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Entre mundos psi - reflexões sobre os objetivos da psicanálise

Entre mundos psi - reflexões sobre os objetivos da psicanálise

Por Camila Ferreira de Avila - 

Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei. Continuamente me estranho. Nunca me vi nem acabei. De tanto ser, só tenho alma. (Não sei quantas almas tenho - Fernando Pessoa)

Pensar os objetivos do tratamento psicanalítico não foi nada tranquilo neste momento. A princípio despertou-me uma insegurança tremenda, de que lugar (aqui compreendendo como perspectiva) eu devo falar sobre a Psicanálise? Falo de lugar porque ainda é muito novo o que germina em mim sobre o que é Psicanálise. Destacando uma frase do trecho do poema de Fernando Pessoa citado na epígrafe, ...“Continuamente me estranho.”, descreve meu maior sentir nesta nova etapa da vida. Compreender o fazer Psicanalítico envolve estranhamentos e mudanças.

Como falar em tratamento de algo que não tem cura? Tratamos a doença ou a doença nos constitui como seres humanos? O inconsciente é patológico ou a patologia povoa o inconsciente? Tudo é patológico ou nada é patológico? Para onde caminha a Psicanálise? Quantas interrogações e que talvez não tenham ponto final.

Pensando em lugares, de qual lugar devo pensar a Psicanálise? É possível a partir de um olhar científico? Como psicóloga de formação profissional inicial, estudei a Psicanálise em uma perspectiva acadêmica, considerando-a como uma das teorias fundantes da Psicologia científica. Nesta perspectiva a Psicanálise é uma ciência, ciência esta que estuda o inconsciente e suas relações com o comportamento humano. Sob esta ótica o tratamento psicanalítico teria como objetivo auxiliar o ser humano na compreensão de si mesmo objetivando sanar o sofrimento psíquico (a Psicanálise aqui sendo vista enquanto técnica).

“Cada momento mudei.....” e comecei a formação em Psicanálise! Permito-me não seguir um protocolo e escrever livremente conforme as palavras me chegam. Espero que o leitor me perdoe, talvez fique confuso em alguns momentos. Prazer, estes são fragmentos e pedaços de um inconsciente (o meu). Pensando livremente sobre os novos conceitos e formas de interagir com a Psicanálise que venho vivendo só penso em: movimentos. A cada texto lido, a cada vídeo assistido, a cada encontro vivido, desconstruo meus conceitos, perco-me em mim mesma e tento reconstruir-me. Tarefa árdua tem me custado algumas sessões de análise. Afinal a ideia inicial de Psicanálise como método e técnica de tratamento buscando a cura do sofrimento psíquico, tão internalizada por mim, ao longo de muitos anos profissionais tem se desmanchado diariamente.

Freud fez da Psicanálise sua vida e lutou bravamente para que a mesma fosse reconhecida, neste ponto entendo que ele buscou elevar a Psicanálise ao status de ciência para que suas ideias fossem difundidas mundialmente. Talvez agora compreenda que Freud não buscava uma ciência exata no seu sentido literal, mas um rigor científico (metodológico) para que a Psicanálise não se perdesse no tempo.

Particularmente gosto muito de conhecer biografias de autores, escritores, cientistas e claro que Freud esteve entre minhas escolhas. Nestes primeiros encontros da EPP me reencontrei com as histórias de vida de Freud (resgatei lembranças da minha graduação em Psicologia e meus primeiros flertes com a Psicanálise) e tive a oportunidade de olhar Klein um pouco mais “olho no olho”, quebrando um pouco minha primeira impressão. Sempre achei muito difícil ler suas obras (ainda acho, mas talvez comecei a humanizá-la, contextualizá-la, e fez um pouco mais de sentido – mas é só o começo). Além de uma grata surpresa, ver e ouvir vídeos de palestras proferidas por Bion, confesso que foi amor a primeira vista. Todos eles estão aqui dentro de mim, aos poucos sendo apresentados e tornando-se um pouco mais íntimos do meu mundo psi.

Olho a Psicanálise não mais como uma ciência que busca a cura para determinados sintomas, e sim, como uma possibilidade de se conhecer e expandir as possibilidades de viver (com ou sem sintomas). Uma maneira de dar sentido e significado à vida. Um constante (re)significar-se. A formação tem me proporcionado também uma possibilidade de expansão e ressignificação.

Há alguns dias atrás ouvi um termo que preencheu parte da minha inquietude nestes primeiros passos da formação e talvez me angustiou sobremaneira de outro, “Capacidade negativa do analista”. Na oportunidade a palestrante referia-se a André Green e discorria sobre a dificuldade do analista lidar com o não saber. Este momento me remeteu a alguns encontros da EPP em que discutimos sobre o conceito de inconsciente e o papel da análise na cura de sintomas. Muito lentamente tento absorver e impregnar-me da ideia de trabalhar com o que não se sabe, sem uma reta de chegada, um trabalho apenas de início. Um movimento de começar e recomeçar a cada novo encontro com o paciente.

Por fim, mas não encerrando o assunto, “Sem desejo sem memória” para a psicóloga até então é muito difícil de ser suportado. Ainda transito entre dois mundos Psi (Psicologia e Psicanálise), “Não sei quantas almas tenho”. Tento olhar como um processo de transição que não sei qual será o fim, “Nunca me vi nem acabei”. “De tanto ser só tenho alma”.