Por Terezinha Cavalcante Feitosa -
Este trabalho resgata a concepção de diferente autores da Escola Inglesa de Psicanálise a partir dos artigos de Hanna Segal (1955;1956); Betty Joseph (1975; 1987) Roger Money –Kyrle (1955); Irma Brenman Pick (1985); Edna O’ Shaughnessy (1987); Herbert Rosenfeld (1971). Esses autores resgatam conceitos trabalhados por Freud, Melaine Klein...
...Bion no que diz respeito a identificação projetiva, posição depressiva no esquizofrênico e a relação deste com analista e, ainda, a formação dos símbolos discutidos por Segal; O trabalho de Joseph analisa o paciente de difícil acesso por meio da identificação projetiva e o conflito que se estabelece entre analista e analisado em virtude da dificuldade de compreensão; Money-Kyrle e Pick discutem contratransferência e a utilização desta pelo analista, inclusive utilizando como mecanismo de defesa contra o analisado; Rosenfeld investiga as condições clinicas em que predomina impulsos agressivos examinando sua relação com a teoria de Freud das desfusão e fusão das pulsão de vida e morte, enquanto Shaughnessy analisa o complexo de Édipo a partir de dois pacientes que na sua interpretação, não parte de um impulso normal do desenvolvimento, ou seja, desprovido de desejo sexual e rivalidade, com ciúmes em primeiro plano. Os trabalhos desses autores apontam que o oficio de analista é uma tarefa extremamente difícil, inclusive com a possibilidade de interpretação inconsistente e/ou falseada o que pode gerar conflito tanto para o analisado quanto para o analista. Ressalto que o trabalho foi construído de acordo com a sequência das lições e não a imbricação teórica dos conceitos!
1. A utilização da identificação projetiva pelo esquizofrênico segundo Hanna Segal
Hanna Segal (1956) inicia o artigo Depressão no Esquizofrênico argumentando que os esquizofrênicos no curso do desenvolvimento, alcançam a posição depressiva. Segundo ela, a posição depressiva para o esquizofrênico, é um processo insuportável e estes lidam com ela projetando suas ansiedades depressivas. A autora designa esse processo como identificação projetiva, por meio do qual uma parte do ego do esquizofrênico é excindida, isto é, fragmentada e projetada para dentro de um objeto. Nesse processo há perda de parte do ego bem como alteração na percepção do objeto. Assim no decorrer do tratamento psicanalítico do esquizofrênico, torna-se necessário colocá-lo em contato com seus sentimentos depressivos bem como com o desejo de reparação que deles se originam. Se o tratamento avança é comum o paciente sentir ansiedades depressivas e normalmente tenta se livrar delas por meio da identificação projetiva. Algumas vezes a parte depressiva do ego do paciente é deslocada para dentro do analista. Para conseguir isso o paciente pode recorrer a um manejo cuidadoso da situação analítica de provocar sentimentos depressivos no analista.
Após a análise de casos esquizofrênicos a autora chega a conclusão de que a análise das ansiedades persecutória e das defesas esquizoides na transferência leva a uma maior integração do ego e do objeto. Isso contribui para melhorar o estado de saúde do paciente o que leva a encarar a realidade, seus impulsos, seus sentimentos depressivos, a culpa e a necessidade de reparação, bem como fato de sua própria loucura. Para o esquizofrênico a culpa e o sofrimento são intoleráveis e, portanto, os passos que o paciente tenha dado em direção a sanidade tem que ser revertido. O paciente projeta a parte deprimida para dentro do analista, isso constitui uma reação terapêutica negativa, pois a parte mais sadia do ego é perdida e o analista novamente se transforma em perseguidor uma vez que ele contém a parte deprimida do ego do paciente. A reação do analista é projetar esta depressão indesejada de volta para o paciente. Para controlar a reação terapêutica negativa e permitir o paciente recuperar, reter e fortalecer a parte sadia da personalidade, todo processo de emergência da depressão e sua projeção deve ser acompanhada com cuidado na transferência.
Nesse sentido, pode-se presumir que ao está diante de um paciente esquizofrênico o analista deve ter o cuidado de elaborar mecanismos de defesa para se proteger do processo de identificação projetiva, elaborado meticulosamente pelo paciente.
