Por Marcelo Moya -
Era uma vez duas crianças. Um menino que saiu para vender uma vaca na cidade a pedido de sua mãe. Enganado na feira, troca o animal por alguns caroços de feijão supostamente mágicos. Ao retornar para casa, a fúria desta mãe a fez lançar os feijões pela janela.
No dia seguinte, o garoto se depara com um pé de feijão enorme que o levaria escalar até um castelo onde encontraria um saco de moedas de ouro e outros tesouros, mas para obtê-los, teria que enfrentar um gigante furioso que devorava as pessoas. A outra criança, uma menina de apenas dez anos que já sofria de depressão desde os seis e acumulando um histórico de sofrimento e dor. Com intenções suicidas, ela decide subir num pé de goiabeira nos fundos da casa de seu pai, mas foi naquele momento que ela teve uma experiência particular de natureza alucinatória-mística-religiosa que felizmente a fez mudar de ideia.
O primeiro é um famoso personagem fictício da literatura como tantos outros protagonistas de histórias infantis, a segunda é alguém da vida real, hoje uma líder religiosa que ocupa inclusive um lugar de destaque no cenário político nacional. Há uma conexão entre estas duas experiências, a da ficção e da realidade. De um lado, um menino com seu pé de feijão e símbolo da luta pela sobrevivência e dos conflitos de caráter, e de outro, a menina com sua goiabeira que poderia ter se transformado em ícone de tristeza e tragédia. São imagens simbólicas e de farta riqueza representativa para a psicanálise. O anseio pela vida e pela morte, por exemplo, rudimentares nos tratados teóricos da metapsicologia freudiana.
De pés de feijões às goiabeiras pelo país afora, indicativos acerca de crianças que travam esta luta de vida e morte são alarmantes. Quando se constata variações de natureza psíquica, considera-se os aspectos biológicos, hereditários, éticos, sociais e familiares que atingem a vida emocional, tais como, violência, abusos, abandono, privação, maus cuidados (independente da classe social), falhas na gestação e nascimento, precariedade alimentar (as vulneráveis comendo mal pela escassez e as estáveis comendo mal por excesso), equívocos no educar, principalmente na questão do limite, afeto, rotina e regras (que a propósito abordo numa de minhas palestras para pais e educadores), entre outros.
Prova disso, uma pesquisa realizada por um importante jornal indicou um aumento da quantidade de óbitos de menores entre 10 a 14 anos com base em aspectos psicológicos, e como a segunda principal causa de morte (acima da média de acidentes de trânsito) a faixa etária entre 15 e 19 anos. Outro dado preocupante, é que a quantidade de internações psiquiátricas infantis cresceu em quase 40% nos últimos anos por transtornos e abusos de substâncias psicoativas, e que entre pré-adolescentes e adolescentes, por exemplo, as tentativas de suicídio se elevou absurdamente em torno de 200%.
As necessidades de uma criança, normalmente observados pelo vértice social e de comportamento, carecem também de um olhar voltado para a qualidade psíquica, haja vista que as fases iniciais do desenvolvimento mental serão determinantes na constituição da personalidade. Neste caso, a premissa fundamental que nos encoraja a lançar um olhar atento sobre a vida emocional infanto-juvenil é que eles também podem sucumbir psiquicamente, e inegavelmente são incapazes de lidar com isto sozinhos.
Normalmente pensar em cuidado da mente remete-se à vida adulta. (10 de Outubro é o Dia Mundial de Saúde Mental). Mas fato é, que diagnósticos mais frequentes como a ansiedade e a depressão, dentre outras inúmeras inquietações psíquicas, apontam que o sofrimento da alma (psiquê) não escolhe idade para se manifestar, e portanto, os menores. Fatores como inibição intelectual, déficit de atenção e hiperatividade, transtornos de aprendizagem, isolamento, agressividade, automutilação, disfunções psicomotoras, etc, ocupam o topo na lista de queixas de famílias e escolas
Recomendo o documentário “A ira de um anjo” (1992) disponível no YouTube. A produção relata uma história real ocorrida nos EUA na década de oitenta, sobre uma criança que perdeu sua mãe biológica no primeiro ano de vida e passou a sofrer abusos cuja situação era de extrema vulnerabilidade e abandono. Ela desenvolveu precocemente um caso raro de psicose que a deixara agressiva, violenta, apática e com desejos homicidas principalmente pelos pais adotivos, o irmão mais novo e os animais de estimação.
O cuidado integral de uma criança também deve se levar em conta aspectos de sua vida emocional. E este é um desafio para os pais, educadores e a sociedade como um todo, desde as dinâmicas familiares mais elementares até as de maiores complexidades que irão demandar soluções alternativas, testes, psicoterapias e cuidados médicos. A investigação do mundo mental de crianças e adolescentes pela psicanálise, por exemplo, contribui significativamente para o desenvolvimento psíquico e suas transformações. A psicanalista austríaca Melanie Klein (1882-1960), precursora da análise infantil, afirma que "é essencial encarar a criança como um ser humano que começa com todos os sentimentos intensos dos seres humanos, embora, sua relação com o mundo esteja apenas principiando."
Narra-se que o Jesus com quem a menina da goiabeira se encontrou cresceu em estatura (física e mental), graça e sabedoria. Que assim seja com os nossos pequeninos. E nós como família e sociedade devemos empreender todos os esforços neste objetivo. "Criança feliz, feliz a cantar, alegra a embalar, teu sonho infantil, o meu bom Jesus, que a todos conduz, olhai as crianças do nosso Brasil." Feliz Dia das Crianças!