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A riqueza da teoria kleiniana a partir do olhar do bebê

A riqueza da teoria kleiniana a partir do olhar do bebê

Por Márcia Velo Barros - 

Ler os textos de Melanie Klein ... é impossível não brilhar os olhos com tremenda genialidade da psicanalista de crianças que, de forma sensível, consegue captar as simbologias das brincadeiras, dos desenhos, e das comunicações orais, visuais, etc.

Penso que ler Klein é aprender sobre o misterioso e curioso mundo infantil da criança. Mas esses textos também possibilitam abrir o leque para pensar o infantil no adulto, pensar, e ajudar a ver, a criança que existe dentro de nós e de cada paciente adulto que atendemos.

Os adultos carregam para a vida toda carga de experiências, fantasias e afetos que foram vivenciados na infância. Klein traz, em sua teoria, esse olhar, partindo do nascimento e dos primeiros contatos do bebezinho com o mundo externo, que, assim, vai criando seu mundo interno, povoado de anjos e demônios, que o protegem, acalantam, mas também amedrontam. E isso se mantém. E quando cresce, o adulto (re) vive tais afetos e fantasias em outras experiências, trazendo para atualidade toda vivência inicial.

Como é brilhante essa teoria! Ela nos mostra como os primeiros anos de vida (principalmente o primeiro) são importantes e dominantes em nossas vidas mentais.

E assim acontece a historinha do bebê:

Meu primeiro contato com o externo – um seio – que me alimenta e, por isso, me apresenta o afeto do amor. Um objeto que mais parece uma parte de mim do que algo externo, que entendo como criação própria, que entendo como autossatisfação. Até olhar mais em volta e perceber, com o tempo, que esse seio não está presente sempre que necessito. Essa experiência me apresenta o afeto do ódio. Então, que poder é esse que eu imaginava que tinha? Não é magico não! Tem alguém que surge com esse tal seio e me alimenta – tem uma mãe. Mas as vezes ela falta. Isso dói! E choro, choro, choro, até recebê-lo. Mas é só assim que percebo que suporto a espera e não morro por isso. Assim vou percebendo que essa mãe, que também não é parte nem criação minha, é um outro objeto do qual dependo e sem o qual não sobreviveria. Vivo com essa mãe amores e dores. Ela me frustra também. Ela tem a vida dela e não pode estar sempre presente. E tem um pai (que eu descobri um tempinho depois) que colabora com essa separação, pois é ele com quem ela faz par. E eu estou de fora! Tenho que buscar meus pares, meus iguais, meu mundo...

E assim vou tentando crescer e amadurecer esses difíceis afetos. Ora amo, ora odeio, percebo esses objetos externos como bode expiatórios de minhas frustrações, de meus dissabores, até que vou entendo que são os mesmos objetos que eu também amo. Como amo e odeio o mesmo objeto? É, parece estranho ne?! Mas é assim! Conforme vamos conseguindo integrar esses objetos dentro de nós e construir um mundo interno povoado de mais amores que ódios, vamos aceitando as falhas, nossas e dos outros. Nossa! Outros! Descobri isso então! Existem outros! Que não são eu. Outros com os quais vou me relacionando, vivenciando e aprendendo novos afetos além do amor e do ódio. Sinto inveja, sentimento de perseguição, depois de culpa, desamparo, tristeza, etc. Até que entendo que consigo suportar sentir tudo isso e nem por isso saio destruindo tudo e todos. Uma porque não conseguiria e outra porque prefiro manter esses “outros” perto de mim de tão bons que são.

Certo que, não vou mentir, as vezes busco controlar esses “outros” em minha fantasia, com medo de ser punido, por sentir ódio quando eles me frustram. Também tenho minhas fragilidades, poxa vida!! Mas a realidade é uma grande amiga e vem me dizer que não preciso sofrer com essas coisas, pois ela, de certa forma, vive me dizendo que “fantasmas não existem”. Eu que os crio. Isso me dá um baita alivio e assim consigo me desenvolver mais um pouquinho.

Ainda sou pequenino, estou completando meu primeiro ano, mas tenho certeza que essas experiências difíceis, assim como, logicamente, as boas, vão me acompanham e guiar meu futuro. E quando sofrer novamente, lá na frente, posso (re) viver dentro de mim a fé de que tenho nesses “outros” bons que me acompanham aqui dentro, mesmo que eu os perca lá fora.

Assim fala o bebê. E a partir daí o adulto continua sua história. De frustrações e realizações. De possibilidade e perdas. De amores e dores.

E Melanie Klein mostra em seus riquíssimos textos, através de suas experiências psicanalíticas com “bebês” crianças e “bebês” adultos, como o mundo interno vai se criando em meio a tantas turbulências e conquistas, e, por isso mesmo, é que consegue amadurecer até aproximar o quanto possível as realidades, externa e interna, e, dessa forma, ir elaborando as perdas e ganhando vida real. Aquela “grande amiga” realidade que o bebê nos apresentou logo acima.