2. A formação dos símbolos como mecanismos de integração da realidade
Outro trabalho de Hanna Segal (1955) diz respeito a formação dos símbolos. Ela inicia o trabalho afirmando que pacientes podem reagir de maneira diferente mesmo utilizando o mesmo símbolo para a mesma situação. Para reafirmar seu pensamento ela utiliza a experiência analítica de dois pacientes a cerca do instrumento violino. Nesse artigo a autora analisa algumas obras entre elas de Jones (1916). Ao analisar a obra desse autor, ela afirma que quando um desejo, devido ao conflito, precisa ser abandonado e reprimido, ele pode se expressar de modo simbólico e o objeto do desejo que foi abandonado pode ser substituído por um símbolo. Segundo Segal o trabalho analítico posterior especificamente a analise de criança confirmou algumas das afirmações de Jones. Uma delas, de que os primeiros interesses e impulsos das crianças são dirigidos para os corpos de seus pais e para o seu próprio corpo e, é a existência e impulsos no inconsciente que dá origem pela via da simbolização, a todos os outros interesses. Embora exista uma divergência nas formulações de Jones em relação a outros autores, Segal propõe que deveriam chamar de símbolos apenas aqueles substitutos que tomam lugar do objeto sem qualquer mudança de afeto. No entanto, ela afirma ainda, que há muitas vantagens em entender a definição para cobrir os símbolos utilizados na sublimação.
Mesmo concordando com alguns pontos da teoria de Jones, Segal critica o fato do mesmo excluir a maior parte do que é chamado de símbolo pelas outras ciências bem como pela linguagem cotidiana. Para a autora do ponto de vista analítico, o interesse da criança pelo mundo externo é determinado por uma serie de deslocamentos, de afetos e interesses, a partir dos objetos iniciais para outros objetos continuamente.
Ainda para discutir a formação dos símbolos Segal recorre as considerações de C. Morris (1938) cujo autor afirma que o processo de simbolização ocorre mediante uma relação entre três termos, isto é, uma relação entre a coisa simbolizada, a coisa que funciona como símbolo e uma pessoa para quem um representa o outro. Assim em termos psicológicos, para a autora, o simbolismo seria uma relação entre o ego, o objeto e o símbolo.
A formação dos símbolos segundo Segal começa muito cedo, tão cedo quanto as relações de objetos, mas muda de caráter e função com as alterações no caráter das relações entre o ego e os objetos. Assim, se a simbolização é visto como uma relação entre três termos, os problemas da formação dos símbolos devem ser sempre examinado no contexto da relação do ego com seus objetos.
Ao discorrer sobre as características das primeiras relações de objeto do bebê a partir da análise de Melaine Klein, Segal diz que o objeto é visto como sendo cindido num objeto idealmente bom e noutro totalmente mau. O objetivo do ego é a união total com o objeto ideal e a aniquilação total do objeto mau, assim como nas partes más dos self. Desse modo, o pensamento onipotente predomina e o sentido da realidade é intermitentemente precário. O conceito de ausência praticamente não existe. Sempre que o estado de união com o objeto ideal não é efetivado o que se vivência não é a ausência. Para a autora um dos mecanismos de defesa nesta fase é a identificação projetiva, posto que, o sujeito, em fantasia, projeta grande parte de se mesmo para dentro do objeto, que fica identificado como partes do self que se sente que ele contem. Da mesma forma objetos internos são projetados para fora e identificados como parte do mundo externo, que vem a representá-los. Nisso se constitui o inicio do processo de formação dos símbolos.
Para a autora em tela os primeiros símbolos não são sentidos pelo ego como símbolos ou substitutos, mas como sendo o próprio objeto original. Segal considera tão diferentes dos símbolos formados mais tarde, que institui um novo conceito denominando todo o processo de equação simbólica. Para ela a equação simbólica entre o objeto original e o símbolo no mundo externo e interno é a base do pensamento concreto do esquizofrênico, em que substitutos para objetos originais, ou parte do self, podem ser utilizados bastante livremente, mas, como nos dois exemplos de pacientes esquizofrênicos mencionados pela autora, praticamente não são diferentes no pensamento.
Quando as equações simbólicas são formadas em relação a objetos maus, faz-se uma tentativa de lidar com elas como objeto original. Em certo estágio da análise - na medida em que o paciente adquire um certo grau de formação dos símbolos numa base de equações simbólicas, se alguma ansiedade é deslocada da pessoa de seu analista- sentido como objeto mau –para substitutos no mundo externo. Diante disso, os numerosos perseguidores no mundo externo são tratados mediante a escotomização, ou seja, a rejeição inconsciente. Desse modo o desenvolvimento do ego e as mudanças na relação destes com seus objetos são graduais, e assim é também a mudança dos símbolos iniciais, denominado de equações simbólicas pela autora, até os símbolos plenamente formados na posição depressiva. Percebe-se que antes o objetivo era apossar-se totalmente do objeto, se este fosse sentido como bom; aniquilá-lo totalmente se este fosse sentido como mau. Ao reconhecer que os objetos maus e bons são um só, os objetivos pulsionais são modificados. O ego passa a se preocupar em salvar o objeto de sua agressão e possessividade o que implica em inibição dos objetivos pulsionais diretos, tanto agressivos como libidinais.
