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A criação de símbolos na neurose obsessiva

A criação de símbolos na neurose obsessiva

Por Sérgio Rossoni - 

Podemos entender por aparelho psíquico a expressão que ressalta certas características que a teoria freudiana atribui ao psiquismo: a sua capacidade de transmitir e de transformar uma energia determinada e a sua diferenciação em sistemas ou instâncias. (Laplanche e Pontalis – Dicionário de Psicanálise – pág. 29).

Em última análise, a função do aparelho psíquico é manter ao nível mais baixo possível a energia interna de um organismo. (Laplanche e Pontalis – Dicionário de Psicanálise – pág. 30).

Para W.R. Bion, um dos mais importantes psicanalistas, o aparelho psíquico se resume da seguinte forma: soma (conjunto das partes que constitui um todo) psique, e o vínculo que os liga. Parte da análise Bioniana será baseada na forma como meu corpo se liga à minha mente e vice-versa.  Um vínculo se forma ligando ambas as partes.

Exemplo: A criança sente fome; A mãe lhe dá o seio; A imagem deste seio é a psique. É formado então um primeiro vinculo, ou como Freud nomeou, Representações de coisas. (consiste num investimento, se não de imagens mnésicas diretas da coisa, pelo menos nos traços mnésicos mais afastados, derivados dela- Laplanche e Pontalis – Dicionário de Psicanálise – pág. 450).

Assim, um vinculo é criado entre a necessidade de comer com a imagem do seio. Os vínculos que vão se criando formam a base da psique (aparelho psíquico como um todo).

É importante entendermos o conceito de vínculo para Bion: designa uma experiência emocional na qual duas pessoas, ou duas partes de uma mesma pessoa estão relacionadas uma com a outra. Bion considera que três emoções básicas são fatores sempre presentes em qualquer vínculo: as de amor (L), as de ódio (H) e conhecimento (K). (David Zimermam – Bion da teoria à prática – pág. 102).

Para Bion, o vinculo entre mãe e bebê não pode ser descrito somente em termos de amor e ódio. É necessário ter um terceiro tipo de vinculo que é o desejo da mãe em compreender o seu bebê (K).

Entre as sensações corpóreas também vão se criando vínculos. Citando o mesmo exemplo anterior da criança sentir fome, cria-se um vínculo entre comer e defecar. Desta forma, cria-se uma espécie de rede formada por diversos vínculos que vão se desdobrando, conectados através da experiência vivida. Exemplo: o sentir fome faz com que o indivíduo busque o alimento, que uma vez ingerido e saciado seu desejo e necessidade vai fazer mais tarde, com que sinta necessidade de defecar, etc.

Sem a experiência, é impossível realizar as conexões, e é graças à psique que entendemos essas experiências corpóreas. Enquanto o soma entende ponto a ponto (comer – defecar), a psique junta estes pontos permitindo uma compreensão entre estes pontos.

Assim, o que liga seio à fome é a função vincular. Num primeiro estágio, cria a representação de coisas (seio, comida, etc), passando para um segundo estágio onde estas representações de coisas são juntadas (seio sacia a fome). Para D.W. Winnicott, ao nascer o self é desintegrado. Aos poucos, os objetos vão se integrando, e por detrás de cada objeto, segundo Bion, existe um vínculo. No esquizofrênico, a capacidade vincular é extremamente prejudicada.

Podemos entender por Phantasia, o conjunto de representações de coisas (conjunto de conexões), que vão criando vínculos na medida em que vão se combinando (seio – fome). Porém, os vínculos se formam a partir da experiência proporcionada pela mãe (holding), e acabam formando a psique. A forma como estes vínculos vão se juntando é o que Melanie Klein denominou de posição.

