Por Ale Esclapes -
O filme narra a história do dançarino Merab que tem como parceira de dança e namorada Mary no National Georgian Ensemble. Com a chegada de Irakli na companhia de dança é desencadeada uma série de emoções em Merab. O filme é delicado, intenso e apresenta muito mais camadas do que se permite ver à primeira vista, o que o torna, a meu ver, um pequeno clássico.
Na superfície temos o desejo de Merab por Irakli em conflito com a conservadora cultura georgiana, que não é muito diferente da cultura fora dos grandes centros ocidentais. Se assim o fosse, seria mais um filme LGBTGQIA+ estereotipado, mas não é o caso. Merab é filho, irmão, neto, empregado, vizinho, aluno e todas essas camadas estão presentes no filme, o que dá profundidade e complexidade ao personagem principal. Sua mãe aparentemente é deprimida, seu pai um dançarino fracassado, seu irmão tem problemas com drogas, seu professor é rígido, ele trabalha como garçom para ajudar na família que não dispõe de muitas posses. Ufa ... um personagem em tanto.
Todas essas camadas ficam disponíveis para que roteiro, direção e interpretações possam ser usadas para contar a estória do nascimento de uma parte da personalidade de Merab até então não disponível para ele: sua homossexualidade. A maestria do filme é focar nas implicâncias desse afloramento: com Irakli, com Mary, com o grupo de dança, seu irmão etc. Não estão em primeiro plano vergonha e culpa (não estão ausentes, mas não são o primeiro plano) – Merab flui com o seu desejo, e vai tendo que enfrentar suas consequências. Não é o mesmo conflito que vemos em filmes como, por exemplo, “Tom da Fazenda” onde culpa e vergonha em relação à sexualidade são transformados em violência. Aqui o destaque é para uma experiência de coragem e ingenuidade daquele que consegue acolher a si mesmo, mas nunca sem dor.
O filme apresenta cenas lindíssimas com destaque para a dança entre Merab e Irakli e o primeiro beijo, mantendo um delicado equilíbrio entre a tensão sexual, o amor e o medo. O ar de apaixonamento e entrega de Merab domina todo o filme, e o fundo conservador da sociedade georgiana lhe dá um contraponto de tensão o tempo todo, proporcionando ao filme um ar mais próximo do temerário que ao do medo. Destaque para a interpretação de Levan Gelbakhiani em seu primeiro trabalho como ator, que soube dar ao personagem densidade e leveza na medida certa dentro da história.
“And then we danced” é um pequeno clássico pois trata justamente desses elementos universais: como acolher o desejo e suas implicâncias em um espaço que não o aceita, seja ele pessoal, familiar ou cultural e isso é muito mais abstrato que a questão da sexualidade.
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Direção: Levan Akin
Plataforma: MUBI