Para Segal esse processo é importante para criação dos símbolos que adquirem novas funções alterando seu caráter! Os símbolos tornam-se necessário para deslocar a agressividade do objeto original e a culpa vivenciada em relação a ele é muito menor do que aquela devido a um ataque ao objeto original. Os símbolos são criados no mundo interno como mecanismo de restaurar, recriar, recapturar e possuir novamente o objeto original. Porém, de acordo com o sentido crescente de realidade, eles são vivenciados como criações do ego e nunca completamente equacionados ao objeto original. Na opinião de Segal a formação dos símbolos na posição depressiva necessita uma certa inibição dos objetos pulsionais diretos em relação aos objeto original, e assim se tornam disponíveis para sublimação. Os símbolos, criados internamente, podem ser reprojetados no mundo externo, dotando-o de significado simbólico. Assim. a capacidade de vivenciar a perda e o desejo de recriar o objeto dentro de si dá ao individuo uma liberdade inconsciente no uso dos símbolos. E como o símbolo é uma criação do sujeito ele pode ser livremente usado por ele, o que não ocorre com a equação simbólica.
Na interpretação da autora se as ansiedades forem muito intensas pode ocorrer em qualquer estágio do desenvolvimento uma regressão à posição esquizoparanóide. E o recurso a identificação projetiva como defesa contra a ansiedade. Desse modo símbolos que estavam funcionando como símbolos de sublimação revertem para equações simbólicas concretas cujo processo ocorre quando a identificação projetiva maciça, o ego novamente se confunde com o objeto, o símbolo se confunde com a coisa simbolizada transformando-se numa equação.
Conforme Segal, na equação simbólica, o símbolo-substituto é sentido como sendo o objeto original. As propriedades próprias do substituto não são reconhecidas ou admitidas. A equação simbólica é usada para negar a ausência do objeto ideal ou controlar um objeto persecutório. A equação simbólica pertence aos primeiros estágios do desenvolvimento. Quando o mecanismo de identificação projetiva é usado como defesa contra ansiedades depressivas, os símbolos já formados, que funcionam como símbolos, podem reverter a equações simbólicas.
Concluindo, a autora se reporta ao significado da palavra símbolo: reunir, unir, integrar que segundo ela, a formação destes é um processo continuo de união e integração do interno e do externo, do sujeito com o objeto, das experiências anteriores com as posteriores. Pode-se dizer então, que o passado, o presente e o futuro estão imbricados na constituição e formação dos símbolos cujo mecanismo proporciona a integração do sujeito na realidade.
3. O efeito da utilização intensa da identificação projetiva segundo Betty Joseph
Betty Joseph (1987) ao se reportar ao conceito de identificação projetiva argumenta que quando este mecanismo é usado de forma intensa torna-se uma fantasia para individuo e pode ter um efeito poderoso sobre o receptor. A autora traz para o debate não a identificação projetiva propriamente dita, sua discussão gira em torno do poder onipotente da projeção e da identificação projetiva e suas fantasias, pois segundo ela, na medida que se originam numa constelação particular, e profundamente interligada, não podemos, em nosso pensamento, isolar a identificação projetiva da onipotência, da cisão e das ansiedades resultantes que a acompanham.
Ao fazer essas considerações baseadas em Klein e Bion, Betty, Joseph propõe analisar algumas implicações do uso da identificação projetiva, bem como ilustrar diferentes aspectos desse processo por meio de dois pacientes, aparentemente fixado na posição esquizoparanóide e depois em um paciente que se movia em direção a posição depressiva. Para autora, em alguns casos, a identificação projetiva é usada tão maciçamente que dá-se a impressão que o paciente está em fantasia, projetando todo o seu self para dentro do seu objeto e desta forma sentir-se claustrofóbico. Trata-se de um modo muito poderoso e efetivo para livrar o individuo do contato com sua própria mente; as vezes a mente pode estar tão enfraquecida ou fragmentada por processos de cisão, ou ainda tão evacuada por identificação projetiva que o individuo parece vazio ou quase psicótico.
Segundo Joseph a identificação projetiva tem implicações técnicas. Por exemplo, se considerar que ela é apenas uma parte do equilíbrio onipotente estabelecido por cada individuo a seu próprio modo, qualquer interpretativa, por parte do analista, de localizar e devolver ao paciente parte do self deverá encontrar resistência de toda a personalidade, uma vez que é sentida como ameaça ao equilíbrio global bem como geradora de mais perturbação. Diante disso a identificação projetiva não pode ser vista isoladamente.