O desejo de voltar para o estado uterino, faz com que primeiramente o organismo tente jogar seus objetos para fora. Nascer é ruim; Sentir fome, sede, necessidade de defecar, etc, estão longe da plenitude antes vivida no útero. É preciso lança-los para fora buscando o retorno à plenitude. Através da projeção o bebê os lança em direção ao mundo externo (em algo ou alguém), tentando controlá-los através de mecanismos de defesa como a onipotência. Porém, o meio ambiente faz com que estes objetos retornem (introjeção), criando assim um ciclo de projeção e introjeção.

É preciso então separar objetos maus e bons para se obter uma certa ordem interna. Onipotentemente, o bebê realiza esta separação, ou seja, faz uma cisão.

Agora, o mundo e seus objetos são bons ou maus. Melanie Klein definiu este período do desenvolvimento de posição esquizoparanóide. Os objetos maus serão lançados novamente para fora, e através da identificação, o bebê vai incorporar os objetos bons, tornando-se o próprio objeto bom.

Lembrando que objetos bons e maus são projetados e introjetados, sendo a experiência no mundo real, o holding materno, o amor, etc, fatores fundamentais para que este mundo interno seja constituído mais de objetos bons do que maus.

Num segundo estádio, com seu self mais integrado, o bebê agora percebe o objeto como único. A figura da mãe é percebida como única. Os objetos são únicos. Logo, entende que o objeto mau é o mesmo objeto bom. Surge então a culpa por ter em sua phantasia atacado e destruído aquele objeto anterior mau, que pode agora ser entendido também como objeto bom. Melanie Klein nomeou este estágio de posição depressiva. A dor da perda, a culpa, a gratidão, levam então o ser para um novo estádio, onde o bebê começa a assumir sua parcela de responsabilidade diante dos fatos bons e ruins.

Podemos agora exemplificar a psique como uma espécie de moeda que contêm a soma de todos os objetos bons e maus. Posição depressiva pode ser entendido como o vinculo que se forma entre a psique, e todos os outros objetos. Quando tudo é juntado em uma mesma “moeda”, é criado um símbolo.

Os símbolos permitem que um todo seja reconhecido nas partes fragmentadas e dispersas, e que, a partir de um todo, se venham a descobrir as partes. O símbolo é a unidade perdida e refeita, porém esse reencontro unificador não deve se dar nos moldes originais, mas sim no reencontro de um mesmo com um diferente, visto que, na situação psicanalítica, simbolizar consiste em captar o sentido em um outro nível, a partir de um outro vértice. (David Zimermam – Bion da teoria a pratica – cap. 13 – pág. 159)

A capacidade de suportar perdas esta associada à posição depressiva, ou seja, é essencial que a criança para suportar perdas e frustrações, tenha feito a passagem da posição esquizoparanóide para a posição depressiva. A capacidade de criar símbolos depende da capacidade do ego de suportar perdas e substituí-las por símbolos. (David Zimermam – Bion da teoria a pratica – cap. 13 – pág. 159)

Bion, ao estudar os processos criativos inerentes aos do conhecimento, vem discordar de que estes tenham um movimento único, progressivo da posição esquizoparanóide para a depressiva. O processo criativo consiste em um movimento alternativo, alterando-se de um lado a outro por entre as posições de Klein. Todos nós possuímos um núcleo neurótico e psicótico. Estaremos eternamente flutuando entre as duas posições Kleinianas, nos sentindo em um momento, perseguidos por um objeto mau, vitimas de ataques, etc, passando em outro momento a nos sentirmos culpados por desfazer ataques, gratos pelo amor recebido, etc. Assim, o ser revive o ciclo das posições – jogar fora objetos maus, ficando com os bons (posição esquizoparanóide), passando para a posição depressiva;

Após a posição depressiva, surge o que Winnicott denominou de objeto transicional (algo entre a phantasia e a realidade).
Objeto Transicional- Surge para o bebe uma bola de lã, um boneco, um cobertor, uma melodia, etc – algum objeto que diminua sua ansiedade, principalmente sua ansiedade depressiva. Algo que simbolize a mãe “boa”; Algo que nunca “falte”. (D.W. Winnicott – O brincar e a realidade)

Por realidade compartilhada, entende-se a capacidade de ambos entenderem o valor do objeto, sendo o objeto transicional aquele que chega na realidade compartilhada, resultando na comunicação entre as pessoas.

