Por Gabriela de Souza Honorato -
No artigo “Comunicação Preliminar”, Freud (1893) destaca a predominância do “trauma” no que se poderia presumir acerca das causas da histeria. Haveria para ele uma experiência afetivamente marcante na maioria dos fenômenos histéricos, senão em todos. Essa experiência poderia ter origem num único evento (levando à “histeria traumática”) ou numa série de impressões afetivas (podendo gerar uma “histeria comum, não traumática”).
O que, de fato, produziria o “trauma” seria o “afeto” associado ao evento e/ou “impressões” do paciente. O “trauma” seria, portanto, o que o autor vai chamar de “trauma psíquico”. Do mesmo modo, Freud argumenta que “muitas vezes uma única causa precipitante não basta para fixar um sintoma”, sendo necessário um conjunto de situações. O sintoma, por sua vez, estaria, em geral, numa relação simbólica com a causa, tal como se quisesse expressar o estado mental por meio de um estado físico. Freud nos apresenta alguns exemplos, tal como o da mulher que sentia dores no calcanhar direito. A dor expressava o medo que sentiu, quando apareceu pela primeira vez em sociedade, de “não acertar o passo” naquele meio. A histeria comum (não associada a um evento específico) seguiria esse mesmo modelo, tendo origem num “trauma psíquico”.
Freud faz uma defesa de Breuer no fato de que, como técnica de tratamento, a tentativa de descobrir a causa determinante da manifestação histérica, fazendo perguntas ao paciente sob hipnose, era, ao mesmo tempo, terapêutica, uma vez que seria possível que o sintoma se desfizesse. A partir desta observação, começa a argumentar que a/s lembrança/s envolvida/s com evento/s e/ou impressões não se desgastavam e nem permaneciam “esquecidas”, continuando a exercer poder sobre o sujeito. Freud apresenta a tese de que quando uma pessoa experimenta uma impressão psíquica, alguma coisa em seu sistema nervoso aumenta – “soma de excitação”. Haveria, em seguida, uma tendência, em todo indivíduo, a diminui-la, preservando-lhe a saúde. A diminuição da “soma de excitação” poderia ocorrer por vias motoras. Muitas vezes chorar, insultar alguém ou esbravejar seria o suficiente. Mas, em alguns casos, quando não há uma reação suficiente ao trauma psíquico, a lembrança dele preservaria o “afeto” que lhe coube originalmente, podendo levar, em algum momento da vida, a sintomas histéricos. Assim, haveria nos histéricos impressões que não perderam seu “afeto”.
Desse modo, sua terapia, no momento da publicação do referido texto, consistia em fazer com que alguém que tivesse experimentado um trauma psíquico sem reação suficiente a ele, o experimentasse novamente, sob hipnose, forçando-o a completar sua reação – livrando-o do que estava “estrangulado”. Assim, seria possível, “deliberadamente, reconduzir a excitação da esfera somática para a psíquica”. O indivíduo conseguiria “libertar-se da contradição com a qual é confrontado” (FREUD, 1894). Esse algo “estrangulado”, aos olhos de Freud (1894), relacionava-se, predominantemente, com a sexualidade. O “trauma psíquico”, na histeria, para o autor, estaria relacionado a fatores sexuais: seria “impossível arrancá-la do contexto das neuroses sexuais” (FREUD, 1893-1895). A sexualidade, portanto, era o que de específico via na etiologia da histeria. No artigo “Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa”, Freud (1896) também argumenta que em todos os casos que observou, o fator responsável pelo desenvolvimento das neuroses seria uma “experiência sexual de caráter traumático”. De forma mais específica, a “sedução de uma criança por um adulto” – a “teoria da sedução”.