4. A interpretação da identificação projetiva no processo analítico de Betty Joseph
Ao considerara a identificação projetiva como meio de comunicação Joseph (1987) recorre as afirmações Bion, quando diz que o individuo pode usar este mecanismo como método de comunicação, uma vez que o sujeito coloca partes indigestas de sua experiência e de seu mundo interno para dentro do objeto como forma de torná-los compreensíveis e de retornarem numa forma mais fácil de lidar. Ao pensamento de Bion, Joseph acrescenta que a identificação projetiva é, por sua própria natureza, uma forma de comunicação, mesmo nos casos em que não é este o objeto ou a sua intenção. Por definição, identificação projetiva significa colocar partes do self para dentro de um objeto.
A compreensão de Joseph sobre identificação projetiva está relacionada não apenas as interpretação das obras de Klein e Bion, mas também nas observações analíticas de seus pacientes. Ela destaca três exemplos analíticos do poder da identificação projetiva e a forma como esta operacionaliza de acordo com o caso.
No primeiro caso, ela considera que o esvaziamento do paciente, quando este projeta para dentro do analista partes do self, torna-se eficaz uma vez que toda experiência de perda e que suas emoções concomitantes são extirpadas. Nesse aspecto o termo identificação projetiva descreve de forma mais viva e plena os processos envolvidos do que os termos mais frequentemente utilizados tais como “reversão” ou “projeção”. A autora acredita que o equilíbrio do analisado é mantido por meio da projeção de partes do self.
No segundo caso a autora identifica vários tipos de identificação projetiva que pode operar em conjunto para sustentar um equilíbrio particular narcisista e onipotente. Esse tipo de equilíbrio é firmemente estruturado, extremamente difícil de ser influenciado analiticamente chegando a produzir ansiedades persecutórias. Além disso, levanta algumas questões sobre diferentes processos identificatórios, inclusive problemas relacionados ao próprio termo “identificação projetiva”. Para reafirmar seu pensamento relata um caso de análise de um professor que a meu ver tinha muitas ansiedades persecutórias.
Ainda nesse caso a autora diz que a identificação opera com várias motivações diferentes e conduzindo a diferentes processos identificatórios, no entanto todos visam a manutenção do equilíbrio narcísico e onipotente. Ao analisar o paciente T a autora afirma que este se utilizava de dois tipos de identificação projetiva tais como a invasão da mente e usurpação dos conteúdos da analista bem como a projeção de parte do self ameaçado e invejoso para dentro dela. Neste sentido, são destacado três ou quatro aspectos da identificação projetiva tais como: o ataque a mente do analista; uma invasão parcial e a usurpação de aspectos ou capacidades do analista; e, o deposito de parte do self, inferiores dentro do analista. Para Joseph os dois últimos aspectos são mutuamente dependentes, mas levam a diferentes tipos de identificação. Numa delas o paciente ao se apossar, fica identificado com as capacidades idealizadas do analista. Na outra, é o analista que se torna identificado com as partes perdidas, projetadas do paciente. Vale ressaltar que os casos analisados, segundo ela foram um homem na posição esquizoparanóide, uma criança fronteiriça e outro homem num rígido estado onipotente e narcísico. Pode-se imaginar que a identificação projetiva é utilizada de acordo com as condições psíquicas em o paciente se encontra.
5. Natureza comunicativa da identificação projetiva
Betty Joseph (1987) ao analisar a natureza da comunicação na identificação projetiva diz que esta coloca partes do self dentro do objeto, isto é, na transferência do pólo receptor das projeções e diante disso, desde que possamos sintonizar com elas, tem-se uma oportunidade de compreendê-las e compreender o que está ocorrendo. Sendo assim, a identificação projetiva age como uma comunicação, e qualquer que seja a motivação, e á base para o uso positivo da contratransferência. Para ela é difícil esclarecer se, num dado momento, a identificação projetiva está primordialmente dirigida a comunicar um estado mental que não pode ser verbalizado pelo paciente ou se está dirigida a entrar e controlar ou atacar o analista, ou ainda se todos estes elementos estão ativos e precisam ser considerados.
Suas afirmações estão fundamentada na análise que ela fez do paciente N, cuja natureza da identificação projetiva do analisado foi transformado em contratransferência pela analista que passou a explorar a capacidade de comunicação do paciente. Pode-se entender que no pólo mais primitivo e extremo da identificação projetiva está a tentativa de voltar para dentro de um objeto de se tornar indiferenciado e de mente, evitando toda a dor. O objeto pode ser valorizado e amado, às vezes ele pode conscientemente experimentar hostilidade em relação a isso e a ambivalência está presente. À medida que seu amor é liberado ele é capaz de introjetar e identificar-se com um objeto total valorizado e potente, e o efeito sobre seu caráter e sua potência é surpreendente. Nesse caso a identificação projetiva é de uma qualidade muito diferente dos outros analisados onde estão baseadas em forçar partes desesperadas do self para dentro de um objeto que em sua fantasia torna-se uma parte desesperada de si mesmo. No caso T, o analisado invadia a mente do analista e se apossava dos aspectos cindidos e idealizados deixando o objeto despojada e inferiorizada. N pode experimentar e valorizar como uma pessoa inteira, diferente e separada com as próprias qualidades do analista, e estas, o analisado pode introjetar e sentir-se fortalecido.
