Por Fernanda Dias Belo -
“Quando as palavras não são capazes de comunicar o que sentimos, a gente não fala, só sente”. A linguagem verbal, que é a principal forma de comunicação humana, possui em si mesma, lacunas que por vezes, dificulta, ou não é capaz de transmitir com exatidão, o que se pretende comunicar.
Quando falamos de amor, por exemplo, costumamos dizer; amo minha mãe, amo minha cidade, amo aquele prato, e assim por diante. Ora, certamente nominamos de amor, tudo o que nos desperta certos afetos, o que não significa necessariamente, que se trate do mesmo sentimento. Pode ser apenas, o reflexo da nossa limitação verbal, que nos leva a dar o mesmo nome, a coisas potencialmente diferentes.
Ainda assim, com certa carga de precariedade, a importância das palavras, está estabelecia. E foi através da escuta do que é dito, que Freud iniciou a metapsicologia que explora os significados ocultos, no discurso do paciente. Sendo assim, sua técnica estava condicionada, e limitada a pacientes com fala articulada. O que fatalmente impossibilitou, que realizasse pesquisas clínicas diretamente com crianças.
Desafio assumido por sua Filha e discípula, Ana Freud. Que utilizando-se do viés educativo, inicia uma psicanálise infantil, voltada, e com caráter pedagógico. Conduta fortemente criticada por Melanie Klein, que entende a prática de Ana Freud, como inapropriada. Na medida em que esta, desperta ansiedades - que segundo Klein, permeiam a psiquê da criança - sem que seja realizado um tratamento analítico sobre tais ansiedades. Logo, os procedimentos de Ana Freud, estariam próximo da modelação, e adaptação da criança, ao meio em que vive, em detrimento do trabalho analítico.
Embates com Ana Freud à parte, Melanie Klein é a referência em psicanálise com crianças. Podemos ir além, e afirmar que ela foi a precursora. Visto que, o método que ela desenvolveu através de observações clínicas, não é somente consistente, mas é também, genuinamente psicanalítico. Considerando que seu trabalho se direciona em investigar as fantasias do inconsciente infantil, da maneira que ele mais comumente se manifesta em crianças; através das brincadeiras.
A técnica do brincar de Melanie Klein, possibilitou novos avanços para a clínica psicanalítica. Não submissa a linguagem verbal, novas possibilidades se apresentaram, como tratamento de psicoses, por exemplo. Pelas quais, Freud desenvolveu certa quantidade de material teórico, mas pouco pôde fazer na prática.
Uma nova formulação do entendimento, de um dos principais conceitos da psicanálise é teorizado por Klein; o complexo de édipo. Se Do ponto de vista fenomenológico, ela converge com Freud, a inovação do seu entendimento se dá, na temporalidade, dinâmica do processo, e possíveis desdobramentos, no aparelho mental.
Para Freud, o desenvolvimento da criança, é dividido em fases psicossexuais, e a divisão de cada etapa é definida de acordo com a concentração de energia pulsional. Sendo assim, na fase fálica, o que prevalece é o interesse da criança pelo falo (pênis). E a partir daí, emerge o complexo de édipo – por volta dos quatro anos de idade - Onde, de acordo com Freud, no édipo positivo, o menino abandona a mãe como objeto libidinal por medo da castração. E a menina (que vive uma fase pré-edipiana), na busca de resolver sua falta fálica, abandona primeiro a mãe, e depois o pai, na sua jornada para conquistar, o que não possui.
Crucial para o desdobramento do édipo, tanto no entendimento Freudiano, quanto no Kleiniano, é o Superego. Klein inclusive, concebe uma versão arcaica, que desde muito cedo, age sobre o ego fragilizado do bebê. Nessa perspectiva, para Klein, o complexo de édipo se inicia, ainda no primeiro ano de vida da criança, e o seu desenvolvimento, decorre em estágios concomitantes, amalgamados, e permeados por ansiedades oriundas da introjeção de objetos edipianos parciais (seio bom, seio mau/ pênis bom, pênis mau). Nesse contexto psíquico, o que determina a maneira que o complexo de édipo é experienciado pela criança, é a capacidade do seu ego rudimentar, suportar ansiedades persecutórias, e um superego agressivo.
Portanto, Klein sustenta a teoria, que relações objetais, são apreendidas desde o início pelo aparelho mental. E que as imagos internalizadas, as fantasias, assim como as ansiedades da criança, podem ser tratadas ainda na infância. Ao contrário do seu mestre, Freud. Que acreditava não ser possível analisar crianças, mesmo concebendo a infância como origem do adoecimento de seus pacientes, era através do adulto, que ele regredia até as vicissitudes da infância.
Por outro lado, a perspicácia de Melanie Klein, permitiu que ela tratasse crianças, na medida em que direcionou sua atenção, para outras formas de comunicação. E constatou que a ausência de vocabulário, ou a comunicação precária, não impossibilita o acesso do analista ao inconsciente do paciente. Pois, o que não é dito, pode ser observado e tratado por uma psicanálise, munida de técnica apropriada, que considera sobretudo, variadas formas de linguagem, e as diversas possibilidades de manifestação do inconsciente. Exatamente como fez, a senhora Klein.