klein baseava suas teorias na infância e nas fantasias inconscientes das crianças, que para ela eram atuantes desde o nascimento dessas e de seus contatos com o mundo e objetos externos.
De tal modo, observamos que em Freud uma interpretação fazia algo inconsciente se tornar consciente. Da mesma forma ocorria em Klein, mas o objetivo era o de diminuir as ansiedades persecutórias e as fantasias do paciente no consultório, juntamente com a analista. Bion, por sua vez, acredita na ampliação da capacidade do sujeito pensar, o que vem a gerar assim algo desconhecido, fazendo o sujeito conhecer da experiência emocional dentro da própria sessão.
Bion se afasta das teorias desenvolvidas por Freud e Klein, que partiam do conceito, de que se deveria interpretar o passado e as fantasias do indivíduo e passa, então, a desenvolver a ideia do pensar, ou seja, como é que o indivíduo pensa, para assim criar possibilidades de uma expansão mental para as ocorrências que virão.
Inicialmente, Bion pensa em um aparato para se pensar e em algo que alimente esse aparato, para mais tarde abandonar essa forma de raciocínio e substituí-la pelo termo “pensador”, uma vez que para ele o pensamento já existe, mas não há um pensador para esse pensamento.
Na teoria do pensar de Bion, há um resgate das ideias de Freud em os “Dois princípios do funcionamento mental”, no entendimento, e no sentido, de que o indivíduo tem pensamentos iniciais e vazios que pretende sejam satisfeitos, ou seja, uma expectativa de que existe algo que irá aplacar desejos, anseios, dores e angustias. Esse fenômeno Bion chamava de pré-concepção.
Quando uma pré-concepção encontra uma realização, a concepção que daí resulta está associada a uma experiência emocional de satisfação. A não satisfação ou a não realização imediata dessas necessidades, angustias e desejos, ou seja, a experimentação da frustração, precisa ser suportada e tolerada, e para que isso ocorra é que o indivíduo começa a desenvolver um aparelho para pensar. É o pensamento que ajuda a segurar a necessidade do prazer e a capacidade de começar de fato a se progredir mentalmente. A análise Bioniana tem como objetivo justamente fazer o sujeito pensar aquilo que ele pensa, ou seja, fazer uma expansão do seu universo mental.
Esclarecendo um pouco mais, podemos dizer que se o sujeito encontra algo que o satisfaz, ele não pensa. Agora, quando a frustração “entra em cena”, o não-seio, e toda frustração que é gerada em decorrência desse “não-seio”, vai-se possibilitar a entrada do pensamento no aparelho de pensar. Se o indivíduo não tolera esse “não-seio”, que é sentido como algo muito ruim, a consequência é a perda da habilidade de simbolizar, o que resulta numa falta da capacidade de elaborar os pensamentos. O indivíduo, então, não “dando conta” desse objeto interno ruim, necessita expeli-lo para fora, evacuá-lo, e com isso vai-se destruindo sua realidade e sua capacidade de pensar.
Nesse processo, em que as coisas estão acontecendo de uma maneira tão impactante e onde a realização negativa é tamanha, pode surgir o estado da onipotência no indivíduo, onde ele acha que tudo pode e que seus poderes são ilimitados, dessa forma conseguindo ter o controle do que se passa. Como um possível substituto à onipotência, a onisciência aparece limitando a capacidade de pensar do indivíduo, distanciando-o da realidade, que vai ficando comprometida, quando esse mesmo sujeito cria uma verdade e uma realidade que tem como objetivo facilitar seu mundo interno.
Esse ato de “evacuar”, acima citado, Bion nomina de elemento Beta, que nada mais são do que fatos não sonhados ou não digeridos e que só tem serventia para a evacuação, justamente porque não podem ser pensados naquele momento. Esses elementos beta são “produtos da mente”, e se relacionam com a parte psicótica da personalidade. Eles surgem quando a função alfa não atua, se perturba, e acaba não operando. No bebê, por exemplo, no relacionamento primário que ele tem com o seio materno, são projetados na mãe todas as suas angústias e medos, sendo que essa comunicação de emoções é feita por meio da Identificação Projetiva, ou seja, o bebê “evacua” porque ele não dá conta daquelas sensações. A mãe, por sua vez, fica na posição continente de estar aberta à receber, interpretar e devolver toda a carga emocional que recebeu, agora modificada e de uma forma mais tolerável para o bebê, a REVERIE MATERNA.
A função alfa, atua sobre as impressões e percepções da experiência, e os elementos alfa vão-se originar dessas impressões, se armazenando e ficando retidos na memória para serem utilizados no pensamento, quer dizer, disponíveis para pensar. Quando o indivíduo frustra e tem capacidade para tolerar essa frustração, é a função alfa que vai transmutar essas primeiras emoções e impressões em elementos alfa, que por sua vez, podem ser guardados na memória como vivências, e de um modo geral, são transformados e utilizados nos pensamentos oníricos, nas lembranças e nos sonhos.
Constantemente informações e materiais chegam à nossa mente, e quando reunimos e separamos esses elementos, seja falando, expressando, gesticulando e reagindo, estamos fazendo uma transformação. Aos elementos que são “responsáveis pelo aspecto inalterado das transformações”, Bion nomina de invariantes, ou seja, tudo aquilo que guarda alguma correspondência com o aquilo que está se passando naquele momento.
A interpretação do analista durante a sessão de análise é uma transformação, que vai elucidar os fenômenos que acontecem entre “os enunciados do próprio analista e do paciente”, para que assim se entenda o progresso da experiência emocional sentida e vivenciada pelos dois. Então, são os fatos da vivência analítica, a realização, que se modificam em interpretação, a representação.
Percebemos, diante de todo o exposto, que Bion não cria uma nova teoria sobre a mente humana, mas sim ferramentas de trabalho que possibilitam e ampliam o pensar do indivíduo, que sempre tem algo que é desconhecido e é capaz de ser transformado, mesmo após o término da sessão.