Nesse sentido, presume-se que a comunicação é fator preponderante no processo de identificação projetiva, tanto por parte do paciente quanto por parte do analista, que pode se utilizar da contratransferência para compreender, se defender, penetrar de fato no universo do analisado!
6. O problema da técnica relacionado ao paciente de difícil acesso
Em um artigo publicado em 1975, Betty Joseph traz para o debate da psicanálise o paciente de difícil acesso. Este tipo de paciente é muito difícil de ser atingindo por meio de interpretações e por isso torna-se quase impossível oferecer-lhe compreensão emocional verdadeira. Estes pacientes possuem uma cisão dentro da personalidade em que parte do ego é mantida a distância do analista e do trabalho analítico. Esta cisão mantém uma parte do ego à parte como se esta fosse um observador da outra parte, entre analista e paciente. Isso impede que o analista tenha acesso a um contato verdadeiro. Diante disso torna-se necessário o analista utilizar-se de vários métodos de evitação e evasão. Noutras situações grandes partes do ego parecem desaparecer temporariamente da análise resultando em apatia ou extrema passividade (p.61-62).
Segundo a autora, embora no campo da psicanálise seja enfatizado a importância de uma aliança terapêutica entre analista e paciente, no caso de pacientes inacessíveis esta aliança torna-se hostil o gera a anti-compreensão do paciente. Normalmente são pacientes cooperativos e prestativos que tendem responder rapidamente as interpretações ou discutir de modo muito sensato interpretações anteriores. Para o analista, esta situação pode ser vista como uma análise em progresso e compreensão e até mesmo relatos de melhora. No entanto, há um sentimento vazio se considerar a contratransferência tudo parece fácil, agradável e sem conflitos ou então os conflitos são rapidamente dissipados. No trabalho com esse tipo de paciente pode-se destacar dois tipos de cisão do ego. O paciente fala de modo adulto, mas relaciona-se com o analista apenas como igual, ou aliado ligeiramente superior que procura ajudar o analista com sugestões, pequenas correções ou referencias à história pessoal. A impressão que se têm é que durante a analise se está falando de outra pessoa, é como se estivesse falando de um paciente, mas nunca ao paciente. Diante disso a parte paciente parece está fragmentada e, imediatamente, precisa de auxilio (p. 63-64).
Para Joseph, este tipo de cisão pode ser encontrado em diferentes tipos de pacientes e pode ser mantido por diferentes razões, relacionadas a uma ansiedade inconsciente a cerca de sentimentos infantis, ou sentimentos da dependência, rivalidades, invejas intensas, mas geralmente afastadas das figuras parentais, dificuldades relacionadas à separação e etc.(p.64)
Para impedir que o analista entre em contato com qualquer coisa nova e desconhecida, ou seja, a parte que necessita de uma interpretação verdadeira, o paciente tenta manipular o analista a fazer interpretações falsas e inúteis. Nesse tipo de situação o analista deve se certificar de que cada passo seja esclarecido com o paciente em relação o material imediato, e não deixado no nível simbólico ou quase simbólico. Ao considerar esse tipo de problema a autora está salientando que a parte pseudo-cooperativa do paciente impede que a parte realmente necessitada entre em contato com o analista e que, se este for envolvido nisto, não pode realizar uma mudança em nossos pacientes porque não foi estabelecido contato com a parte que necessita de ser compreendido, como oposta a de adquirir compreensão. Assim, no que se refere ao paciente inacessível, torna-se necessário localizar a cisão do ego e esclarecer as atividades das diferentes partes. Em alguns destes pacientes uma parte do ego parece manter-se ao lado do resto da personalidade, observando minuciosamente o que está ocorrendo entre o analista e o resto do paciente, escutando o tom de voz do analista e sensível às mudanças fictícias. Em tais situações a autora propõe que o analista espere, trabalhe lentamente, suporte as críticas do paciente e evite quaisquer interpretações que possam sugerir que o problema está nas projeções da ansiedade do paciente. Estes pacientes para Joseph compreendem mal as interpretações, tomam as palavras fora do contexto e tentam perturbar e provocar o analista. Ela aponta a importância da técnica no sentido do analista olhar não apenas para o conteúdo, mas também para o modo como surge o material. O comportamento do paciente e o movimento do material na sessão pode revelar quais as partes do ego que desaparecem e onde pode ser encontrados! Uma compreensão útil vem de uma interpretação de eventos que são imediatos. Se a interpretação está muito distante da experiência real que está ocorrendo na sala, ela leva apenas a uma compreensão a uma compreensão verbal da teoria. Paciente com capacidade considerável de integração do ego e de boas relações com objetos totais podem as vezes ser capazes de integrar interpretações baseadas em aproximações de material anterior (p.65-.67).
