Por José Claudio de N. Gonçalves -
Quando lemos a história da psicanálise podemos acompanhar o passo-a-passo do nascimento e crescimento de uma nova disciplina. Freud percorreu um longo caminho entre experimentalmente aplicar a técnica com hipnose inspirada em Charcot, até a alcançar o desenvolvimento da associação livre, que ele chamou “a regra fundamental da psicanálise”.
Iniciando com a hipnose, Freud presenciou a técnica ser aplicada de maneiras diferentes e adaptou-as de maneira pessoal à sua clínica. Com Charcot viu a hipnose utilizar da sugestão como arma para reprimir o sintoma histérico e eliminá-lo. Com Breuer a hipnose era usada como via de acesso `as experiências do passado, os pacientes sob hipnose descreviam suas vivências anteriores (revivendo as cargas de afeto envolvidas nelas) chegando até a situação traumática que originou o sintoma. Nesse ponto, o afeto atrelado ao trauma seria revivido e com isso sofreria uma descarga, uma catarse, com o consequente desaparecimento do sintoma. Freud adotou o método catártico de Breuer, acrescentando a sugestão como maneira de enfraquecer o sintoma histérico.
Mas logo Freud percebeu as limitações do uso da hipnose. Nem todas as pessoas eram hipnotizáveis. Além disso a técnica suprimia as resistências - ocultando assim parte das informações - e as melhoras dos sintomas causadas pela sugestão hipnótica eram temporárias. Some-se a isso o fato de que Freud não era um bom hipnotizador.
Adotou então a prática de estimular a memória dos seus pacientes pressionando a testa destes com a mão, como uma maneira fazê-los focar em determinada linha mnêmica que poderia levar `a lembrança reprimida causadora do sintoma tratado. Com o tempo viu que a pressão da testa com os dedos não era realmente necessária se ele mantivesse o estímulo ao paciente oralmente, guiando-o com perguntas. Foi a paciente Emmy Von N que em uma das sessões de seu tratamento se irritou com as perguntas e frequentes interrupções feitas ao seu relato e pediu a Freud que se calasse e que a deixasse continuar até o fim, ao que Freud aquiesceu. E acabou percebendo que suas frequentes interrupções não acrescentavam realmente muita coisa e que o essencial mesmo era ouvir minuciosamente os pacientes; estes deveriam assumir o compromisso de lhe revelar oralmente todos os pensamentos que ocorressem sobre determinado assunto, sem nenhuma crítica, julgamento de valor, supressão ou censura. Nascia a Associação Livre e com ela, a psicanálise como conhecemos hoje.
Essa ‘regra fundamental’ da psicanálise consiste no analisando discorrer sobre absolutamente todas as representações psíquicas que lhe aparecerem, sem restrições de nenhuma ordem, sem embaraços ou constrangimentos. Essa associação livre de pensamentos pode ocorrer espontaneamente ou em consequência de um dado assunto/palavra.
Junto com a Associação Livre Freud percebeu como benéficos `a técnica psicanalítica outros comportamentos, que ele julgou deveriam ser respeitados durante o tratamento.
Deveria ser observada uma Neutralidade por parte do analista a tudo relativo ao analisando: seu discurso, suas crenças, seu processo transferencial, sua moral. Não seria papel do analista exprimir julgamentos pessoais sobre o material fornecido pelo analisando e nenhum ideal particular ou preconceito poderia guiar o tratamento, nenhum conselho poderia ser dado, o paciente deveria ser aceito como ele era. O princípio da neutralidade colocaria a psicanálise em um polo oposto ao da sugestão.
Observando que os pacientes desprendiam energia psíquica - que poderia ser usada no tratamento - em ações substitutivas que satisfaziam os sintomas ou aliviava o incômodo que estes traziam, Freud recomendou aos analistas que impusessem aos pacientes uma Abstinência `a atividades que poderiam fornecer essas satisfações. Se o sofrimento e a frustração são gatilhos que fazem um paciente procurar um tratamento analítico, amenizar a força desses gatilhos com substitutos prazerosos provocaria a estagnação do processo. Portanto, atentar para que os sintomas não desaparecessem prematuramente causando o abandono do tratamento antes deste estar inteiramente concluído seria desejável. Atos como satisfazer as vontades dos pacientes ou aceitar a preencher dentro do set analítico papéis impostos pelos pacientes estaria interditado aos analistas.
Se o paciente precisava estar em um estado mental de associação livre o estado mental de quem recebe o conteúdo dessa associação também deveria estar livre. Esse contraponto `a regra da associação livre exigida ao paciente Freud chamou de Atenção Permanentemente Flutuante e é a sua recomendação de como a escuta do analista deve ser. Sem privilegiar ou se fixar a nenhum aspecto do discurso do analisando, o analista deveria suprimir ações mentais que usualmente selecionariam - evidenciando ou descartando - partes do que está sendo dito. Tanto analisando como o analista deveriam ter uma postura mais observadora do que reflexiva em relação aos próprios pensamentos, o que evitaria críticas ou julgamentos: no analisando estes seriam instrumentos da resistência e no analista uma quebra da regra da Atenção Flutuante. Poeticamente podemos imaginar essa regra como a abertura de um portal que deixa os dois inconscientes, do analisando e do analista, se comunicarem.
Em um dos seus relatos clínicos mais emblemáticos, o caso Dora, podemos ver Freud já utilizando a associação livre como principal instrumento de tratamento da sua então paciente, mas não aderindo completamente `as suas outras recomendações. Ele discutia com a paciente abertamente sobre as interpretações feitas por ele dos relatos e sonhos, acatou sugestões da mesma, e não identificou e tratou a transferência da paciente para com ele, situações que por si só já quebrariam as recomendações da abstinência e neutralidade. A própria maneira em que Freud conduzia as sessões, inquisidora, autoritária, detalhista, dando ênfase `a aspectos que ele considerava importante no discurso da paciente, não respeitava a regra da atenção flutuante. Se levarmos em consideração que a psicanálise se mostrou uma área onde pesquisa, experimento e tratamento acontecem simultaneamente veremos durante o exercício do caso Dora (publicado em 1904) um Freud caminhando no desenvolvimento das regras para a prática da psicanálise, ainda longe do autor que escreveria “Recomendações aos Médicos que Exercem a Psicanalise”, de 1912.