Por empatia, entendemos a capacidade de perceber a identificação projetiva que o outro está fazendo das representações de coisas. Principio básico da contratransferência.

Na análise, deve-se interpretar e informar ao analisando sobre suas transferências. Como resultado, espera-se que o analisando obtenha insights e elaborações, posicionando-se diante de velhas situações e angustias, sob uma nova óptica.

Aquilo que interpretamos, nada mais é do que o desejo da realização de uma phantasia, e o processo de elaboração pressupõem a perda desta phantasia.

Vivemos em torno de um grande dilema – o desejo da realização de nossas phantasias, versus a realidade. Nossa mente (forma racional de trabalho do aparelho psíquico),também chamada pela filosofia de razão, pode ser utilizada estrategicamente para resolver este dilema. A mente pode ser usada para buscar a verdade, bem como para encobri-la, buscando na mentira um falso caminho para a realização dos desejos phantasiosos. Segundo Bion, a razão é utilizada na maioria das vezes para falsear ao invés de falar a verdade, aliada aos mecanismos de defesa diversos.

A mente é utilizada para que o indivíduo se mantenha na phantasia, afastado da realidade dura. Logo, como analista, é necessário que eu descubra qual é a função da mente do analisando, ou seja, como ela trabalhando a favor dos desejos do mesmo.

Segundo Melanie Klein, o neurótico obsessivo se utiliza à razão precocemente a serviço de suas phantasias. Dentro da visão Kleiniana, toda problemática do ser gira em torno da pulsão de morte. Assim, a mente serve para controlar esta pulsão, servindo de solução para a pulsão de morte.

No neurótico obsessivo, a mente trabalha de forma dissociada. Ego forte = ego que assegura plenamente o exercício das pulsões modificadas e controladas por ele, de um modo compatível com as exigências da realidade exterior. É forte o ego que pode, sem maior desordem, fazer frente às demandas atuais e normalmente previsíveis da realidade exterior.

Os mecanismos neuróticos servem para apaziguar os impulsos destrutivos e violentos. Logo, a neurose é uma defesa contra tais impulsos psicóticos. Utilizando mecanismos neuróticos, o ego tenta através da neurose solucionar o problema da angustia.

Neurose Obsessiva é uma tentativa depressiva de dar conta das questões que angustiam. Como característica, os neuróticos obsessivos utilizam um critério racional para resolver a síntese entre o bom e mau. Cria um mito, e passando a crer na sua verdade daquilo que é bom e mau.

Na neurose obsessiva, a razão é utilizada para dissociar, transformando uma determinada ansiedade, em algo suportável, idealizando, dissociando, etc. Afastar o mau é sua estratégia principal. A razão é utilizada para banir o mau.

A neurose é uma relação masoquista por parte do ego – para manter-se em equilíbrio com o superego, rompendo suas relações libidinais, o ego se submete a uma serie de expiações. No final, todo o jogo de defesa e agressões acabam se voltando contra ele mesmo. As defesas também são lembretes em relação aos seus temores. Assim, todo tempo o ego é lembrado do objeto temido. Se por um lado o ritual espanta o mal, também vive lembrando que este existe. Logo, o ritual reforça o mal ao mesmo tempo em que o espanta.

Na neurose obsessiva, a mente vai se unir a um superego muito forte, amplificando e reforçando seus critérios. Criando uma ilusão de óptica, não se pode distinguir a fonte destes critérios, não sendo possível precisar sua origem é proveniente do superego. Criação e criador se fundem. Critérios de uma cultura, civilização, família, já estão contidos no superego.

A sociedade cria teorias para justificar seus critérios que são pré-existentes.