Por Patrícia de Pádua Castro -
O sonho sob a ótica psicanalítica é a realização de um desejo que se encontra reprimido, recalcado. O material utilizado para a formação do sonho encontra-se no inconsciente, no pensamento inconsciente, onírico, e é composto pelo recalcado - conteúdo insuportável à consciência - e também pelo não recalcado, que são as reminiscências do dia-a-dia, lembranças de lugares, pessoas, leituras, entre outros.
Os sonhos assim como os sintomas das neuroses resultam da formação de compromisso entre duas forças psíquicas opositoras, as representações recalcadas, que buscam o seu retorno à consciência (retorno do recalcado), e as recalcadoras, que concedem um afrouxamento da defesa. Para que o sonho manifeste na consciência é necessário que o conteúdo recalcado seja “modificado” e é nisso que consiste o trabalho dos sonhos de condensação, deslocamento, representações e elaboração secundária.
Para compreender o trabalho da condensação é necessário reconhecer que os sonhos são curtos e lacônicos quando comparados ao pensamento onírico. Ou seja, o conteúdo inconsciente é muito mais vasto do que aquele que foi manifestado nos sonhos e a lembrança dos sonhos é incompleta, fragmentada. Na condensação tem-se uma única imagem psíquica com várias cadeias associativas o que faz com que ocorra uma diminuição da energia psíquica. Uma analogia que pode ser tomada para compreender o trabalho da condensação na formação de uma única imagem representando várias cadeias associativas é o “Disco de Newton”, onde a cor branca obtida ao girar o disco é a representação única de outras sete cores, sem significar que a primeira seja um resumo das demais. Já a diminuição da energia psíquica pode ser comparada com o que ocorre na condensação química da água, no qual a transformação das moléculas no estado de vapor para o estado líquido proporciona uma redução do volume ocupado pelas moléculas e a diminuição da energia cinética e da entropia do sistema.
Essas analogias ilustram que no trabalho de condensação não há um afastamento dos elementos empregados na construção do sonho com aqueles ocupados nos pensamentos oníricos. O mesmo não pode ser dito em relação ao trabalho de deslocamento. Para escapar da censura imposta pela resistência, o sonho se serve do deslocamento das intensidades psíquicas que promove uma mudança de um padrão representativo de fácil reconhecimento, para um padrão que preserve poucas características do representado inicialmente. Dessa maneira há uma distorção desse desejo inconsciente e como consequência, o conteúdo do sonho não se assemelha mais ao núcleo do sonho, ou seja, a seu conteúdo recalcado.
A escolha dos elementos representativos – imagem ou palavra - que participarão da formação do sonho é baseada em dois fatores, o valor psíquico que está associado ao elemento e a capacidade de empregar determinações múltiplas ao elemento, sendo que na impossibilidade de atender aos dois, o último é preferível ao primeiro. Isso porque a produção desses elementos representativos demanda muito esforço, havendo, portanto, uma economia de energia psíquica quando se empregam elementos representativos de múltiplas direções, aqueles nos quais é possível determinar mais de um sentido para o elemento.
Quando uma imagem psíquica de um objeto externo ou interno (no caso imaginado) está associada a um afeto tem-se uma representação. No sonho, afeto e material da representação podem parecer incompatíveis e contrastantes. Primeiramente pelo fato do material da representação ter passado pelo trabalho do deslocamento e também, devido à liberdade que o trabalho do sonho possui em desligar os afetos do material da representação que o gerou e associá-lo a outros materiais representativos. Durante o trabalho dos sonhos os afetos podem sofrer supressão, subtração e inversão por influência da censura, porém, ainda assim, são os componentes que menos sofrem essa influência. Por isso, mais que descobrir as modificações sofridas pelos materiais representativos no processo onírico é importante compreender e trabalhar os afetos a eles associados, uma vez que os afetos mantêm, geralmente, a sua qualidade inalterada de acordo com o desejo recalcado e não com o seu disfarce.
O trabalho do sonho é exaustivo mediante o número de condições necessárias para satisfazer a censura e produzir o seu resultado final, o sonho. Inicialmente, como já foi exposto, o conteúdo latente passa pela elaboração primária, condensação e deslocamento, antes de seguir o caminho rumo à consciência. Porém “a censura que nunca está inteiramente adormecida” ao perceber que algo indevido lhe escapou ao cuidado, entra em ação mais uma vez a fim de promover a elaboração secundária do conteúdo onírico. Tal reelaboração do material, pelo pensamento de vigília parcialmente desperto, é realizada com o intuito de preencher lacunas e absurdos presentes nos sonhos e apresentá-lo de forma inteligível e coerente. Com isso, o sonho poderá ser lembrado em vigília sem gerar nenhum desconforto aparente, perdendo a importância e deixado para o esquecimento, porque o conteúdo reprimido foi ocultado pela remodelação.
Findado todos esses processos de elaboração primária e secundária o conteúdo manifesto não se aproxima mais do conteúdo inconsciente. Desvendar o conteúdo do sonho em si não é o objetivo do trabalho analítico, pois o sonho relatado é oriundo de uma ação consciente do sonhador e a consciência não é o objeto de estudo da psicanálise. No trabalho analítico, a escuta do sonho deve ser entendida como um produto da livre associação, no qual a liberdade ao falar do analisando dá voz ao inconsciente que se manifesta por detrás desta fala.