Joseph enfatiza a importância da técnica afirmando que o analista não deve olhar apenas para o conteúdo mas também para o modo como surge o material. O comportamento do paciente e o movimento do material na sessão podem revelar quais partes do ego desapareceram e onde podem ser encontradas. Assim, para autora, em ambos os pacientes analisados, o contato com o mundo externo ou com a realidade interna, e a experiência de separação e relação com o objeto são em grande parte evitados, e os pacientes tornam-se temporariamente inacessíveis ao trabalho interpretativo ou a verdadeira compreensão. Alguns pontos técnicos são destacados pela autora entre os quais à natureza da situação transferencial. Para ela o analista só tem êxito se suas interpretações forem imediatas e diretas. Uma compreensão útil vem de uma interpretação de eventos imediatos. Se a interpretação estiver muito distante da experiência real que está ocorrendo na sala, ela leva apenas uma compreensão verbal da teoria (p. 68-75).
7. Os aspectos libidinais e destrutivos do narcisismo de acordo com Herbert Rosenfeld
O trabalho de Herbert Rosenfeld (1971) discute os aspectos agressivos do narcisismo. Ele fundamenta sua discussão nos trabalhos de Freud, Melaine Klein entre outros e se propõe analisar os aspectos libidinais e destrutivos do narcisismo bem como esclarecer como surge as graves disfusões das pulsões de morte indicando os fatores que contribuem para fusões normais e patológicas. Rosenfeld chama de fusão patológica os processos em que na mistura de impulsos libidinais destrutivas e negativas o poder dos impulsos destrutivos ficam muito reforçados, enquanto que na fusão normal a energia destrutiva fica mitigada ou neutralizada. O autor apresenta ainda a importância clinica da agressão desfundida e cindida na criação de obstáculo à análise tais como resistências crônicas e reações terapêuticas negativas (p.247).
Ao estudar o narcisismo em detalhes ele julga essencial diferenciar entre os aspectos libidinais e destrutivos do narcisismo. No que diz respeito ao aspecto libidinal pode-se ver que a supervalorização do self desempenha um papel central, baseado na idealização do self. Dessa forma, a idealização do self é sustentada por identificação projetivas e introjetivas onipotentes com objetos bons e suas qualidades. Assim, o narcisista sente que tudo que é valioso, relacionado a objetos externos e ao mundo exterior, faz parte dele ou é onipotentemente controlado por ele (p. 248).
Se o narcisismo for considerado a partir do aspecto destrutivo, percebe-se que novamente a idealização do self ocupa um papel central, mas, nesse aspecto, trata-se da idealização das partes onipotentes e destrutivas. Estas partes se dirigem contra qualquer relação do objeto libidinal positiva e contra qualquer parte libidinal do self que tem necessidade de um objeto e que deseja depender dele. As partes onipotentes destrutivas do self podem permanecer disfarçadas ou ficarem silenciosas e excindidas. Isso dificulta a identificação de sua existência e dá a impressão de que não há nenhum relacionamento com o mundo externo. Segundo Rosenfeld elas exercem um efeito poderoso ao impedir as relações objetais dependentes e manter os objetos externos desvalorizados tornando-se responsável pela aparente indiferença do indivíduo narcisista, em relação aos objetos externos e ao mundo (p.250).
Rosenfeld afirma que embora coexista lado a lado, na maioria dos pacientes narcísicos aspectos libidinais e destrutivos, a violência dos impulsos destrutivos são diferenciados. Nos estados narcísicos em que predomina os aspectos libidinais, a destrutividade se torna aparente tão logo a idealização do self onipotente fica ameaçada pelo contato com um objeto que percebido como separado do self. Quando isso ocorre o paciente sente-se humilhado e desafiado pela revelação de que é o objeto externo que contem as qualidades valiosas que ele atribuía aos seus próprios poderes criativos. Observa-se durante a análise que quando diminuem os sentimentos de ressentimentos e vingança a inveja é conscientemente vivida, pois só então ele pode perceber o analista como uma pessoa externa e valiosa.
