Por Kevin Nicolas S. dos Santos -
Freud, ao longo dos anos, foi alterando sua técnica conforme identificava certas necessidades e aprimorava seu cabedal teórico. Por óbvio, a técnica deveria ser a mais adequada ao tratamento, e, também, coadunar-se com o conhecimento teórico do qual os analistas dispunham à época. Foram diversas modificações pelas quais a psicanálise passou desde o seu início, e faremos uma breve passagem por tais fases aqui, aprofundando-nos, naturalmente, na última.
Tudo começou com o método catártico de Breuer, em que era utilizada a hipnose para se atingir o material recalcado, contornando toda resistência possível. Quando se atingia o cerne desse material, a paciente apresentava uma espécie de alívio em razão da liberação de alguns afetos (ou libido). A essa descarga de energia Freud nomeou de catarse, e daí o nome método catártico.
Na sequência, após o abandono da hipnose, principalmente pelo fato de muitos analisandos não conseguirem entrar em estado hipnótico profundo com facilidade, Freud ainda continuou tentando contornar a resistência, mas por meio da inferência de lembranças a partir daquilo que lhe era dito pelo paciente. A análise focava precipuamente nos momentos de formação de sintomas e anteriores ao estado da doença, buscando-se, assim, que o analisando superasse suas próprias resistências e lembrasse dos fatos.
Freud, por fim, novamente corrigiria sua técnica. Não mais tentaria contornar a resistência, entendendo-a como um empecilho. Ao contrário. A partir de seus estudos, havia notado que elas não somente eram parte importantíssima da doença, como também peça-chave para se atingir uma possível cura. Àquele tempo, o movimento psicanalítico entendia ser possível curar pacientes com distúrbios psíquicos, e Freud compartilhava dessa convicção.
Eis, então, sua terceira grande mudança na técnica: o analista permitiria que o analisando falasse aquilo que lhe aprouvesse. O médico, de posse dessas informações, iria analisar a superfície psíquica do paciente e, com a adequada interpretação, deveria ele desvendar as resistências existentes nos pensamentos e comportamentos do analisando e traduzi-las a ele.
Após muitos casos clínicos, Freud observou que as resistências, quando descobertas, permitiam que as lembranças, antes esquecidas (material recalcado), agora fluíssem para o consciente do paciente, auxiliando na explicação dos sintomas psíquicos ou físicos sofridos.
Este trabalho poderia acabar aqui, se não fossem as dificuldades apresentadas no caminho da analista durante o percurso terapêutico. Um dos maiores obstáculos, sem dúvidas, envolve o manejo da transferência.
Ao longo das vidas, as pessoas adquirem certas tendências, costumes e formas de lidar com questões do amor que, aliadas às predisposições inatas de cada um, geram certas metas, pulsões a satisfazer e condições que elas próprias estipulam para si e para o outro, objeto de seu amor. Essa forma de pensar (e agir) em parte é consciente e, em grande medida, é inconsciente, ou seja, possui suas origens (e diversas de suas derivações) absolutamente escondidas nas profundezas da inconsciência, sendo repetida inúmeras vezes ao longo da vida, nos mais diversos tipos de relações que temos (ainda que não rigorosamente “amorosas”). Então, por óbvio, a postura irá se repetir perante a figura do médico, e a esse direcionamento nós chamamos de transferência.
Freud fez a distinção entre a transferência positiva e a negativa. Como o próprio nome indica, a transferência positiva é a situação em que o analisando direciona ao analista ideias e afetos semelhantes àqueles que direciona a pessoas com quem detém uma relação teoricamente saudável. Envolve, portanto, sentimentos positivos, confiança e certa facilidade na comunicação com o analista.
Já no que se refere à transferência negativa, ela ocorre quando o direcionamento das moções é o mesmo que o analisando tem com pessoas com quem não detém uma relação harmônica, e os sentimentos despertados durante a análise, segundo Freud, podem prejudicar ou até fazer com que a análise seja definitivamente interrompida.
Desta feita, para Freud, o tratamento deveria ocorrer sob a égide apenas da transferência positiva. Era essa a condição. Mesmo essa abordagem, porém, estava sujeita a alguns inconvenientes. Talvez o principal deles fosse o enamoramento do analisando pelo analista, um empecilho infelizmente comum.
Para contornar e retirar proveito terapêutico da situação, Freud indicava que o correto, pensando-se na cura do paciente, seria pedir para que ele falasse mais daquele sentimento de enamoramento: como surgiu, as condições, os porquês, os antigos enamorados daquele analisando (e seus términos), enfim, que houvesse uma exploração daquele material, pois tratava-se, obviamente, de um conteúdo advindo diretamente do inconsciente que deveria ser analisado. Além do mais, poderia o enamoramento ser expressão da resistência, presente unicamente com a finalidade de atrapalhar o progresso da terapia. Em vista disso, explorar o fenômeno, para Freud, era sem dúvida o mais recomendado.
Quanto às outras possíveis soluções na situação, como pedir para o paciente “esquecer” suas emoções, ou, ainda pior, iniciar um relacionamento com o paciente (legítimo ou não), eram, obviamente, totalmente fora de cogitação por Freud, e, até mesmo, poderiam beirar o antiético. Afinal, para ele, aquela paixão não era pelo “analista” em si, mas, sim, um enamoramento do passado que, em razão da terapia, havia se voltado para a figura do médico, mas sem lhe pertencer originalmente. Era a volta do recalcado.
Por fim, após a adequada interpretação e tradução das resistências para o analisando, depois de esclarecido o material recalcado, e, ainda, considerando que a transferência havia sido devidamente manejada, deverá o analista aguardar. As resistências, ainda que desvendadas, deverão ser superadas a partir do conhecimento das pulsões mais profundas recalcadas que as alimentam. Somente assim materiais psíquicos da vida presente e futura do analisando não serão, novamente, objetos da resistência, gerando mais sofrimentos. A esse trabalho de superação das resistências, descobrindo-se as pulsões que as alimentam, Freud denomina de perlaboração. É, também, parte do processo terapêutico, mas não mais, segundo Freud, incumbência do analista. O perlaborar será, inteiramente, realizado pelo paciente, cabendo ao psicanalista unicamente aguardar o tempo de seu analisando.