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Sexualidade: um breve ensaio

Sexualidade: um breve ensaio

Por Marcelo Moya - 

E também aqui "há trabalho suficiente para se fazer nos próximos cem anos – nos quais nossa civilização terá que aprender a conviver com as reivindicações de nossa sexualidade" S. Freud.

O que a sexualidade teria a ver com cada um de nós? Como lidar com este tema que há séculos se arrasta cercado de contradições, encantos, desencantos e até de mistérios? O que sabemos e o que ainda podemos aprender sobre isso? Qual o lugar da sexualidade neste mundo contemporâneo de múltiplas faces? Ainda é um tabu ou porventura teria assumido dimensões perversas na civilização?

O tema da sexualidade, mesmo com os avanços acerca de seu debate na sociedade moderna e dos resultados até agora alcançados principalmente em relação à sexualidade feminina e a homossexualidade, contudo, ainda se mantém paradoxal seja por sua amplitude, por sua abrangência ou por sua complexidade.

Mas afinal, o que é sexualidade? O termo, que muitas vezes é confundido com o sexo propriamente dito ou limitado à genitalidade, é bastante amplo e com inúmeros fatores implícitos e subjetivos tais como o afeto, o contato, o gesto, os sentimentos, o desejo e o amor. Distante de uma definição absoluta, num senso comum podemos considerar a sexualidade como um conjunto de aspectos fisiológicos e simbólicos, de natureza orgânica e psíquica de uma pessoa.

Tão cerceada pela ética ou pela moralidade, polêmica ou como objeto de investigação, a sexualidade é um assunto que sempre despertou interesse, haja vista que ela se encontra presente em todas as fases da vida, e sua influência abrange o ser humano como um todo desde o seu nascimento até a morte.

Retratadas pelas mais variadas formas de expressão dos sentimentos humanos como por exemplo as artes e os relacionamentos interpessoais, o assunto da sexualidade ocupa na contemporaneidade um lugar de destaque, e sua relevância vem de encontro às permanentes lacunas da sociedade atual.

Debruçar-se no estudo da sexualidade requer uma longa jornada, mas os primeiros passos dependem significativamente de pelo menos três fatores essenciais, a saber, compreender o lugar da sexualidade na história da civilização, passando por Freud com suas novas configurações sobre o tema e lançar um olhar atento e crítico para as grandes demandas de nosso mundo contemporâneo.

“Sem pecado, nada de sexualidade, e sem sexualidade, nada de História.”. Esta afirmação do filósofo e teólogo dinamarquês, Sören Kierkegaard (1813- 1855) justifica que a história da civilização está amplamente associada às vivências e expressões sexuais da espécie humana e associadas a fatores culturais, sociais, econômicos, éticos, morais e religiosos dentro de um contexto histórico.

A sexualidade é construída historicamente desde as formas mais primitivas de vida, e foi evoluindo nos períodos posteriores da humanidade sustentando a obtenção de prazer e formação de modelos sociais como casamento e família, tendo principalmente na arte, um acervo documental de seu desenvolvimento.

O filósofo e historiador Michel Foucault (1926-1984) justifica que a sexualidade é um dispositivo histórico como uma forma de experiência dinâmica dentro de uma cultura permeada de saberes, normas e subjetividades cujo objetivo é a expressão e experimentação do prazer. No entanto, foi na modernidade que a sexualidade assume novos traços na individualidade e subjetividade do sujeito.

Ele também vai afirmar que a sexualidade não é o sexo e sim é um modo de ser que se incorpora a um corpo mediante as práticas dentro de uma realidade histórica, e que é ela é também resultado do sentido e do valor de cada um, de sua conduta, da série de deveres que adota, dos prazeres que conhece ou aos quais aspira, seus sentimentos, seus sonhos. Falar da sexualidade implicaria supor que,  ela assume, nas suas manifestações, formas historicamente singulares.

Mas ao falar sobre sexualidade, torna-se imprescindível um percurso por Freud, sem o qual não seria possível ampliar horizontes e superar paradigmas herdados da própria história, pois foi a partir de Freud em seus estudos sobre o funcionamento das neuroses a  descoberta de que os desejos reprimidos estariam ligados a conflitos de natureza sexual dos primeiros anos de vida, e que isto seria determinante na estruturação da nossa personalidade, colocando definitivamente o tema da sexualidade no centro das principais discussões do psiquismo.

Em sua obra Os Três Ensaios da Sexualidade (1905), Freud se lança a um minucioso estudo sobre os fatores sexuais ligados à etiologia das neuroses, abordando temas como a homossexualidade sob o ponto de vista da inversão sexual, bissexualidade, perversões, libido, sadismo, masoquismo, entre outros, considerando que os sintomas neuróticos surgem a partir de pulsões sexuais, chegando finalmente ao estudo da sexualidade infantil e suas respectivas fases libidinais, o que lhe custou, inclusive, um alto preço de seu prestígio até então.