Se predominam os aspectos destrutivos, a inveja é mais violenta e surge como desejo de destruir o analista, enquanto objeto que é a verdadeira fonte de vida e de coisas boas que levam o paciente à violentos impulsos autodestrutivos! Quando se trata de situação infantil, o paciente narcísico quer acreditar que deu a vida a si mesmo e é capaz de se alimentar e se cuidar. No entanto, ao se defrontar com a realidade de ser dependente do analista o paciente deseja morrer, negar o fato do seu nascimento e destruir seu progresso e insight analítico, representantes da criança dentro dele gerada pelo analista, que representa os pais. O paciente deseja desistir da análise atuando de maneira autodestrutiva destruindo seu sucesso profissional e as relações pessoais. Entre estes pacientes alguns se tornam suicidas e o desejo de morrer se expressa muito abertamente, sendo a morte idealizada como a solução de todos os problemas. Nesse sentido a pulsão de morte passa ser uma desfusão. Pode-se observar que este estado do paciente é provocado pela atividade das partes invejosas destrutivas do self que se tornam gravemente cindidas e desfusas do self libidinal cuidadoso. Todo selffica identificado com o self destrutivo, que busca triunfar sobre a vida e a criatividade destruindo o self libidinal dependente.
Existem Pacientes narcísicos em que os impulsos destrutivos desfusos parecem estar constantemente ativos e dominar toda sua personalidade e relações de objeto. Estes pacientes expressam seus sentimentos de uma forma levemente disfarçada desvalorizando o trabalho do analista com persistência e indiferença. Apresentam comportamento de desconfiança com uma desvalorização explicita. Com isso reafirmam sua superioridade sobre o analista, que representa vida e criatividade compreensão e satisfação. Eles ainda se sentem superiores ao serem capazes de controlar e esconder essas partes que desejam depender do analista como uma pessoa que pode ajudar. Se comportam como se perda de qualquer objeto de amor, inclusive o analista, os deixe indiferentes e até estimule uma sensação de trunfo. Às vezes, estes pacientes, sentem vergonha e alguma ansiedade persecutória, mais pouca culpa, pois pouco do self libidinal permaneceu vivo. Parece que estes pacientes lidam com a luta entre seus impulsos destrutivos e libidinais e tentam livrar-se do amor por seus objetos, matam seu self dependente e amoroso e identificam-se quase que inteiramente com a parte narcísica destrutiva do self, que lhe fornece uma sensação de superioridade e autoadmiração.
Nota-se que o narcisismo destes pacientes às vezes são altamente organizados, semelhante uma quadrilha poderosa, comandada por um líder, que controla todos os membros para garantir que se apoiem mutuamente para fazer um trabalho criminoso destrutivo mais eficiente e poderoso. Porem, a organização narcísica além de aumentar a força do narcisismo destrutivo, tem o propósito defensivo de se manter no poder e assim garantir o status quo. Percebe-se que o principal objetivo, parecer ser, impedir o enfraquecimento da organização e controlar os membros da quadrilha para que não desertem da organização destrutiva – juntando-se às partes positivas do self, nem deletam os segredos a polícia, o superego protetor, representado pelo analista que é capaz de salvar o paciente. Segundo a experiência do autor, essa organização narcísica não se dirige contra culpa e ansiedade, mas parece ter o propósito de manter a idealização e o poder superior do narcisismo destrutivo. Receber ajuda implica fraqueza e é sentido como uma coisa errada ou como um fracasso pela organização narcísica destrutiva, que abastece o paciente com seu senso de superioridade. Nesses casos, há a mais determinada resistência crônica à análise e só uma exposição muito detalhada do sistema possibilita algum progresso.
Em muitos casos, os impulsos destrutivos estão ligados a perversões. Nessa situação, a aparente fusão das pulsões não enfraquece o poder das pulsões destrutivas, mas, aumentam o poder e a violência pela erotização da pulsão agressiva.
Para Roselvet alguns pacientes narcísicos, as partes narcísicas destrutivas do self estão ligadas a uma estrutura ou organização psicótica que se cinde do resto da personalidade. Esta estrutura psicótica é como um mundo ou objeto delirante dentro qual partes de self tendem se recolher, que parece ser dominada por uma parte do self onipotente ou onisciente, extremamente cruel, que cria a noção de que dentro do objeto delirante há uma absoluta ausência de dor e por outro lado, liberdade para permitir qualquer atividade sádica. Toda estrutura psicótica encontra-se comprometida com a autossuficiência narcísica e dirigida apenas contra qualquer relação de objeto. Às vezes os impulsos destrutivos dentro desse modo delirante são extremamente cruéis, ameaçando de morte o resto do self para assegura seu poder: Ou aparecem disfarçados como onipotentes, benevolentes ou salvadores prometendo prover o paciente com soluções rápidas e ideais para todos os seus problemas. Na concepção do autor essas promessas têm a função de tornar o self normal do paciente dependente de seu self onipotente ou viciado nele, e atrair as partes sadias normais para sua estrutura delirante de forma aprisioná-las. Quando pacientes narcísicos fazem algum progresso e a formar alguma relação de dependência com a análise, ocorrem graves reações terapêuticas negativas à medida que a parte psicótica narcísica do self exerce seu poder de superioridade sobre a vida e o analista tentando atrair o self dependente para um estado onírico onipotente e psicótico, o que faz com que o paciente perca o sentido de realidade e a capacidade de pensar. Pode existir o risco de um estado psicótico agudo se a parte dependente do paciente mais sadia de sua personalidade for persuadida a virar as costas para o mundo externo e entregar-se inteiramente ao domínio da estrutura delirante psicótica. Pacientes dessa natureza pode desenvolver um agudo hipocondríaco medo da morte esmagador. Percebe-se que uma investigação detalhada do processo sugere que não estamos lidando com estado de desfusão e sim com uma fusão patológica. Neste estado narcísico de retraimento, a parte dependente sadia do paciente penetra no objeto delirante e ocorre uma identificação projetiva em que o self sadio perde sua identidade e fica dominado pelo processo destrutivo onipotente, sem nenhum poder para se opor a este último, nem para mitigá-lo enquanto durar a fusão patológica e, além disso, o poder do processo destrutivo extremamente nessa situação.
