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O equívoco da teoria da sedução

O equívoco da teoria da sedução

Por Maria Teresa Manfredo - 

A chamada teoria da sedução presente na obra de Sigmund Freud é resultado de uma série de modelos teóricos que começam a ser apontados, por exemplo, em seu texto de 1893, de título “Sobre o Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos: uma Conferência - Comunicação Preliminar”. Nele, grosso modo, Freud trata da patogênese dos sintomas histéricos, sempre sugerindo que as causas do desenvolvimento de tais manifestações devem ser buscadas no âmbito da vida psíquica.

Dentre os modelos teóricos desenvolvidos a partir da “Comunicação Preliminar”, podemos destacar a argumentação de que há uma experiência afetivamente marcante por trás dos fenômenos da histeria. Essa experiência seria de tal ordem que tornaria o sintoma histérico (dores, paralisias, contraturas, distúrbios da fala e da visão etc.) imediatamente inteligível com que se relaciona. Tal inteligibilidade, segundo Freud demostraria que o sintoma é inequivocamente determinado.

Entretanto, já nessa fase Freud alerta que a determinação do sintoma pelo trauma psíquico não seria tão explícita em todos os casos, havendo também espaço para determinação de causas. O que se encontraria mais comumente seria o que chamou de uma relação simbólica entre a causa determinante e o sintoma histérico. Freud explica que nos quadros histéricos é como se houvesse a intenção de expressar o estado mental através de um estado físico; e o uso da palavra, a verbalização da experiência marcante, importante ferramenta em suas terapias (ainda que nessa época Freud se utilizasse de técnicas de hipnose e sugestão em seus tratamentos), forneceria o caminho pela qual isso poderia ser efetuado, ou seja, uma ponte para se chegar ao(s) fator(es) desencadeante(s) do fenômeno que persistiria posteriormente como sintoma crônico.

Outra importante argumentação teórica presente nesse momento da obra de Freud é a de que quando, por qualquer motivo, não se poderia haver reação a um trauma psíquico, o afeto original dessa experiência seria retido. Nesse período Freud concebia a mente humana como passível de ser dividida entre consciência e “estado hipnoide”. De maneira breve, o estado hipnoide seria uma espécie de segunda consciência, onde afetos oriundos de traumas seriam armazenados.

Por conseguinte, segundo Freud, quando a pessoa não consegue se livrar da avalanche de estímulos causada pelo acometimento sofrido, através de algum tipo de descarga emocional que chama de “ab-reação”, a experiência afetivamente marcante em questão permaneceria como um trauma psíquico. A propósito, Freud destaca neste ponto a ideia de que um mecanismo psíquico sadio teria outros métodos de lidar com o afeto de um trauma psíquico, para além da reação motora e da reação por palavras — a saber, elaborando-o associativamente e produzindo ideias contrastantes, colocando em perspectiva o evento marcante ocorrido. Seria exatamente nesse aspecto que o tipo de terapia por ele defendida atuaria no que chamava de cura do sintoma histérico.

Resta ainda dizer que em 1893 Freud também defende que haveria alguns tipos de condições sob as quais as lembranças de um evento se tornariam patogênicas. Vale destacar aqui o grupo de condições - que, inclusive, traz consigo, de maneira subjacente, a noção freudiana de “defesa” – no qual as lembranças a que se podem vincular os fenômenos histéricos teriam como conteúdo afetos que envolveram um trauma tão grande que ou a) o sistema nervoso não teve forças para lidar com isso de alguma forma, ou b) por motivos sociais, a reação foi impedida; ou, por fim, c) a pessoa simplesmente recusou-se a reagir ao trauma psíquico.

Sendo assim, podemos afirmar que o que Freud via em relação à etiologia da histeria é especificamente a predominância do fator traumático entre as suas causas presumíveis. Em outras palavras, para Freud, portanto, toda histeria poderia ser encarada como histeria traumática, no sentido de que implicaria trauma psíquico e no sentido de que todo fenômeno histérico seria determinado pela natureza do trauma decorrido. Paulatinamente, Freud foi relacionando esses traumas psíquicos à vida sexual de seus pacientes, o que resultou em sua teoria da sedução.

No que diz respeito mais especificamente à teoria da sedução em Freud, podemos afirmar que essa é a concepção que foi construindo em seus textos desde então (quando a ênfase foi colocada no conceito de “defesa” ou “recalcamento”) e apresentada de maneira mais veemente em 1896 em “Observações Adicionais sobre Neuropsicoses de Defesa”, onde acaba concluindo que, em todos os casos por ele analisados, o fator responsável para a defesa ser posta em ação é uma experiência sexual de caráter traumático — mais especificamente, no caso da histeria, uma experiência passiva. Dito de outro modo, a teoria da sedução fundamenta-se na premissa de que a causa última da histeria e de seus mecanismos de defesa (inconscientes) seria sempre a sedução de uma criança por um adulto; contando também com o fato de que o evento traumático sempre ocorreria antes da puberdade, embora a manifestação da neurose ocorresse após esse período.

Contudo, numa leitura contemporânea e retrospectiva da psicanálise, podemos observar que esse período da obra de Freud, ao mesmo tempo em que tem o mérito de trazer ideias inaugurais em vários sentidos acima apontados, traz consigo alguns equívocos. Isso porque, como posteriormente assumido pelo próprio Freud, naquela época ele ainda não fazia a distinção entre as representações de seus pacientes sobre sua infância e os fatos concretamente ocorridos. Como resultado, foi atribuído ao fator etiológico da sedução uma universalidade e uma importância que, de fato, ele não possui.

Adicionalmente, podemos destacar que há uma relação entre equívocos técnicos cometido por Freud na elaboração da teoria da sedução e os já cometidos na história da histeria, sobretudo o de buscar entender os mecanismos psíquicos de uma maneira muito mecânica e direta, ligada sempre a esquemas de causa, efeito e cura. Além disso, naquele momento, tanto Freud quanto seus pares acreditavam que o médico era o grande responsável por desvendar, por resolver o problema do paciente, colocando esse último sempre numa posição de passividade dentro do tratamento. Dentre outras consequências, essa postura profissional traz consigo uma espécie de cegueira para o fato de que pode haver uma distinção e até um confronto entre o fato vivido e a versão do fato trazida linguisticamente pelo paciente.

Nesse sentido, não podemos deixar de concluir reforçando uma descoberta ulterior, concebida pelo próprio Freud, uma vez que tal concepção teórica viria a resolver de diversas maneiras alguns dos principais problemas da teoria da sedução. Trata-se do papel desempenhado pela fantasia nos eventos mentais; a distinção entre fantasia e a realidade factual foi crucial para explorações teóricas posteriores a respeito da sexualidade infantil e de um de seus mais famosos conceitos, a saber, o complexo de Édipo.