A teoria da sedução, foi, posteriormente, abandonada pelo próprio Freud, tratando-se, portanto, de um equívoco. Se ele chegou a registrar (FREUD, 1896) que todos os casos por ele observados de neuroses (histerias, obsessões, fobias) envolvia a sedução, em diálogo com Fliess em 1897, teria observado que seria muito difícil acreditar que existiriam tantos “atos pervertidos contra crianças”, e, particularmente, pelo pai da criança. O equívoco foi cometido porque, naquele momento, ele ainda não havia desenvolvido ideias e teorias mais elaboradas dos mecanismos psíquicos, por exemplo, a respeito do papel das fantasias nos eventos mentais (somente mais tarde elaborou a teoria do complexo de édipo e do desenvolvimento da sexualidade infantil). Inclusive, vai sustentar que as histórias de serem vítima de ataques sexuais, comumente narradas pelos histéricos, poderiam ser ficções obsessivas surgidas do traço mnêmico de um trauma infantil. Na nota de rodapé acrescentada em 1924 no artigo “Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa”, Freud coloca que tem reconhecido e corrigido esse erro, afirmando que não sabia distinguir fantasias de recordações reais.
Na história da histeria, entretanto, outros equívocos – sabe-se hoje – foram igualmente cometidos. Freud foi levado a crer na sedução de uma criança, geralmente do pai, como provável causa do desenvolvimento de manifestações histéricas. Mas há registros de mais de dois mil anos de tentativas de compreensão do quadro de forma associada às mulheres. Chegou-se a relacionar os sintomas exclusivamente ao “útero”, ou melhor, ao fato de o útero ser “um animal que caminhava sobre o corpo da mulher”, causando sufocação entre outras sensações; a recomendar a introdução de chumaços de tecido com perfume na vagina; a tomar as manifestações como uma “retenção da semente feminina”; a se acreditar na predisposição da mulher a desenvolver possessão demoníaca e bruxaria, e, com efeito, histeria. Chegou-se, também, durante muito tempo, recomendar casamento, sexo e gravidez como terapia, além de descanso, viagem e águas termais. O caráter sexual e de gênero das crises histéricas, portanto, já vinham sendo discutido e tomado como verdade por séculos. A visão que se teve/tem da mulher foi/é determinante para que se reduza sofrimento psíquico à sexualidade.
É possível que o equívoco de Freud tenha sido suscitado pelo próprio uso do método catártico de Breuer: sob hipnose, imagens, sensações, lembranças, etc., enunciadas pelos pacientes foram todas adotadas por ele como verdades absolutas e não como fantasias. Na hipnose o terapeuta pede que o paciente comente, por exemplo, cenas que vêm à sua mente. Essas cenas, contudo, nem sempre são fatos reais. Mas no final do século XIX Freud ainda não havia dado conta da possibilidade de serem fantasias. Ele começa a defender a associação livre e a condenar a hipnose, mas, ainda por um tempo, creu que era a mais pura verdade toda narrativa feita pelos pacientes. Somente em 1906 Freud afirma que errou ao considerar a sedução como causa da histeria. No artigo “Minhas teses sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses”, ele propõe a substituição da teoria da sedução pela tese da fantasia histérica. Trata-se de ficção sobre o que ocorreu na infância e que ajudaria a dar um sentido para os sintomas histéricos. Parece, desse modo, que embora a fantasia não seja algo real, acaba sendo uma via para se chegar a impressões ou representações que foram expulsas da consciência, e que, na falha do mecanismo de defesa, vieram a causar sintomas histéricos.
Referências:
FREUD, S. (1894). As neuropsicoses de defesa. In: Neurol. Zbl., 13 (10), 362-4, e (11), 402-9.
FREUD, S. (1893-1895). A psicoterapia da histeria. In: Estudos sobre a histeria.
FREUD, S. (1896). Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa. In: Neurol. Zbl., 15 (10), 434-48.
FREUD, S. (1893). Sobre os mecanismos psíquicos dos fenômenos histéricos: uma conferência. In: Wien. med. Presse, 34 (4), 121-6 e (5), 165-7.