Nesses casos, segundo o autor, é necessário ajudar o paciente a encontrar e resgatar a parte sadia dependente do self de sua posição encurralada dentro da estrutura narcísica psicótica, pois é essa parte a ligação essencial da relação objetal positiva com o analista e o mundo. É importante ainda ajudar gradualmente o paciente a tornar-se consciente das partes separadas destrutivas onipotentes do self que controlam a organização psicótica, pois esta só é todo-poderosa enquanto estiver isolada. Na medida em que este processo é revelado fica claro que ele contém os impulsos invejosos destrutivos do self que se tornaram isolados e assim a onipotência fica desinflada e sua natureza infantil pode ser exposta, ou seja, o paciente torna-se consciente de que está sendo dominado por uma parte infantil onipotente de se mesmo, que não só empurra para direção à morte, mas também o infantiliza e impede de crescer, mantendo-o afastado de objetos que poderiam ajudá-los a crescer e desenvolver.
8. Aproximações conclusivas
Ao termino desde trabalho presumo que ainda, há muito para se aprender e apreender sobre e, em psicanálise cujo processo só pode se tornar possível por meio do estudo da literatura disponível e muita observação e interpretação, pois compreender a angustia das pessoas que procuram um analista não é tarefa fácil! A posição de afastamento do analista sugere que este faça uma leitura minuciosa de todas as atitudes do analisado a fim de compreender e levar estes a diminuir suas angustias. No entanto. Sabe que este às vezes torna-se um processo lento e doloroso para ambos as partes. Durante o estágio de supervisões pude constatar alguns relatos de pessoas que em virtudes de suas angustias estão fragilizadas e procurando encontrar uma forma de amenizar o sofrimento e as perturbações que os acompanham. Muitas dessas angustias interferem no trabalho, nos relacionamentos deixando as pessoas em alguns casos rejeitadas.
Dois casos me chamaram atenção na supervisão: um rapaz com medo extremado de dirigir, mesmo sendo habilitado, pois temia bater o carro e ser criticado pelos familiares, inclusive a mãe! E o caso de uma psicóloga angustiada com a relação dos pais, já idosos. No primeiro caso notava-se uma pessoa em o que processo de castração não havia ocorrido de maneira satisfatória gerando de certo modo uma ansiedade persecutória! No segundo caso, a paciente procura respostas para suas frustrações, insucesso nas relações trazendo a relação dos pais para o seting. Nota-se uma pessoa, confusa com seus sentimentos, buscando na relação dos pais, a qual ela considerada ora boa, ora má, um subterfúgio para sua própria vida! Além do mais, uma de suas preocupações é o cuidar do pai, uma vez que a mãe, já em idade avançada, se recusa a atender os caprichos deste. Percebe-se um sentimento de castração, visto que ela como psicóloga não consegue apaziguar o relacionamento dos pais! A perda do controle! Talvez em razão da divagação da moça trazendo na sua fala muitos elementos confusos poderia ser considerada como um paciente de difícil acesso!
Portanto, considero que o aprofundamento dos conceitos discutidos por estes diferentes autores nos proporciona maior confiança no sentido de atuar no campo analítico.
9. Referencias bibliográficas
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______________O paciente de difícil acesso. Giovacchini (ed.) Tactics and Techniques in psychoanalytic Therapy, vol. 2: countertransferece, New York: Jason Aronson, 1975.
ROSENFELD Herbert. Uma abordagem clinica para teoria psicanalítica das pulsões de vida e de morte: uma investigação dos aspectos agressivos do narcisismo. . Artigo publicado no International Journal of Psycho-Analysis 52: 169-78, 1971.
SEGAL, Hanna. Depressão no Esquizofrênico. Artigo publicado no International Journal of Psycho-Analysis 37: 339-43, 1956
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