Em Complexo de Édipo e Castração, questões como o corpo, o desejo, as fantasias e o prazer se instalam no centro das discussões de Freud acerca sexualidade, sendo que é na criança edipiana, seja menino ou menina, as fantasias e angústias serão recalcadas emergindo a partir de então o sentimento de culpa e a moralidade, determinantes na constituição da identidade sexual do sujeito.

No entanto, ao fim de suas investigações, Freud ao considerar que suas recentes descobertas acerca da sexualidade ainda eram insuficientes diante das demandas psíquicas do sofrimento humano, afirma: “E também aqui “há trabalho suficiente para se fazer nos próximos cem anos – nos quais nossa civilização terá que aprender a conviver com as reivindicações de nossa sexualidade.”, deixando assim, uma porta aberta para investigações futuras e novas descobertas.

Embora as obras de Freud estejam sempre entremeadas de um teor profundamente sexual, foi em suas obras sociológicas na aurora de sua vida como por exemplo Totem e Tabu, que temas como o incesto e a repressão sexual volta a se tornar central e determinante para descrever o sentido e a compreensão dos sintomas e sofrimentos da civilização humana no decorrer de seu desenvolvimento.

E é a partir das concepções psicanalíticas de Freud que chegamos no contexto contemporâneo onde o conceito de sexualidade assume novos formatos, tendo na busca de prazer e descoberta das novas sensações o intuito de obter satisfação plena, deixando de se sujeitar apenas a fatores biológicos dos desejos do corpo, para se aliar às novas configurações sócio culturais da pós modernidade.

O tema da sexualidade assumiu um lugar de destaque no mundo contemporâneo, se tornado objeto de debates, questionamentos e pesquisa. O indivíduo tem sido intensa e constantemente estimulado a buscar novas experiências de obtenção de prazer. Novos canais de estímulo sexual surgem a partir dos formatos midiáticos de exploração visual que alimentam, por exemplo, o culto e exposição do corpo, cenário notoriamente provocador de sensualidades.

O contexto contemporâneo se tornou bastante apropriado para buscar novas reflexões acerca da compreensão e aceitação da sexualidade, seja de maneira individual ou coletiva, com objetivo de ajudar o sujeito a superar suas dúvidas e tabus, aprender a lidar de maneira saudável com os próprios desejos e sensações e de se evitar assim o surgimento ou aumento dos próprios conflitos de origem sexual, proporcionando o amadurecimento  da sociedade em torno dos temas mais latentes com a sexualidade feminina, a homossexualidade e a bissexualidade.

Portanto, sexualidade é um tema que não se esgota e um diálogo com a história, com Freud e com o mundo moderno permite uma análise crítica e de reflexão acerca das novas formas do sujeito se relacionar consigo mesmo e com o outro a partir de seus desejos influenciados pelo narcisismo da pós modernidade.

A sexualidade é um traço marcante da construção da identidade cultural. O sociólogo Gilberto Freyre (1900–1987), por exemplo, coloca o tema da sexualidade no centro da formação histórica e social do país, e afirma que a sexualidade contribuiu para a construção cultural ou seja, faz parte da própria essência do povo.

Finalizando, certa vez haviam quatro filhos cuja mãe se chamava Afrodite, que representava as diversas formas de amar. Eram companheiros constantes da deusa, sempre retratados ao seu lado. O primeiro se chamava Eros, o deus do amor inconsequente, da união, da afinidade que inspira ou produz simpatia entre os seres, para os unir em outras procriações. O segundo, Anteros, oposto ao primeiro, era o deus da desilusão, da manipulação, do amor não-correspondido da antipatia, da aversão, que desune, separa, desagrega, o terceiro se chamava Himeros, o deus do desejo sexual e o último, Pothos, o deus das paixões.

Mitos que nos apontam a força propulsora da sexualidade nas relações interpessoais e seu lugar essencial no desenvolvimento e valorização do ser humano. É por essa razão, entre tantas outras, que compreender a sexualidade é compreender a própria a vida. Como disse certa vez o romancista francês Boris Vian (1920-1959), “sexualmente, quer dizer, com a minha alma.” 

Sugestões Bibliográficas:

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade, volumes I e II. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1988.

FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Porto Alegre: L&PM Editores, 2012.

LANGER, Maire. Maternidade e sexo. Porto Alegre: Artes médicas, 1986.

NASIO, J.D. Édipo: o complexo do qual nenhuma criança escapa.  Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

STEARNS, Peter. História da Sexualidade. São Paulo: Editora Contexto, 2010.