Por Pedro Castro -
A série O Paciente, da FX, é curta, com apenas 10 episódios, mas rica em elementos que permitem refletir sobre a prática psicanalítica e os desafios do trabalho clínico. Neste texto, parto do pressuposto de que a abordagem utilizada é psicanalítica e foco na condução do analista, destacando as lacunas evidenciadas ao longo do processo terapêutico.
Falhas na Identificação da Parte Psicótica da Personalidade do Paciente e na Capacidade Negativa do Analista
No primeiro episódio, o analista, interpretado por Steve Carell, recebe um paciente, vivido por Domhnall Gleeson, que relata ter sido repetidamente agredido pelo pai. Durante a sessão, torna-se evidente que o paciente se mostra evasivo e distante, tanto em relação às perguntas quanto ao próprio analista.
Após algumas sessões, o analista rapidamente interpreta a relação, apontando ao paciente sua postura evasiva e distante, e sugere que, para o progresso do trabalho, ambos precisariam estabelecer uma relação mais íntima. Nesse momento, surge o problema: o que “ser íntimo” significa para esse paciente? O analista presume que o paciente compreende a ideia de intimidade, o que não é o caso.
A teoria de Bion sobre a capacidade negativa - a habilidade do analista de suportar o “não saber” sem projetar suas próprias suposições - revela-se crucial aqui.
A resposta do paciente à proposta do analista é alarmante: ele o sequestra e o mantém no porão de sua casa. Ao recobrar a consciência, o analista pergunta o que está acontecendo, e o paciente responde: “Você sugeriu que deveríamos ser íntimos.” Esse momento ilustra a recomendação de Melanie Klein, posteriormente expandida por Bion, de que a comunicação com a parte psicótica da personalidade deve ser distinta daquela com a parte neurótica.
Enquanto a parte neurótica tem capacidade simbólica, a parte psicótica interpreta tudo de forma literal. Assim, para o paciente, a ideia de “intimidade” justifica o sequestro como meio de estabelecer proximidade.
Ao longo da série, outras lacunas tornam-se evidentes. O exemplo mais marcante ocorre quando o analista sugere que os atos de violência do paciente - um serial killer - poderiam simbolizar seus sentimentos em relação ao pai. Para o paciente, essa interpretação oferece alívio, e ele decide matar o pai.
Embora o paciente, em alguns momentos, acesse partes neuróticas de sua personalidade, permitindo maior simbolização e diálogo, o analista se equivoca quando não diferencia adequadamente essas instâncias, o que compromete o trabalho analítico. É fundamental evitar pressupostos sobre o entendimento do paciente, diferenciando as comunicações dirigidas às partes psicótica e neurótica da personalidade.
Questões para reflexão:
1. O que meu paciente compreende do que eu digo?
2. Como analista, sou capaz de tolerar meu “não saber” e, quando necessário, pergunto ao paciente o significado que algo tem para ele?
3. Sei distinguir as nuances da comunicação entre as partes psicótica e neurótica da personalidade?
O Lugar do Analista
Desde o primeiro episódio, observa-se uma inversão de papéis: o paciente começa a ocupar o lugar do analista, percebendo e nomeando as emoções do terapeuta.
Autores pós-kleinianos, assim como Melanie Klein em Inveja e Gratidão, destacam que o analista deve sempre manter seu lugar no setting terapêutico. Contudo, isso nem sempre é fácil. Esta leitura pode sugerir que há uma responsabilidade do paciente por inverter o papel com o analista, todavia o paciente pode “fazer o que bem entender” no setting terapêutico, mas cabe ao analista sustentar sua posição e não se deixar desviar de seu papel.
Reflexão:
Até que ponto conseguimos sustentar nosso papel, sem sermos capturados pelo conteúdo manifesto apresentado pelo paciente? Somos capazes de resistir ao desejo do paciente por uma interpretação imediata, mantendo o silêncio quando necessário?
Proximidade e Distanciamento
Durante o tratamento de experiências emocionais, é essencial equilibrar proximidade e distanciamento. É necessário estar “um” com o paciente em determinados momentos, mas também saber sair dessa posição simbiótica com cuidado e leveza.
Na série, especialmente nos primeiros episódios, o paciente percebe a desconexão do analista e sente-se frustrado.
Perguntas fundamentais:
1. Qual é minha capacidade de me conectar emocionalmente com o paciente?
2. Como está meu espaço interno para lidar com as demandas de cada sessão?
3. Estou negligenciando minha própria análise e supervisão?
A Não Percepção da Própria Experiência Emocional
Para finalizar, destaco a importância de acolhermos nossas próprias experiências emocionais durante as sessões. Focar exclusivamente no paciente, ignorando nossos próprios sentimentos, compromete a eficácia do trabalho analítico.
Conceitos como contratransferência ou turbulência emocional mostram que as emoções do analista podem ser ferramentas valiosas. Na série, se o analista tivesse percebido seu desejo de afastar-se do paciente como reflexo de algo vivido por este, o desfecho trágico poderia ter sido evitado.
O paciente, ao final da série, acolhe parte das interpretações do analista, decidindo se trancar em casa e confirmando a interpretação de que precisaria ser internado.
Reflexão final: Quando, de fato, uma análise termina?
Mesmo com as lacunas inevitáveis, cabe ao analista sustentar uma prática ética e reflexiva, garantindo que o paciente de amanhã encontre um profissional mais inteiro e consciente.
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Direção: Joel Fields e Joe Weisberg
Plataforma: FX
Sobre o Autor: Sou Pedro Castro, membro do Instituto Ékatus, facilitador no programa de formação em psicanálise e coordenador do grupo Melanie Klein Hoje, na Escola Paulista de Psicanálise. Ministro cursos sobre os pensamentos de Bion, Klein, pós-kleinianos e Winnicott. Atuo como psicanalista clínico e supervisor. Para análise pessoal e supervisão, entre em contato pelo telefone (12) 99175-1787.